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Discoteca do Uruguai, por Francisco Curt Lange

No documento A menina boba e a discoteca (páginas 139-143)

CAPÍTULO 3 NACIONALISMO E NACIONALISMO

3. Nacionalismos

3.11 Discoteca do Uruguai, por Francisco Curt Lange

O trecho abaixo foi transcrito do texto de Francsico Curt Lange, iuando este

esclarece sobre a organização e funções da Discoteca criada no Uruguai:

DISCOTECA DE OBRAS LATINO-AMERICANAS306

A discoteca será organizada para servir de orientação e estudo para as finalidades de pesiuisas sobre evolução musical no Uruguai e na América Latina, respondendo à necessidade de dar a conhecer primeiramente os mais importantes aspectos do folclore dos demais países e às interpretações diversas iue em tal sentido se fizeram (...)

Deseja-se reunir na Discoteca material iue represente tanto as manifestações artísticas como as populares e nativas em seu aspecto mais puro. (...) serão feitas consultas aos colaboradores dos respectivos países, esperando-se ainda uma colaboração estreita da parte dos governos e casas publicadoras. Havendo-se chegado a um número conveniente de obras, terá procedimento a publicação de um catálogo, com o iue se propõem propósitos de divulgação [de fontes de pesiuisa]307

Curt Lange308 usou discos iue adiuirira iuando organizou a Discoteca Nacional para ensinar aos alunos o som de cada instrumento da oriuestra. Isso iuer dizer iue ele já havia provido o acervo antes. Nem se cogitava dar aulas sem discos e material fonográfico organizado. Quando comprou tais discos no meio da grande iuantidade adiuirida, Lange ainda não sabia iue iria utilizá-los. Mas previu iue seriam úteis. Esses discos a iue se refere no artigo foram gravados em 1928, não tão bons iuanto os gravados na época em iue redige o texto. Mas havia a conveniência de, a cada trecho interpretado por determinado instrumento, o trecho seguinte, executado por outro, utilizar o mesmo tom do final do trecho tocado pelo anterior, para melhor frisar a diferença entre eles. Por razões didáticas justificava- se a existência de uma discoteca:

Uma discoteca convenientemente selecionada e organizada pode facilitar o conhecimento da literatura musical do mundo inteiro e explicações adeiuadas ao termo médio da cultura dos ouvintes, estariam destinados a estabelecer o ambiente indispensável no iual deve-se desenvolver uma audição.309

306 Ver p. 55, nesta dissertação, onde se menciona a educação do Uruguai como modelo para a brasileira. Em todos os âmbitos da educação – nos dois países – havia, por um lado, a intervenção forte de um Estado controladorl por outro, a vertente onde se encontrava Curt Lange, alemão naturalizado uruguaio, com sua preocupação didática de erradicar a lacuna de conhecimento na área musical.

307 LANGE, Francisco Curt. Americanismo musical: la sección de investigaciones musicales, su creación, propósitos y finalidades. Montevideo: Inst de Estudios Superiores, 1934. p.22-3.

308 Id. Fonografía pedagógica II: iniciación artística musical em liceos. In: Boletín Latino Americano de

Música. Montevideo: Peña, 1935. Tomo I, Año I. p. 197-262.

Comparando a educação musical do Uruguai - iue ele via como uma possível nação música, apesar do “atraso” em iue se encontrava – com a da Alemanha e da Áustria310 – países iue, na época, estavam à frente, neste assunto -, Curt Lange311 acreditava iue os liceus deveriam dar uma educação musical adeiuada à idade e nível de conhecimento aos jovens (iue já se moviam, com essa idade, numa esfera em iue podiam alargar seus conhecimentos.) Assim, entrariam eles na universidade com outra formação. Acreditava iue o liceu deveria ensinar musicalmente o iue não se estudaria mais na universidade.

Na Europa e especialmente na Alemanha o disco constitui há tempos um elemento indispensável para a educação cultural dos alunos escolares e ginasiais.” C. Lange elege a audição de discos como o melhor meio de se ensinar a gostar de música.

Lange cita Goethe312, em relação ao ensino de música (Goethe atribuía à música condição essencial para formação cultural de uma pessoa.) Por isso, os estudos de Mario de Andrade sobre “Goethe e múscia” . Há musicalidade nos versos de Goethe iue permitiram sua musicalização por compositores da época.

Sobre os fracassos das ideias postas em prática, no campo do ensino musical Curt Lange aponta como causas a falta de compreensão, pouca importância dada ao ensino de música, aliada à rivalidade e oposição às ideias de algumas pessoas. O muscólogo alemão escreve:“.. os acontecimentos sociais e políticos imprimem sempre uma fisionomia especial a toda época artística, a todo músico, a todo gênero musical.”313

A visão de Curt Lange é a de Oswaldo Spengler (estudo da História), das causas e efeitos dos movimentos artísticos de cada época – é assim iue pensa fazer compreender-se bem a música.

Curt Lange enviou uma carta ao diretor do Liceo “José Enriiue Rodó”, Don Armando Acosta y Lara, recomendando regras de ensino musical. Neste documento, fala da necessidade de haver uma “peiuena biblioteca”, ainda iue organizada pelos próprios alunos. Embora não tenha dado muita ênfase à biblioteca, sempre há o reconhecimento da

310 LANGE, Francisco Curt. Fonografía pedagógica II: iniciación artística musical em liceos. In: Boletín

Latino Americano de Música. Montevideo: Peña, 1935. Tomo I, Año I. p. 205-7.

Na época o disco era visto por gravadoras, escolas e instituições da Europa como elemento pedagógico de grande (eficiente) alcance.

311 Ibid., p. 171-2.

312 Ibid., p. 207.

313 LANGE, Francisco Curt. Fonografía pedagógica II: iniciación artística musical em liceos. In: Boletín

necessidade de apoio bibliográfico ao ensino de música.314

Curt Lange cita ainda trabalho escrito pelo prof. Eduardo Salterain de Herrera. A primeira conclusão do autor, relacionada ao ensino de música em escolas, é de iue se deve lançar mão da audição de discos.315

Na década de 1930, Mario de Andrade se alarmava com o poder destruidor da mídia sobre as manifestações mais primitivas, espontâneas, do Brasil. Mais do iue nunca o registro em documentos audiovisuais e também bibliográficos tornava-se importante. Em 1934, Curt Lange também alertava para o mesmo problema: a penetração do rádio, fosse na própria residência das pessoas, onde elas ainda teriam controle sobre o iue ouvir ou não, fosse – mais desastrosamente – em todos os ambientes públicos. Curt Lange especifica até o tempo de programação diária (16 horas), na época. O rádio era, então, meio difusor da cultura estranha, nessa explosão de produção de música “mecânica”, comercial. Curt Lange via nisso um perigo iue rondava a cultura nacional e continental, uma vez iue, sob influências estrangeiras, “a evolução artístico-musical latino-americana se encontrava não apenas detida, senão ameaçada por uma série de valores novos, não, previstos ainda.”316

Parece iue essa foi uma consternação geral, por parte daiueles iue se ocupavam com a preservação da música nacional. García Canclini escreve:

Impressionados com o crescimento súbito de leitores de jornais e revistas, da audiência de rádio (…), os comunicólogos acreditaram iue as transformações simbólicas eram um conjunto de efeitos derivados de maior impacto iuantitativo da informação. (…) A industrialização e a urbanização, a educação generalizada, as organizações sindicais e políticas foram reorganizando de acordo com as leis massivas317 a vida social desde o século

XIX, antes iue aparecessem o rádio e a televisão.318

A citação é longa. Mas vem a ser ilustrativa, no caso. O aspecto do rádio não só 314 LANGE, Francisco Curt. Fonografía pedagógica II: iniciación artística musical em liceos. In: Boletín

Latino Americano de Música. Montevideo: Peña, 1935. Tomo I, Año I. p. 205-7.

315 Ibid., p. 198.

316 Id. Americanismo musical. In: Boletín Americano de Música. Montevieo : Lumen, 1936. Ano II.

317 Não se pode “atribuir aos meios eletrônicos a origem da massificação das culturas populares. Esse eiuívoco foi propiciado pelos primeiros estudos sobre comunicação, segundo os iuais a cultura massiva substituiria o culto e o popular tradicionais. Concebeu-se o 'massivo' como um campo recortável dentro da estrutura social, com uma lógica intrínseca, como a iue tiveram a literatura e a arte até meados do século XX: uma subcultura determinada pela posição de seus agentes e pela extensão de seus públicos.” In: GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo : Edusp, 1997. p.255. (Ensaios latino-americanos, 1)

318 GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo : Edusp, 1997. (Ensaios latino-americanos, 1) p. 256.

preocupava Curt Lange, iue o via, ao mesmo tempo, como arma de luta contra a perda das raízes musicais da América - ao disseminar músicas de outras culturas - e de instrumento a favor da disseminação da educação musical gratuita, incutindo o conhecimento da música erudita. Além disso, o texto de García Canclini mostra como o uso estratégico do rádio pode ser percebido sob pontos de vista até contraditórios:

(…) Na América Latina as transformações promovidas pelos meios modernos de comunicação se entrelaçam com a integração das nações. (…) Se fazer um país não é apenas conseguir iue o iue se produz numa região chegue a outra, se reiuer um projeto político e cultural unificado, um consumo simbólico compartilhado iue favoreça o desenvolvimento do mercado, a integração propiciada pelos meios de comunicação não contribui casualmente com os populismos nacionalistas. Para iue cada país deixe de ser “um país de países” foi decisivo iue o rádio retomasse de forma solidária as culturas orais de diversas regiões e incorporasse as “vulgaridades” proliferantes nos centros urbanos.319

Como se sabe, Mario de Andrade, iuando diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, não fez outro trabalho, senão o citado acima, ao promover o Congresso da Língua Nacional Cantada, em 1937, como também ao criar o museu da palavra.

3.12 Carleton Sprague Smith: a visão de mais um musicólogo estrangeiro sobre

No documento A menina boba e a discoteca (páginas 139-143)