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PODER PROBATÓRIO DO JUIZ: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS 32

PARTE II ASPECTOS RELACIONADOS À PRODUCÃO DA PROVA PELO

1   PODER PROBATÓRIO DO JUIZ: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS 32

O objeto de análise no presente trabalho cinge-se a ao estudo da iniciativa probatória do juiz, à luz do artigo 130 do Código de Processo Civil e das disposições insertas nos Códigos que pretendem servir de modelo à unificação da legislação coletiva. Entre eles, destaca-se o art.19, parágrafo terceiro, do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processo Coletivo idealizado por Aluísio Gonçalves de Castro Mendes (CMPC- AG), que assim dispõe: “O juiz poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o contraditório.”

Na primeira parte do trabalho realçamos a magna relevância da prova no processo. Nas linhas posteriores, justificaremos a opção pela corrente doutrinária que defende uma atuação mais ativa no magistrado na instrução do processo. Antes disso, mostra-se relevante fazer uma incursão no direito comparado visando, sobretudo, informar ao leitor de que em diversos ordenamentos jurídicos alienígenas se conferem amplos poderes de direção do processo ao juiz.

Antes de adentrar nos meandros do debate, insta registrar que o termo juiz ativo, por diversas vezes utilizado no presente trabalho, refere-se à iniciativa do juiz em tema de prova e não se confunde com o termo ativismo judicial, movimento ideológico originado nos Estados Unidos. Como explica Geovany Cardoso Jeveaux70:

[...] Esse papel ativo do juiz não pode ser confundido, todavia, com o chamado ativismo judicial, que é, grosso modo, um movimento ideológico de justificação das decisões baseadas em princípios com alta carga moral, sem referência a um dispositivo legislativo ou constitucional expresso (hard cases).[...] O movimento do ativismo judicial tem origem nos EUA, durante o chamado legal realism, e provocou um contra-movimento denominado originalismo. O segundo deles reclama do judiciário a observância do texto escrito, como forma de referência obrigatória a um documento que expressa a vontade da maioria num regime democrático representativo, sem desbordar para o total subjetivismo do intérprete. O primeiro reclama um poder discricionário do intérprete judicial na aplicação do direito constitucional ao caso concreto, com recurso a princípios nem sempre expressos no texto escrito.

70 JEVEAUX, Geovany Cardoso. Uma Teoria da Justiça para o acesso à justiça. In: _____. Uma teoria da

O juiz deve ser ativo de modo a imprimir celeridade e efetividade ao processo. No entanto, ao ter iniciativa oficial em matéria de prova, o juiz age em consonância às leis processuais, que conferem a ele esse poder de forma expressa.

Na Alemanha, como o movimento reformista intitulado Stuttgarter Modell objetivou-se tornar o processo mais célere, o que necessitava, para atingir essa finalidade, de um magistrado comprometido e pronto a efetivá-las.

No que tange a atividade probatória, no sistema alemão o magistrado tem amplos poderes. Diferente do que ocorre no ramo civilista brasileiro71, as partes podem fazer

perguntas diretamente às testemunhas e aos peritos. Ao julgador cabe informá-las de tudo que ocorre durante a instrução72, como, por exemplo, esclarecendo-as sobre as provas produzidas e solicitação de informações sobre fatos controversos. Ainda, poderá ele utilizar todos os meios de prova admitidos, mesmo que as partes não tenham requerido, exceto a prova testemunhal73. Nesse caso, se constatar que há uma testemunha relevante para o caso e que não foi mencionada no processo, o juiz poderá perquirir o motivo de não a terem arrolado na inicial ou em contestação, a fim de que as partes requeiram essa prova. Esse juiz é ativo, possui amplos poderes de gestão processual, conferidos após uma série de reformas no século XX, que retiraram dos litigantes o monopólio sobre o processo e a prova.74

Ainda, no ordenamento tedesco, em 2001, ampliou-se ainda mais tais poderes: facultou- se ao juiz determinar de ofício a exibição de documentos referidos no processo, bem como fiscalizar coisas e determinar a produção de provas. Trata-se, como bem dispõe Bauer75, de uma forma de compensar as eventuais desigualdades existentes entre as partes.

Na Itália, de forma diametralmente oposta, o direito processual de 1865 não conferia amplos poderes ao magistrado, que deveria ser passivo. Tal regime não era democrático. Contudo, Taruffo76 apresenta a Alemanha e a Itália como ordenamentos jurídicos que servem de parâmetro aos demais e, na atual conjuntura, prevêem poderes instrutórios ao juiz. No ordenamento processual italiano houve mudanças modestas, mas nem por isso irrelevantes. Por dicção do artigo 115 do Código Italiano as partes devem trazer ao autos as provas dos

71 Insta registrar que no processo penal as partes podem fazer perguntas diretamente às testemunhas.

72TARUFFO, Michele. Poteri probatori delle parti e del giudice in Europe. Rivista Trimestrale de Diritto e

Procedura Civile, Milano, n. 2, p. 451-482, 2006.

73 BEDAQUE, 2009, p. 80, nota 40. 74 TARUFFO, op.cit., p. 451-482, nota 72.

75 BAUER, Fritz. O papel ativo do juiz. Revista de Processo, São Paulo, n. 27, p. 186-199, jul-set, 1982. 76 TARUFFO, op. cit., p. 451-482, nota 72.

fatos. Contudo, Bedaque afirma não ser excepcional o poder instrutório do juiz, enfatizando ser maior em matéria trabalhista.77

O sistema espanhol é fortemente influenciado pelo princípio dispositivo, logo, não há margem de atuação ao magistrado. Segundo Taruffo78, a lei processual de 1881 permitia ao juiz determinar a produção probatória de oficio, por dicção do artigo 340. Entretanto, a nova lei processual de 2000 excluiu esse poder.

A doutrina considerava que a diligência espanhola de 1881, ao conferir ao juiz poder probatório, significaria uma negação do princípio dispositivo e da “aportación de parte”, pelo qual as partes devem provar os fatos alegados, e, ao mesmo tempo, afirma que serviria a beneficiar uma parte, em prejuízo da outra, ferindo a imparcialidade do julgador.79

À guisa de ilustração, ainda no sistema Espanhol, cabe mencionar o artigo 429, I, II e III, da Lei processual civil de 2000, que autoriza o juiz considerar insuficientes as provas dos direitos controvertidos e indicar qual o direito será afetado por sua ausência. Após esse esclarecimento, poderá o tribunal determinar a prova cuja prática considere conveniente. As partes poderão assumir como própria a indicação feita pelo juiz, completando ou modificado- a. Ainda, a doutrina espanhola entende ser essa atuação uma intromissão na atividade organizativa das partes.80

Nessa senda, diferente do ordenamento civil de 1881, com a nova legislação de 2000, o magistrado poderá agir, contudo, limitado pelo princípio dispositivo, o que não reduz sua atuação à mera passividade. Por conseguinte, a atuação do magistrado se limitará em alertar as partes de que a instrução probatória foi deficiente. Em outras palavras, poderá declarar a insuficiência probatória, mas não determinará a produção de prova de ofício, ou seja, juiz indicará a prova ausente ou insuficiente, mas caberá a parte acatar ou não a manifestação do juízo.

Além disso, o artigo 435 da nova legislação permite ao juiz determinar, excepcionalmente, de ofício, ou após acordo com as partes, a renovação de provas produzidas, sempre que se mostrar necessária ao esclarecimento do direito.81

77 BEDAQUE, 2009, p. 82-83, nota 40. 78 TARUFFO, 2006, p. 461-482, nota 72. 79 MONTERO AROCA, 2002, p. 390-391.

80 FRANCÉS, Ignácio Marrers; SÁNCHEZ, Mercedes Martínez; ANTÚNEZ, Daniel Rodríguez; SAMPEDRO,

Mireia de ros. Análisis del artículo 429.I.II y III LEC. In: LLUCH, Xavier Abel. PICÓ I JUNOY, Joan (Coord).

Los poderes del Juz civil em Matéria Probatória. Barcelona: J. M. Bosch Editor, 2003, p. 43-66.

Em contrapartida, predomina o entendimento de que o juiz não detém poder de iniciativa instrutória, fato causador de severas críticas da doutrina e jurisprudência. De modo diverso, ao interpretar o artigo 429, I e II, acima mencionado, entende Picó i Junoy82 ter o juiz espanhol iniciativa oficial em matéria de prova, observadas certas limitações: em primeiro lugar, a prova deve limitar-se aos direitos controvertidos, aduzidos pelas partes, em razão do princípio dispositivo. Em segundo lugar, o juiz deve se limitar às fontes de provas requeridas pelas partes, não podendo mencionar fontes novas, sendo-lhe vedado utilizar seu conhecimento privado, sob pena de comprometer a imparcialidade. Em terceiro lugar, é necessário oportunizar o contraditório, para que os sujeitos processuais participem da atividade probatória, manifestando-se, caso necessário. Tais limites, continua o autor, servem a proteger o processo, o princípio dispositivo, a imparcialidade do julgador e, enfim, o direito de ampla defesa.

Por fim, convém mencionar o caso da França, em que aos juízes são assegurados poderes discricionários para determinar, de ofício, a produção de qualquer meio de prova necessário a constatação da verdade de um fato. Taruffo83 enfatiza não se tratar de um dever, mas sim, de um acentuado poder discricionário de determinar da produção de prova de ofício, o que, em nenhum momento pode ser considerado autoritarismo, já que, naquele ordenamento, há ênfase ao princípio do contraditório.

Como tudo indica, em vários ordenamentos jurídicos se conferem ao juiz o poder de produzir prova conjuntamente às partes. Assim, pode-se concluir que a prova assume o centro da ciência processual não só no ordenamento jurídico brasileiro, mas também nos ordenamentos alienígenas, tendo em vista sua intrínseca relação com o processo justo.

Conforme magistério de Pico i Junoy84, a iniciativa oficial deve pautar-se dentro de certas limitações, como a impossibilidade de introduzir nos autos direitos que não foram alegados, pois essa iniciativa limita-se aos direitos controvertidos e discutidos pelas partes, permitindo-se o exercício do contraditório. Tal conduta justifica-se tendo por base o caráter social do estado de direito, que delega ao Estado-juiz a tarefa de prestar a tutela jurídica e lograr o valor fundamental “justiça”, aqui entendida como ideal a ser alcançado em vista do

82PICÓ I JUNOY, Joan. El juez y la prueba. Barcelona: Bosch Editor, 2007, p. 116-118. 83 TARUFFO, 2006, p. 451-482, nota 72.

84 ABEL LLUCH, Xavier; PICO I JUNOY, Joan. La iniciativa probatória del juez civil. A propósito de um caso.

In: ____. Los poderes do juez civil em Materia probatória: seminário de estudio de la escuela judicial. Barcelona: J. M. Bosch Editor, 2003, p. 156-174.

interesse público do processo. Em outras palavras, a decisão jamais será justa se provier da determinação errônea ou inexata dos direitos.