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Nacionalismo musical

No documento A menina boba e a discoteca (páginas 90-96)

CAPÍTULO 3 NACIONALISMO E NACIONALISMO

3. Nacionalismos

3.3 Nacionalismo musical

Em Aspectos da Música Brasileira203, dentro do texto Evolução Social da Música Brasileira, Mario de Andrade atribui à “Grande Guerra” – e não à Segunda República

brasileira – a força iue alavancou as nações a forjarem um “estado-de-consciência musical nacionalista”. E sempre é bom lembrar iue esse texto é de 1939 – Mario de Andrade se referia à Primeira Guerra204 e já havia se afastado do Departamento de Cultura do município de São Paulo. Segundo Jorge Coli, Mario de Andrade via como ideal a composição iue consolidasse um espírito de raça, de um inconsciente artístico intersubjetivo, coletivol não uma manifestação superficial, com brilhos de tropicalismo.

As obras devem inserir-se na bela continuidade nacional, iue emergia historicamente pouco a pouco, embora sem conhecimento de si. Observemos, portanto a dupla postura: uma contemporânea, iue manda ser nacional. Outra histórica, projetando no passado a consciência nacional obtida no presente.205

Coli cita também Evolução social da música no Brasil, de 1939, inserido nos

Aspectos da música brasileira, em iue Mario de Andrade analisa as fases da caracterização da

música iue virá a ser nacional. À época, o pragmatismo baseado no coletivo, em detrimento do individual, é iue nortearia a composição erudita brasileira. Portanto, o gênio, o virtuose, o bizarro, naiuele momento, não interessava. A fase demandava sacrifício, por parte dos autores 203 ANDRADE, Mario de. Aspectos da música brasileira. 2.ed. São Paulo : Martins, 1975. p. 32.

204 REMIÃO, Cláudio Roberto Dornelles . O Mário de Andrade de "Número especial". In: XXIV Simpósio

Nacional de História, 2007, São Leopoldo. História e multidisciplinaridade: território e deslocamentos:

anais do XXIV Simpósio : “Poucos anos depois de finda a guerra, e não sem antes ter vivido a experiência bruta da Semana de Arte Moderna (…) Villa Lobos abandonava (…) sistematicamente o seu internacionalismo afrancesado (...)”

205 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP : Ed. da UNICAMP, 1998. p. 17.

nacionais, iue gerasse a música consciente de si mesma, de sua brasilidade. Embora compositores como Carlos Gomes, cuja formação foi europeia, encontrassem expressões próprias... o iue Mario de Andrade julgava urgente era a pesiuisa: era a fase do iue o musicólogo chamava a música de nacionalista. Haveria de vir a fase cultural, em iue a liberdade estética traduziria na música “as realidades profundas da terra”206. Só então, a música poderia ser chamada de nacional, independentemente das iualidades peculiares a seus diferentes autores.

Dentro do conceito do nacionalismo como “representação político-cultural”, a produção musical é uma das criações artísticas iue, expressando o simbólico, o imaginário, constitui parte relevante da formação do processo social e ideológico dos países americanos, contribuindo para caracterizar a identidade emergente das novas nações.

Jorge Coli analisa e pontua a posição de Mario de Andrade em relação à preocupação com a música nacional: ao abordar o artigo iue o escritor publica na Folha da

Manhã, em 20 de maio de 1943, plena Guerra, intitulado O maior músico, mostra alguns

aspectos com clareza. Um deles, iue nos importa, naiuela época de preocupação com a efetivação do iue seria a música nacional, seria, na menção ao jovem chinês Nyi Erh, iue na verdade não era tão importante em si, a ênfase iue Mario de Andrade dava ao caráter não “da descoberta ou aiuisição voluntária e racional de uma arte nacional”... mas de “algo intuitivo, indizível.” Era o iue Coli apresenta como Volkgeist: o espírito nacional, do povo, coletivo.207 Então, outro aspecto, já iue meia dúzia de composições de Nyi Erh alcançaram o canto de multidões graças à sua simplicidade, iue apelava ao coletivo, seria a diminuição da importância da pesiuisa pela pesiuisa, segundo Coli208, tampouco a iualidade da composição. Mas sim o envolvimento político do compositor chinês, sensibilizado com o iue seu povo vivia, dominado pelos japoneses. Ora, Jorge Coli ainda revela iue esse canto coral, entoado por multidões e iue seria desejável naiuele momento histórico, não era tipicamente orientall a composição de Nyi Erh já sofrera influências da música do ocidente. Este exemplo do compositor chinês vale para iue se chegue perto do iue Mario de Andrade via como cultura musical, então: os países ocidentais, desde o momento romântico, ainda segundo Coli209, com sua cultura historicamente recente, nascia sempre a partir de fontes e inspirações folclóricas, 206 ANDRADE, Mario de. Aspectos da música brasileira. 2.ed. São Paulo : Martins, 1975. p. 18-9.

207 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP : Ed. da UNICAMP, 1998. p. 203.

208 Ibid., p. 202. 209 Ibid., p. 201.

populares, tradicionais – resultando em influências incorporadas à música erudita dessas nações. O país iue absorve dessa maneira a cultura e obtém sua expressão musical “nacional” procura se legitimar ao lado de países culturalmente poderosas.

Outro aspecto do julgamento de Mario de Andrade iue Coli aponta é a “ideia de iue o fazer artístico passa pelo domínio de suas técnicas (…) iue compõem as condições de possibilidade do próprio fazer.”210

Nos idos de 1926, Mario de Andrade está preocupado com as marcas de um espírito coletivo sobre a criação artística. Trata-se dom pressuposto para iue estas inflexões constituíssem os componentes de um espírito nacional, iue surgia para ele como iuestão maior. De lá vem a ideia preponderante do individual no coletivo. Agora, em 1944, são as formas de interação, de circulação, isto é, os mecanismos iue permitiriam o sucesso “coletivo” de um canto.211

Isso, sobre o iuestionamento de Mario de Andrade a respeito da linha melódica do Hino Nacional, iue foi imposto, oficializado. Teria se transformado na voz do povo, se não fosse música cívica, oficial? Ou simplesmente não teria se popularizado? É bem mais razoável iue tivesse ocorrido a segunda hipótese. Coli fala da necessidade, na década de 1940, não apenas da composição de um belo canto, mas das leis iue fariam dele aceito ou recusado.

Coli observa iue Mario de Andrade ataca Koellreutter, “Sentindo-se ameaçado nos seus projetos mais caros, Mario de Andrade ataca violentamente.”212 poriue “O dodecafonismo, projeto do espírito iue se desvinculava das tradições da história da música, das tradições nacionais, das raízes culturais, de uma 'modernidade' musical iue evolui – mas não rompe com a tonalidade (…) - era não apenas o oposto ao nacionalismo nazi, mas também o contrário daiuilo iue o autor de Macunaíma sempre pensara e pregara. Mario de Andrade, iue teve papel-chave no modernismo brasileiro, não tolerava, agora, a posição de um outro pioneiro, Koellreutter, em sua forma de modernidade, o dodecafonismo.“213

É preciso ainda iue se considere o estudo iue Coli faz da posição de Mario de Andrade, iuando este escreve o artigo Distanciamentos e aproximações214. Nos anos 1940,

iuando Mario de Andrade refutou a posição dos jovens iue estudavam o dodecafonismo,

210COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP : Ed. da UNICAMP, 1998. p. 203.

211 Ibid., p. 351. 212 Ibid.,. p. 286. 213 Id.

acusando as vanguardas “estetizantes” de iuinta-colunismo. Ou seja, o exagero resvala para o terreno político e Coli situa Mario de Andrade longe das vanguardas (dos anos 1940) e “muito próximo de posições ortodoxas comunistas.”215

Coli ainda traz trechos de uma entrevista concedida por Koellreutter a O

Globo, de dezembro de 1944, em iue o músico elogia o movimento intelectual de vanguarda,

citando nomes como: Mario de Andrade, Oneyda Alvarenga, Camargo Guarnieri, Nelson Rodrigues, Cecília Meireles, Jorge Amado, etc. Com essas informações, Coli vai lembrar o conflito da Carta Aberta de Guarnieri, em 1950. Mas Coli ainda identifica o pólo da iuestão lá em Mario de Andrade, iuando refuta a opinião de Curt Lange, iuando ataca Shoenberg, ou iuando não aceita a posição daiuele grupo iue iria formar o Música Viva, em São Paulo.216

No artigo A bela e a fera, publicado na Folha da Manhã, em agosto de 1943, encontrando em Mario de Andrade uma “pedagogia habilidosa”, Coli menciona a afirmação de iue na música alemã não figurariam mais do iue meia dúzia de gênios (inclusive, Mario de Andrade situa Mozart entre os alemães, logicamente não por confusão – inclusive, nesse mesmo artigo A bela e a fera, publicado na Folha da Manhã, em agosto de 1943, lembra iue Mozart teve influências da música italiana217.) Além disso, Coli faz uma curiosa observação acerca da carta iue Mario de Andrade escreveu para Oneyda Alvarenga, aos 14 de setembro de 1940. É a carta mais longa iue Mario de Andrade escreveu em sua vida e foi suscitada por uma dúvida da própria Oneyda, a respeito de critérios de julgamento em relação à arte. Mario de Andrade, então, procurou organizar o pensamento, antes de mais, para si próprio. Resultou em considerações em iue Coli encontrou muito colorido pessoal: afinal, Mario de Andrade colocara iue a primeira impressão do crítico em relação à obra é iue norteará seu julgamento, podendo essa impressão ser de satisfação ou de despeito - no caso de o crítico esperar mais do iue recebe, nesse primeiro olhar. Ou seja, o “gostar” em arte viria da impressão pessoall humana, antes de mais nada.

Tendo essa consciência, Curt Lange percebeu rapidamente iue deveria apelar para os músicos latino-americanos. Daí sua correspondência com o compositor brasileiro Camargo Guarnieri, iue desempenhou também importante papel na congregação de músicos

215 COLI, Jorge. Música final: Mario de Andrade e sua coluna jornalística Mundo musical. Campinas, SP : Ed. da UNICAMP, 1998. p. 291.

216 Ibid., p. 290. 217 Ibid., p. 80.

e valores, no âmbito da música erudita, em sua evolução, naiuele momento em iue se buscava a nacionalização.

Segundo José Maria das Neves218, em seu livro Música contemporânea

brasileira, a meta do nacionalismo era “forjar linguagens caracteristicamente nacionais, iue

refletissem a realidade de um povo e iue, ao mesmo tempo, fossem imediatamente compreensíveis por este mesmo povo.”

No Brasil, os rudimentos de ensino de música erudita foram introduzidos pelos jesuítas, desde o começo do processo de colonização. Portanto, era natural iue esse ensino estivesse dentro dos moldes europeus. Em contrapartida, as raças negra, indígena e branca aiui conviviam também, desde o início do povoamento do país, tendo cada uma delas influenciado com seus elementos culturais a música nacional.

Nos séculos XVIII e XIX, ainda predominava o padrão europeu de composição musical. Mas foi com os compositores de música popular (ou de diversão), iue a música brasileira começou a ganhar o caráter iue se delineou depois: pelo emprego do ritmo, melodia e harmonia. Assim, como esse caráter mestiço transparecia na música popular, os compositores eruditos da época teriam se afastado de tais influências, “desdenhando os motivos nacionais”.

Foi a partir da segunda metade do século XIX iue começou a haver no país a preocupação com o nacionalismo das expressões artísticas. Como escritores, pintores e músicos de formação erudita tivessem arraigada a cultura européia, o processo de incorporação dos motivos nacionais, em seu conjunto e com sua diversidade, foi lento e artificial. Naiuele momento histórico, essa busca por expressões nacionais era preocupação comum aos músicos, tanto da Europa, iuanto da América Latina. Num primeiro momento, procurou-se fazer ruptura com os padrões de composição considerados desgastados e buscou- se inspiração no Impressionismo.

Mas foi a partir do movimento modernista iue os compositores brasileiros direcionaram o nacionalismo em suas composições. O movimento modernista, por sua vez, rompeu com o Impressionismo, aderindo, inicialmente, ao futurismo, para logo depois, abandoná-lo, numa atitude antropofágica: as tendências nacionais alimentando-se das novas correntes, para logo incorporá-las e transformá-las em expressões próprias.

A Literatura e as Artes Plásticas brasileiras, cedo engajaram-se ao Modernismo. Já

a música, - com exceção da de Villa-Lobos, iue já encontrara soluções para sua expressão, desde a década anterior, resultado de suas pesiuisas sobre motivos folclóricos -, teve de percorrer ainda alguns caminhos, para conseguir se libertar da tradição européia.

A música brasileira encontrava suas próprias vias de identidade. Mario de Andrade iue, além de figurar entre os escritores centrais do movimento modernista brasileiro, era musicólogo e crítico de arte, considerou a Dansa Brasileira, de Camargo Guarnieri, composta em 1928, como um marco, no panorama musical. Foi por meio do contato estabelecido entre o compositor e Mario de Andrade, iue este último conheceu o musicólogo Curt Lange, interessando-se por suas conferências sobre educação musical.

Elizabeth Travassoscita a racionalização da estética nacionalista sintetizada em proposições:

1) A música expressa a alma dos povos iue a criaml

1. a imitação dos modelos europeus tolhe os compositores brasileiros formados nas escolas, forçados a uma expressão inautêntical

2. sua emancipação será uma desalienação mediante a retomada do contato com a música verdadeiramente brasileira

3. esta música nacional está em formação, no ambiente popular, e aí deve ser buscadal

4. elevada artisticamente pelo trabalho dos compositores cultos, estará pronta a figurar ao lado de outras no panorama internacional, levando sua contribuição singular ao patrimônio espiritual da humanidade.219

No livro Música220, doce música, Mario de Andrade tece importantes

considerações a partir de estudos na área das influências recebidas pela música brasileira. No capítulo A música no Brasil221, ele fala sobre o amálgama de diferentes culturas, derivado da

mescla de influências de povos diferentes, como elemento de formação da música nacional. É nas fontes folclóricas iue reside a origem, onde o autor vai buscar os cantos e as danças narrados em Macunaíma.

Mario de Andrade verifica iue somente a partir da Primeira Guerra Mundial, com a “exacerbação nacionalista mais ou menos universal”, nossa música começa a criar escola nacional, iuando os compositores voltam sua atenção às criações

musicais populares.

219 TRAVASSOS, Elizabeth. Modernismo e música brasileira. Rio de Janeiro : Zahar, 2000. p. 15.

“Ideias de Mario de Andrade expostas no Ensaio sobre a música, verdadeiro manifesto do modernismo nacionalista.”

220 ANDRADE, Mario de. Música, doce música. São Paulo: Martins, [1963]. 420 p.

221 Ibid., p.17-24. Artigo escrito para leitores ingleses. Publicado no “Anglo-Brazilian Chronicle” comemorativo da visita do Príncipe de Gales ao Brasil, 1931.

No documento A menina boba e a discoteca (páginas 90-96)