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Princípio da imparcialidade 52

PARTE II ASPECTOS RELACIONADOS À PRODUCÃO DA PROVA PELO

4   PODERES PROBATÓRIOS E PRINCÍPIOS PROCESSUAIS 47

4.2.   Princípio da imparcialidade 52

A imparcialidade do julgador é inseparável do órgão da jurisdição e, ao mesmo tempo, é pressuposto para a instauração válida da relação processual. Trata-se de garantia de justiça para as partes, que têm direito de serem julgados pelo órgão imparcial139, visto que o julgador não pode formar seu convencimento previamente, antes de instaurado o contraditório.

Consoante Geovany Cardoso Jeveaux140:

A dogmática trabalha com a imparcialidade como um símbolo. Enquanto tal, a palavra imparcial configura-se num esterótipo que chama o senso comum de justiça: equilíbrio entre um interesse e outro de forma que nenhum deles esteja em vantagem ou desvantagem até que o “Estado”diga qual prevalece.

Nessa linha de ideias, a imparcialidade implica um senso de justiça, vez que o Estado, representado pelo juiz, somente resolverá os litígios postos para análise diante do material probatório aportado aos autos, e livre influência ideológica, sem pender para umas das partes. Não obstante, “o homem que produz a norma nunca se depreende de suas pressuposições e de

139 CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2005, p. 54, nota 31.

140 JEVEAUX, Geovany Cardoso. A simbologia da imparcialidade do juiz. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.

sua experiência histórica”141. Contudo, apesar desses condicionamentos, o aplicador da lei é instando a decidir somente após formar seu convencimento, por meio da instrução processual.

Ultrapassadas as discussões conceituais, entre os argumentos utilizados por parte da doutrina142 contra a atividade instrutória oficial do juiz sobreleva-se o temor de se quebrar a imparcialidade do magistrado, que não pode favorecer qualquer das partes143. Relatam que há incompatibilidade entre o exercício dos poderes conferidos pelo artigo 130 do Código de Processo civil e a imparcialidade do juiz144. Afirmam que a inércia do julgador frente a prova

garante sua imparcialidade.

Nesse ínterim, alguns doutrinadores obtemperam que o resultado do processo é reflexo do grau de empenho das partes, visto que a atuação oficiosa do juiz pode colocar em risco sua imparcialidade145, pois o juiz estaria advogando em prol de uma das partes, suprindo uma deficiência técnica, por exemplo146. Contudo, em se tratando de direitos indisponíveis poderia o julgador exercer essa faculdade.

Dessas opiniões ouso discordar. A uma porque o poder conferido ao juiz na instrução probatória é indiferente ao tipo de relação material discutida. A duas porque o juiz poderia ser parcial em se tratando de direitos indisponíveis? A resposta é, sem dúvida, negativa.

Não se deve perder de vista que existe interesse público na obtenção da justa composição da controvérsia, acarretando a atribuição dos poderes instrutórios do juiz, independentemente da natureza da relação jurídica discutida. O processo como instrumento da atividade jurisdicional do Estado é um só, sendo irrelevante se a matéria é civil, penal, trabalhista, de direito material ou processual.

A prova tem por objetivo convencer o juiz sobre a existência ou não das alegações. Por isso, independentemente da natureza do direito, a atividade instrutória é permitida por lei. Assim, a atividade oficial do juiz não entra em choque com à imparcialidade do juiz e o direito das partes ao processo justo, exceto se o juiz não observar o contraditório e favorecer

141JEVEAUX, 1999, p. 78, nota 140.

142JARDIM, Afrânio Silva. O princípio dispositivo e a intervenção do Ministério Público no processo civil

moderno. Revista de Processo. São Paulo, ano 44, n. 166, p. 44-166, dez. 2008.

143 BEDAQUE, 2009, p. 108, nota 40. 144 MONTERO AROCA, 2002, p. 412.

145YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova.

São Paulo: Malheiros, 2009, p. 130.

146WAMBIER, Luiz Rodrigues. SANTOS, Evaristo Aragão. Sobre o ponto de equilíbrio entre a atividade

instrutória do juiz e o ônus da parte de provar. In: MEDINA, José Miguel (Coord).Os Poderes do Juiz e o

Controle das decisões Judiciais: estudos em Homenagem à professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 153.

uma em detrimento de outra147. No magistério de Barbosa Moreira148, quando se determina a produção da prova não se sabe de antemão a quem beneficiará, pois o juiz não tem condições de prever o seu resultado. Não seria parcial um juiz que, tendo conhecimento de que a produção de determinada prova possibilitará o esclarecimento de um fato, deixe de fazê-lo? E se tal atitude beneficiar a parte sem razão149? Logo, o resultado da prova não será previsto pelo juiz.

Cabe enfatizar que não importa vencer autor ou réu: deve vencer que tem razão. E a busca de provas serve para esclarecer fatos controversos e possibilitar a atuação do direito, sem que tal atitude esteja sendo tomada em prol de qualquer das partes.

O magistrado, ao determinar a produção de prova de ofício, não compromete sua imparcialidade. Ele não age em favor de qualquer das partes e não está subsidiando qualquer dos litigantes. Ao contrário, está desempenhando a sua função para julgar bem. Ele não advinha a quem a prova beneficiará, afinal, uma vez introduzida nos autos a prova passa a pertencer ao processo.

Se a determinação da prova de oficio comprometesse a imparcialidade do juiz, por beneficiar uma das partes, no caso de omissão em determinar a prova também a comprometeria. Ora, a falta da prova beneficiará a quem for desfavorável, caso se realizasse. Assim, se o juiz perceber que precisa provar determinado fato e não determinar a produção da prova de ofício estará sendo parcial.

Vislumbramos que o juiz, ao exercer o seu poder probatório, age de acordo com os fins do processo de prestar a tutela jurisdicional adequada, já que a atividade instrutória não deve ficar concentrada exclusivamente nas mãos das partes. Busca averiguar e verificar adequadamente os fatos, mesmo que seja tarefa difícil chegar a verdade real. Mas, quanto mais próximo a ela, melhor será a atuação da norma jurídica concreta. Seria parcial o juiz que assistisse o confronto entre as partes e nada fizesse para possibilitar o exercício do contraditório com paridade de armas.

147 COMOGLIO, Luigi Paolo. Garanzie constituzionali e giusto processo (modelli e confronto). Revista do

processo. São Paulo, ano 23, n. 90, p. 122, abr-jun, 1998.

148 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Breves reflexiones sobre la iniciativa oficial en materia de prueba. In

Temas de direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 81.

Nessa esteira, se a reconstrução adequada dos fatos, por meio de determinação da prova de oficio, beneficiar quem tem razão, não comprometerá a imparcialidade do juiz, que se revela quando há iguais oportunidades para os litigantes e atenção aos seus argumentos.150

À luz desses argumentos compactuamos que o juiz não deve ser omisso com o resultado do processo, mas sim comprometido com a efetividade e a justiça. Em vista disso, exige-se do magistrado atuação voltada a busca da justiça. Em conseqüência, deve ser dotado de poderes instrutórios, pautados na ética, sem que isso comprometa sua imparcialidade, pois seu dever é dar razão a quem tem, por meio da prolação de uma sentença correta e justa.151

Todavia, ao produzir a prova de ofício, deve o juiz motivar a decisão que a determina, e ainda, submetê-la ao crivo do contraditório (art. 93, IX e art. 5º, LV da CF/1988), que é uma arma contra o arbítrio do julgador152 e, ao mesmo tempo, um limite imposto ao exercício do poder probatório.

Em outras palavras, “os verdadeiros modos de exorcizar o fantasma da parcialidade do juiz consistem, sobretudo, em submeter a atividade do juiz à observância do contraditório, [...] e também, principalmente, o dever de motivação153.”

Logo, é perfeitamente viável o exercício do poder probatório do juiz, sem comprometer a garantia da imparcialidade. Para tanto, ao determinar a produção de determinada prova deve o julgador estar atento aos limites da demanda, às garantias das partes em juízo e, principalmente, à garantia do contraditório e da ampla defesa e à necessidade de motivar os atos judiciais.

O juiz seria parcial se permanecesse omisso e não exercesse o seu poder para tornar iguais partes desiguais. Sua interferência, sob esse aspecto, possibilitará às partes litigar em condições de igualdade e, via de regra, ajudará o litigante menos favorecido econômica, social ou intelectualmente a lutar com paridade de armas, por corrigir eventuais desvios. Tal atitude não significa assistencialismo, mas sim, a correta atuação do processo para dizer adequadamente o direito. E nas lides coletivas, essa atuação enérgica mostra-se condizente com os princípios informadores desse tipo de tutela.

150TALAMINI, Eduardo. Prova emprestada no processo civil e penal. Revista do Processo. São Paulo. ano 23,

n. 91, p. 107, 1988.

151 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008, p. 179.

152BEDAQUE, 2009, p. 115, nota 40.