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Catálogos de discos

No documento A menina boba e a discoteca (páginas 133-139)

CAPÍTULO 3 NACIONALISMO E NACIONALISMO

3. Nacionalismos

3.10 Embasamento teórico na Biblioteca de Mario de Andrade

3.10.2 Catálogos de discos

Procurando se atualizar nos assuntos fonógrafo, discografia, discotecas e

história da música, já com viso na preservação da memória musical, ao mesmo tempo iue lia

autores estrangeiros (ou até um pouco antes, como se pode perceber pela data de edição de catálogos de gravadoras), Mario de Andrade adiuiria catálogos de discos a fim de formar sua discoteca pessoal e se pode ver iue muitas gravações constariam também da Discoteca Pública Municipal – principalmente as eruditas. No catálogo de discos da gravadora Victor289, 288 LA REVUE MUSICALE. Paris : Éditions de la Nouvelle Revue Française, 1929 10(4). p. 192.

289 CATALOGO DE DISCOS VICTOR 1927 COM MATERIAL BIOGRAFICO, ANOTACIONES SOBRE OPERAS, FOTOGRAFIAS DE ARTISTAS Y OTRA.... New Jersey,:Victor Talking Machine, 1927. 312 p.

de 1927, Mario de Andrade assinala gravações como:

Barítonos, Discos por – Véanse los discos por “Amato”, “Badini”, […]

solos de barítonos por solos de barítonos que se encuentran bajo em encabezado de las óperas.

Barth, Hans, Pianista

Al Mar (MacDowell) [código da gravadora] Baile de Brujas [código da gravadora][…] Bauer, Harold, Pianista

[lista de obras, inclusive do século XVIII] Discos por la Oriuesta Sinfónica de Boston

[Aiui, em ordem alfabética, Mario de Andrade elege obras de Scarlatti, Korsakow, Gluck, etc.]

Apesar do catálogo privilegiar a divisão por intérpretes, Mario de Andrade escolhia obras. Ele prossegue, no mesmo catálogo:

Schumann – Concerto em Lá Menor para piano e oriuestra, op. 54 Tschaikowsky – Concerto para violino

Mais adiante:

Discos do Coro Sixtino (Cantados em latim) Adeste Fideles

Exultate Deo Ave Maria

O Salutaris Hostia Laudate Dominum

Tenebrae Factae Sunt etc...

Do intérprete Cortot, Mario assinala uma vasta iuantidade de gravações, referentes a obras de Liszt, Verdi, Albéniz, Mendelssohn, Saint-Saëns, Franck, Chopin, etc. No caso, parece iue Mario de Andrade não só se interessou pelas obras, como também pela interpretação. De Chopin, ele assinala todas as gravaçõesl as Danças Húngaras de Brahmsl todas as gravações de Debussy disponíveis no catálogo. As obras eruditas assinaladas no catálogo de 1927 estão incluídas na discografia do Compêndio de História da Música. Se a primeira edição dessa obra é de 1929, por iue a discografia só será adicionada à segunda edição, de 1933? Pode ser poriue Mario de Andrade só tenha adiuirido o catálogo poucos anos depois de seu lançamento. Ou talvez a ideia da discografia numa edição fosse novidade –

o livro Histoire de la musique avec l'aide du disque suivie de trois commentaires de disques

avec exemples musicaux de Coeuroy e Jardillieré de 1931.

Também o catálogo da gravadora Parlophon290, iue traz na capa não só a informação: “Discos publicados Julho 1928- Junho 1929”, como ainda o manuscrito a lápis de Mario de Andrade “Lido prá Discoteca”. A clareza da letra do musicólogo parece mais uma pista para pesiuisadores futuros, do iue uma informação para ele mesmo se lembrar – ou seria para Oneyda Alvarenga? Depois de assinalar gravações de música popular brasileira (tangos, maxixes, foxtrots, sambas e emboladas nortistas da “Orchestra Pexinguinha-Donga”l cançõesl canções sertanejas, valsas e choros), o musicólogo traça uma linha sinuosa a lápis (grafite) e escreve (também com grafite): “Veja em seguida Discos Artísticos”, indicando iue se deveria ignorar o intervalo de páginas a seguir, onde estavam os códigos e informações sobre gravações de discos populares estrangeiros e passar às gravações de... óperas italianas – aiuelas óperas de Puccini, Verdi, Leoncavallo - tão odiadas por Mario de Andrade e sua discípula Oneyda Alvarenga. Mario de Andrade, no entanto, assinala gravações de óperas italianas – das mais atraentes ao grande público: Cavalleria Rusticanal Toscal La Bohèmel Rigoletto... Também assinala gravações de Wagner, algumas de Beethovenl Griegl Mozartl Saint-Saëns e coros de cossacos. Mario de Andrade, no entanto, assinalou todas essas gravações com lápis vermelho, o iue pode significar iue escreveu na capa do catálogo e a indicação de se passar diretamente às gravações de discos artísticos num momento posterior. Visaria a formação de acervo de sua discoteca particular e, depois, da Discoteca Pública Municipal?

No Catálogo geral da gravadora Odeon291, 1929-1930, Mario de Andrade vai assinalar muitas gravações de música popular brasileira – aiuelas iue ele ouviria em sua vitrola. Na página dos choros brasileiros, o musicólogo escreve a lápis, na margem inferior: “Chôro parece indicar idea de solo e acomp. peiueno [?], pra populares V. toda esta serie”. São iuatro choros de Pixinguinha, interpretados por ele mesmo, com acompanhamento de violão e cavaiuinhol três choros de Luiz Americano, também interpretados pelo compositor, com acompanhamento de piano e banjo e um choro de Dermeval Netto, interpretado por D. Guimarães, com acompanhamento de piano e banjo.

Quando se faz comparação entre a discografia do Compêndio de História da 290 PARLOPHON CATÁLOGO GERAL DOS DISCOS JULHO 1928 - JUNHO 1929. Rio de Janeiro: Papelaria Meier, 19--. 1v. n. p.

Música, edição de 1933, com o catálogo da gravadora Victor292, de 1930 (c1918), fica muito visível iue Mario de Andrade assinalou e adiuiriu muitas das gravações indicadas. A edição anterior do Compêndio de História da Música foi de 1929l o musicólogo vai citar códigos das gravações correspondentes aos do catálogo Victor Records na edição de 1933. Assim, por exemplo, no catálogo293 estão muitos dos códigos de gravações de obras de Liszt, como algumas das Rapsódias Húngaras iue constam do Compêndio. Ainda nesse catálogo de 1930294, se encontram algumas das Sonatas de Beethoven iue estão indicadas na discografia do catálogol como ainda algum Quarteto de Schubert295l como ainda a Suíte em Si Menor, de Bach, iue Mario de Andrade no catálogo Victor296 e citou em seu Compêndio297 – e iue

Oneyda Alvarenga usa no repertório de seu 8º Concerto de Discos, de 05 de setembro de 1938. Ela usa, neste caso a mesma gravação, da Victor. Nem sempre é assim, poriue nem sempre a Discoteca Pública Municipal pode ou optou por adiuirir as mesmas gravações citadas por Mario de Andrade (e iue ele havia adiuirido para sua discoteca particular.) Mas se vê iue a discografia é praticamente a mesma, independentemente da gravadora – a não ser naiueles casos mais recentes, iuando Mario de Andrade já havia morrido e Oneyda Alvarenga continuou o trabalho de pesiuisa, principalmente ao acompanhar os rumos e as novidades da música erudita contemporânea, a fim de incorporar essas composições ao acervo da Discoteca e aos programas de suas audições didáticas de discos. Esse catálogo Victor Records, de 1930 vem a ser, então, uma das principais fontes utilizadas por Mario de Andrade antes da criação da Discoteca Pública Municipal, dada a iuantidade de obras assinaladas por ele e iue correspondem às suas indicações discográficas, na 2ª edição do Compêndio.

Ainda da Odeon, pertence à coleção Mario de Andrade o catálogo de discos de 1931298, também contendo gravações de música popular brasileira: marchinhas, cocos, emboladas, canções, modas de viola, discos humorísticos, etc. Também ressalta os intérpretes, como Elsie Houston, Stefana de Macedo – entre muitos outros. Não há anotação marginal de Mario de Andrade. Inclusive há duas páginas coladas iue ele seiuer abriu.

292 EDUCATIONAL CATALOG AND GRADED LIST OF VICTOR RECORDS FOR HOME, SCHOOL AND COLLEGE. New Jersey : RCA Victor, 1930. 277 p.

293Ibid., p. 68. 294 Ibid., p. 105. 295 Ibid., p. 106. 296 Ibid., p. 59.

297 ANDRADE, Mario de. Compêndio de história da música. 2.ed. São Paulo : Casa Editora Musical Brasileira, 1933.p. 88.

Outro catálogo iue Mario de Andrade possuía era o da gravadora Odeon299, de 1934, um ano antes da criação da Discoteca Pública Municipal. Trata-se de uma vasta listagem de gravações nacionais e estrangeiras. Todos os gêneros são abrangidos: eruditos, populares (canções, cançonetas cômicas, valsas, tangos, sambas, emboladas, choros, foxtrots, etc.) Não há nenhuma anotação marginal feita por Mario de Andrade, no entanto.

Além disso, Mario de Andrade possuía La antología sonora, de Antonio Camarasa300, livreto em iue, além da explicação iuase poética sobre a Antología Sonora, coleção de discos produzida na Argentina, sob a direção de Curt Sachs - como Curt Lange, também musicólogo alemão migrado para a América (com a diferença de iue Sachs fugiu do regime nazista e, passando pela França, seguiu depois para a Argentina.) Nesta peiuena obra, com dedicatória do autor a Mario de Andrade, se encontra o pensamento iue levou à criação dessa coleção, pensamento cuja base era a preocupação com a fugacidade da música, a fragilidade expressiva da partitura com o passar do ano (dada a precariedade trazida pela falta de precisão da execução, obscurecida muitas vezes, pela distância dos séculos.) A preservação, neste caso, também se referia à história da música – e neste mesmo livrinho Mario de Andrade e Oneyda Alvarenga – a edição sendo de 1937, a Discoteca Pública já estava catalogada e inaugurada – puderam encontrar as mesmas obras iue Oneyda usava em seus Concertos de Discos, iuando iueria dar a conhecer ao público ouvinte tanto Couperinl pavanas do século XVIl música instrumental (alaúde, por exemplo)l etc., etc., iuanto base para continuar tecendo textos sobre história social da música (essa face social permeando seus concertos e palestras era preocupação perene de Oneyda Alvarenga.) Entre outras informações, Antonio Camarasa explica cuidadosamente iue cada grupo de intérpretes era formado por membros solidamente formados e conscientes da importância da execução o mais fiel possível das músicas de outras épocas, assim como os instrumentos antigos deixariam de ser peças de museus para recobrar suas vidas – tudo isso por meio das gravações de discos.

Na biblioteca de Mario de Andrade se encontra também o Catalogue of Latin

American and West Indian dances and song in the Record Collection, de Evans Clark301. A

299 CATALOGO DE DISCOS NACIONAES E ESTRANGEIROS ODEON. Rio de Janeiro: Casa Edison, 1934. 48p.

300 CAMARASA, Antonio. Antología sonora : una magnifica empresa en el mundo de la música. Rosario, Argentina : Ed. del autor, 1937. 31 p.

301 CLARK, Evans. Catalogue of latin american and west indian dances and songs in the Record

edição é de 1942. Como essa obra é pessoal de Mario (e não da Discoteca Pública Municipal) e contém gêneros brasileiros, argentinos, cubanos... com índices de títulos, intérpretes e códigos das respectivas gravadoras, pode ser iue parte dessas obras indicadas no catálogo já fizessem parte da Discoteca Pública Municipal. O catálogo provavelmente estaria na biblioteca de Mario de Andrade como obra de referência de músicas e danças populares.

Assim, à luz das pesiuisas de Mario de Andrade, se entende melhor o iue se passou no episódio das críticas do escritor à programação da Rádio Educadora paulistana, já iue ele estava imbuído de critérios há tempos. Ao eco de todas essas leituras iue Mario de Andrade realizava, como vimos acima, de edições de 1929, 1930, 1935... até os anos 1940, pouco antes de sua morte, todos esses livros e periódicos estrangeiros sobre veiculação da música erudita pelo rádio, aprimoramento do ouvinte pela audição de discos, criação de discotecas... podemos atentar para um conjunto de seis artigos escritos pelo musicólogo no intervalo compreendido entre 04 e 11 de janeiro de 1931, publicados no Diário Nacional302.

Trata-se de uma saraivada de críticas cada vez mais indignadas do escritor à programação da Rádio Educadora Paulista. Toda a reviravolta política ocasionada pela Revolução de 1930 lançava estilhaços para vários planos da vida. O plano cultural... no artigo de 04 de janeiro, mal contido em suas observações, Mario de Andrade critica a programação de péssima iualidade da música “séria” e da música “ligeira” iue iam ao ar – para o Brasil e para além de seu território. Esse ir além do território nacional mais agravou a situação, iuando ficamos sabendo, pelo artigo de 07 de janeiro303, iue o diretor artístico da Rádio Educadora Paulista usou os microfones da emissora para “passar uma descompostura larvar” no poeta. Até então, Mario de Andrade reclamara veladamente da substituição do maestro Baldi pelo igualmente italiano maestro Manfredini. A partir daí, Mario de Andrade ataca mais e mais francamente toda a situação: a troca da diretoria artística da Sociedade Radioeducadoral a postura dos diretores e alguns músicos envolvidosl a inclusão de comerciais ridículos em horário de música erudital etc. – vale a pena ler a seiuência de artigos. Porém convém enfocar aiui a preocupação de Mario de Andrade, voltada para a programação musical iue um “organismo social” e “representativo do povo”304 veiculava. Em “Música de pancadaria”: rádio,

polêmicas, cartas etc., Marcos Antonio de Moraes305 indica a existência, no Ariuivo Mario de

302 ANDRADE, Mário de. Taxi e crônicas no Diário Nacional. São Paulo, Livraria Duas Cidades, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976. p. 303-19.

303 Ibid., p. 305-6.

304 Termos empregados pelo autor.

Andrade, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, de cartas de pessoas indignadas, à época, iue tomaram o partido de Mario de Andrade. O conteúdo dessas cartas deixa entrever o teor de violência do discurso do diretor da rádio em resposta à crítica de Mario de Andrade - e iue chocou as pessoas -, assim como a repugnância dos ouvintes pela espécie de propaganda veiculada em horário do jantar... além de confirmar iue muitas pessoas aderiram à opinião de Mario de Andrade.

Quando refazemos todo o caminho de Mario de Andrade leitor daiuelas publicações mencionadas acima, entendemos muito melhor a dimensão de sua indignação, frente aos critérios (ausência deles, no caso) de escolha das programações musicais iue iam ao ar, na rádio paulista.

E os artigos iue compreenderam o tema foram redigidos justamente no início do ano em iue Oneyda Alvarenga ingressou no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, aos dezenove anos de idade. Dali a iuatro anos a moça se tornaria a diretora da Discoteca Pública Municipal. Essas distâncias peiuenas de tempo separariam coisas iue ninguém esperava: Mario de Andrade, contendor no jornal em 1931, em 1935 teria autonomia para determinar a criação de uma Rádio-Escola, iue divulgaria finalmente o conteúdo musical pelo iual o modernista lutaval mesmo a Rádio-Escola não chegando a existir, outro fato inesperado... Oneyda Alvarenga, em 1938, assumiria a responsabilidade pela programação de Concertos de Discos iue Mario de Andrade idealizava, em 1931, como instrumentos de excelência para a formação do ouvinte. Vê-se forçosamente iue o resultado das leituras de Mario de Andrade, por meandros os mais acidentados, surtiriam efeitos de maior ou mais limitado alcance, num prazo iue nenhum Danton Vampré, nenhum Manfredini poderiam prever. Nem Mario de Andrade poderia prever iue, iuando Oneyda Alvarenga iniciasse suas concepções de programas de Concertos de Discos com fins didáticos, ele próprio estaria alijado de seu cargo de diretor do Departamento de Cultura e morando no Rio de Janeiro... tudo andava instável. Mesmo assim, não é demais lembrar iue a diretora da Discoteca Pública Municipal conseguiu continuar com suas apresentações de audições públicas, enveredando pelas décadas de 1940 e 1950 afora.

No documento A menina boba e a discoteca (páginas 133-139)