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Da legitimidade e da representação adequada 93

PARTE IV A PROVA E ATUAÇAO DO JUIZ NO PROCESSO COLETIVO 80

1   MICROSSISTEMA DO DIREITO COLETIVO

1.2   Da legitimidade e da representação adequada 93

Nesse momento insta registrar que não há unanimidade na doutrina264 quanto à natureza jurídica da legitimidade nas lides coletivas. Segundo entendimento majoritário trata-se de hipótese de legitimação extraordinária. À guisa de exemplo quando o Ministério Público ajuíza uma ação civil pública atua em nome próprio na defesa de interesse de terceiros, sejam eles determinados, determináveis ou indetermináveis.

Nesse viés, na legitimação extraordinária a doutrina clássica afirma que o substituto processual figura no processo, em nome próprio, para defender direito alheio. Nesse caso particular, das ações coletivas, haverá substituição processual na medida em que a pretensão deduzida em juízo se vincule à coletividade, à categoria, à classe ou ao grupo, bem como aos indivíduos. Contudo, o bem tutelado não pertence, com exclusividade, ao substituto265.

263 ZAVASCKI, 2005, p. 44-45. Ao explicar os conceitos de direito coletivo, Zavascki enfatiza que deve ser ter

em mente a diferença entre direito coletivo e tutela coletiva de direitos (individuais), já que o CDC introduziu mecanismos para a tutela de direitos individuais homogêneos(direitos subjetivos individuais), já que os primeiros são transindividuais e os segundos, individuais, mas que, por outras razões, poderão ser tutelados coletivamente. Coletivo é a espécie de direito e nada tem haver com a modalidade de tutela.

264 Cabe informa o leitor de que há divergência na doutrina no que toca à espécie de legimitidade quando se

tratar de direito metaindividual. Cita-se três posições sobre a natureza jurídica da legitimidade para o processo coletivo: 1) Entendem ser sempre extraordinária(DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 204); 2) Legitimidade ordinária(WATANABE, Kasuo. A tutela jurisdicional dos interesses

difusos: a legitimação para agir. São Paulo: Max Limonad, 1984.; 3) os que entendem estar diante de uma

legitimidade autônoma. ABELHA, 2004, p. 59, nota 121.

Nesse particular, em linhas gerais, são legitimados a aforar uma ação coletiva os indivíduos, órgãos públicos e associações. O regime central que prevê a legitimação para as ações coletivas aglutina-se nos seguintes dispositivos legais: Lei de Ação Civil Pública, art. 5°, Código de Defesa do Consumidor, art. 82 e Constituição Federal, art. 5°. Assim, encontram-se legitimados o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, as entidades ou associações legalmente constituídas, que tenham por finalidade institucional a defesa e proteção dos bens e valores lesados, os sindicatos e os partidos políticos. Ainda, o cidadão, na forma do artigo 5°, inciso LXXIII, poderá ajuizar ação popular visando a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Tema de suma relevância nas demandas coletivas é a representatividade adequada, por ser imprescindível para que a tutela dos direitos coletivos atinja a finalidade de resolver conflitos inerentes a um número elevado de pessoas. A coletividade atingida pelo desfecho final do processo, geralmente, não irá a juízo pessoalmente exercer o direito à defesa ampla. Por essa razão, o representante da classe deve estar apto a tutelar o interesse de todos, de forma eficaz e de modo a assegurar o devido processo legal e a justeza da decisão.

No Brasil predomina na doutrina o entendimento de que não há controle judicial de adequação do representante, visto que não há previsão legislativa nesse sentido. Diferentemente, no sistema norte-americano há previsão expressa que autoriza o juiz a realizar, caso a caso, a fiscalização sobre os representantes.

No sistema estadunidense, para que a ação coletiva seja admitida o juiz deverá estar convencido de que a representação dos interesses coletivos será adequada, ou seja, de que os representantes estão aptos a efetuar a justa e adequada proteção dos direitos coletivos.

Por este contorno, observa-se que o requisito adequação no direito americano implica três resultados: “[...] minimiza o risco de colusão, incentiva a conduta vigorosa do representante e do advogado do grupo e assegura que se traga ao processo a visão e os reais interesses dos membros do grupo.266

Além disso, o regramento previsto na Rule 23 da Federal Rules of Civil Procedure confere ao tribunal o poder de examinar a compatibilidade entre os interesses coletivos e a

266GIDI, Antônio. A representatividade adequada nas ações coletivas brasileiras: uma proposta. Revista de

representação. Caso vislumbre inadequada a atuação do representante coletivo, o tribunal poderá determinar a intervenção de outro membro da classe, com o desiderato de preencher esse requisito. Assim, há uma preocupação com a “qualidade” da defesa dos interesses da classe.

Observe-se que há uma falha legislativa no Brasil, por não autorizar o juiz a efetuar o controle da representação, de modo a aferir se a atuação do representante é legítima e se satisfaz de modo adequado aos interesses coletivos.

A doutrina tradicional afirma que a legitimação no país é determinada, a priori, pelo legislador. Em vista disso, não cabe ao juiz fiscalizar a forma de atuação do legitimado na defesa dos direitos do grupo. Não obstante, filiamo-nos aos que sustentam a necessidade de haver um controle judicial sobre a representação. A uma porque a coletividade não se apresenta em juízo pessoalmente para defender seus direitos. A duas porque caso a ação coletiva seja julgada improcedente, por atuação deficiente do legitimado (exceto por insuficiência de provas), ela repercutirá na vida de milhares de pessoas.

As legislações processuais modernas devem tutelar de forma efetivas os direitos. Para tanto, no caso em análise, “[...] é necessário haver um controle judicial da adequação dos legitimados para ação coletiva com fito de impedir que o instrumento criado para beneficiar o acesso à justiça produza resultados diametralmente opostos [...].267” Acaso não haja esse controle, cabe ao juiz, a todo tempo, instruir o feito e determinar a produção de provas para que o julgamento seja procedente com julgamento de mérito.

A despeito desse entendimento, o controle da atuação do legitimado serve a impedir uma representação inadequada. Como exemplo de atuação deficiente, Antônio Gidi268 retrata uma pequena associação, desaparelhada, que ajuíza uma ação em face de uma multinacional, em um litígio complexo, em que o juiz verifica, no decorrer do processo, que o advogado da associação não está representando adequadamente o grupo, por desinteresse pela causa. Assim, poderá o representante perder a causa propositalmente.

Por derradeiro, obtempera Antonio Gidi que no Brasil é possível o juiz fazer o controle da representação, apesar de não estar autorizado expressamente por lei, visto que há o dever de avaliar como os direitos do grupo estão sendo representados em juízo, por uma razão

267FREIRE JÚNIOR. Américo Bedê. Pontos nervosos da Tutela Coletiva: Legitimação, Competêcia e Coisa

Julgada.In: MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias. Processo Civil Coletivo. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 66-80.

fundamental: à luz da Constituição Federal deve vigorar o devido processo coletivo, em que o “direito de ser citado, de ser ouvido e de apresentar defesa em juízo são substituídos pelo direito de ser citado, ouvido e defendido por meio de um representante269” adequado.