CAPÍTULO 6-RESULTADOS E DISCUSSÃO: DESCRIÇÃO E
6.1 Categoria A Estímulos para a escolha da profissão docente
Ao serem perguntados porque escolheram ser professores, os mesmos se referiram à profissão docente, em geral, de forma bem positiva. Talvez haja algum fator emotivo, já que remete à importante opção de vida, no entanto, como podemos ver ao longo da análise, esta escolha influenciou aspectos que estamos analisando como motivação e identidade. Escolhemos também abrir a análise com esta categoria porque ela apresenta o perfil dos professores entrevistados já que eles discorrem um pouco sobre sua vivência pessoal.
A categoria foi denominada desta forma principalmente por dedução da pergunta realizada, mas também pelo desejo de identificarmos o que levou estes profissionais a escolherem a carreira docente, ou seja, quais estímulos levaram-nos a essa escolha.
O destaque positivo dado pelos professores pode ser visualizado através da nuvem de palavras da Figura 2:
Figura 2: Nuvem de palavra gerada com o texto das unidades de análise das respostas à pergunta 1 “Por que você escolheu ser professor?”
Fonte: Do autor. Nuvem produzida a partir do site http://www.wordle.net/
A partir da nuvem de palavras apresentada anteriormente, podemos destacar as seguintes palavras mais frequentes nas entrevistas com os professores: escola, ideias, ver, criança, necessidade, personalidade, motivações, indústria, chamariz, autonomia e identificação. Podemos considerar que estas palavras estão relacionadas aos incentivos e estímulos que levaram estes professores a optarem
pela carreira docente: a escola onde estudaram; as ações que praticavam na escola, como por exemplo, ensinar algum conteúdo para um colega; sua personalidade; identificação e atração pela profissão; necessidade de contribuir para transformação social e maior autonomia.
Passamos, agora, a apresentar e analisar as UA mais significantes, destacando inicialmente duas UA:
tive professores muitos bons e era um sonho de criança (Sup4, Quadro 2, Apêndice C)
[...] desde que eu estava na escola, eu gostava de ajudar os amigos (Sup1, Quadro 2, Apêndice C)
Os estímulos “escola e sonho de criança”, destacados pelos supervisores nas UA anteriores sugerem que a profissão docente vai sendo moldada a partir da história e das vivências dos supervisores, bem como de suas ações e projetos desenvolvidos no ambiente escolar e que fizeram parte de seu aperfeiçoamento profissional como um todo. Essa influência da história e das vivências auxiliam a construir o eu profissional, ou a identidade profissional, que será destacada na categoria G , no subcapítulo 6.7 (TARDIF, 2008; MARCELO, 2009).
Em relação à história e vivências, Tardif (2008) explica que boa parte dos conhecimentos dos professores e suas metodologias de ensino provêm de sua história de vida e, principalmente, de sua socialização enquanto estudantes, o que explica os supervisores terem citado a escola e seu sonho de criança como estímulos para a escolha da carreira docente. O autor ainda diz que o saber ensinar exige saberes experienciais, resultantes da prática cotidiana do professor e que também dependem da personalidade do professor a qual é influenciada pela sua história de vida familiar e escolar.
A ênfase de outro supervisor em destacar as palavras “personalidade” e “motivações”, conforme UA a seguir, evidencia a escolha da profissão a partir de uma maior identificação com ela:
a escola, achei que tinha a ver comigo, tinha descoberto uma coisa que tinha a ver com a minha personalidade, com as minhas motivações (Sup11,Quadro 2, Apêndice C).
A personalidade destacada por este supervisor, seguindo o raciocínio de Serra (2008), pode ser entendida como resultado de sua realidade anterior e difere da motivação que resulta da realidade imediata, ou seja, daquilo que o supervisor
vivencia no momento, dos contextos profissional, pessoal, familiar, econômico, social e ideológico nos quais ele está inserido. Podemos então dizer que a personalidade do supervisor é construída ao longo da sua vida e sua motivação se constrói no momento presente apoiados em argumentos deste autor.
É interessante notar o Sup11 identificando a carreira docente com sua personalidade, pois sendo esta uma construção gradual ao longo da vida, sua história familiar e escolar parece ter sido foi fundamental para essa construção e pode refletir em seu saber ensinar, conforme destacado anteriormente segundo Tardif (2008).
Este mesmo supervisor disse:
inicialmente teve um chamariz que me prendeu [...] (Sup11, Quadro 2, Apêndice C)
Podemos perceber o uso pelo Sup11 da palavra chamariz, sugerindo o quanto a profissão o atrai. O dicionário Houaiss (2009) apresenta o seguinte significado para chamariz: o mesmo que uma isca, uma chama, aquilo que chama atenção, que é atrativo.
A partir desse chamariz, consideramos que a atração pela carreira docente do Sup 11 pode estar ligada a uma realidade anterior (personalidade), conforme já foi comentado, ou a uma realidade imediata (motivação) ou a ambos. Entendemos que uma atração por algo surge a partir da relação que é estabelecida entre o sujeito e o objeto de seu desejo. Se surgiu atração pela carreira docente, é porque houve percepção de que ela gerava satisfação e prazer para este professor supervisor, o que pode corresponder à motivação intrínseca (WEINSTEN, 2014).
O Sup11 também compara a carreira de professor com a sua carreira na indústria ao dizer:
uma coisa que eu não tinha na indústria, era autonomia para administrar minhas ideias, expandir minhas ideias (Sup11, Quadro 2, Apêndice C). O Sup11 considera que a profissão professor lhe dá mais autonomia e compara com sua primeira experiência profissional na qual não reconhecia tanta autonomia. Este relato remete à teoria da orientação da causalidade (DECI e RYAN, 2004; NIEMIEC, DECI e RYAN, 2010). Esta miniteoria da TAD pode explicar como as diferenças de personalidade afetam a orientação destes supervisores: quando orientados para a autonomia, eles tendem a buscar atividades que lhes
proporcionem desafios e interesses e que lhes satisfaçam essa necessidade, o que pode levar à motivação intrínseca. Como o Sup11 indicou que a profissão docente lhe permite mais autonomia, isso sugere que sua personalidade demanda esta necessidade psicológica, sendo possível inferir que a profissão lhe dá prazer, satisfação e outros elementos que a atendem e podem lhe motivar intrinsecamente.
A UA apresentada anteriormente é exemplo de que na análise textual discursiva, inúmeros sentidos podem ser atribuídos a um parágrafo. Assim, esta UA que traz implícita a ideia de motivação intrínseca e outros elementos, pode ser atribuída a mais de uma categoria, sendo apresentada novamente no Subcapítulo 6.4, onde são apresentados mais dados que podem revelar se o PIBID ajudou ou não a satisfação da necessidade de autonomia e se isso contribuiu para aumentar a motivação deste profissional. Em outros momentos do texto, outras UA são atribuídas a mais de uma categoria.
Partimos agora para o relato de um supervisor que escolheu a profissão por identificação como forma de crescimento pessoal, conforme ilustra o fragmento de sua fala que consta no Quadro 2 do Apêndice C:
Foi identificação mesmo, a profissão, ela se misturou com aspectos com questões com a necessidade de um crescimento pessoal, então o desafio de ensinar representava pra mim desafios profissionais que ao mesmo tempo eram pessoais, a própria necessidade de enfrentar a timidez, a insegurança, ela me fez crescer muito, me identifiquei no ensino (Sup2, Quadro 2).
Consideramos que essa escolha por identificação ocorreu porque o Sup2 considerava a carreira docente uma atividade agradável e prazerosa e que lhe proporcionaria crescimento profissional e pessoal a curto e longo prazo. Este supervisor, ao longo de sua trajetória pode ter estado mais próximo, em grande parte de suas atividades profissionais, do estilo regulatório extrínseco identificado e estilo regulatório extrínseco integrado(DECI e RYAN, 2004; NIEMIEC, DECI e RYAN, 2010; WEINSTEN, 2014). Neste caso, a fala do supervisor não deixa claro se ele considerava a carreira docente uma atividade atraente e/ou prazerosa, apenas destaca a utilidade para seu crescimento profissional e pessoal, por isso preferimos apontá-lo como mais próximo do estilo regulatório identificado ou integrado.
Outro supervisor pontuou que escolheu a profissão porque sentiu necessidade de ser docente a partir do desejo de querer um país melhor, o que traz
implícito o ideal de transformação social pela profissão, conforme explícito na UA a seguir:
eu optei pela carreira de ensino pela própria experiência que tenho tido anteriormente na França e da necessidade que eu percebi em relação a educação aqui no país [...]optei pelo magistério por isso [...] (Sup10, Quadro 2, Apêndice C).
O Sup 10 relatou em sua entrevista que veio da França para o Brasil com o desejo de transformação social. Podemos cogitar que este supervisor escolheu a profissão porque acredita que ser docente representa ser um agente construtor de conhecimento e de transformação e que, além disso, problematiza as relações com o seu entorno. Estas percepções são tratadas por Paulo Freire (2011) e as retomamos porque acreditamos que quando um professor está preocupado com a transformação social de seus estudantes e não apenas com a transmissão de conteúdos, o aprendizado do estudante e seu aprendizado acontecem de forma mais eficaz e rápida, afinal o professor também precisa ser aprendiz em sua carreira docente e na sua relação com os estudantes.
Freire (2011) refere-se aos professores, indicando que não são meros depósitos de conteúdos. Ainda segundo este autor, a transformação da educação não acontece antes da transformação da sociedade, que por sua vez depende da educação para acontecer. Não queremos aqui associar a carreira docente com algum viés missionário, ou sugerir o professor como assistente social, mas enfatizamos que o professor precisa contribuir para desabrochar nos estudantes o sentido de que seu conhecimento pode ajudar a transformar a sociedade, mais especificamente o entorno onde vivem.
A partir dessa reflexão inspirada em Paulo Freire e considerando a fala do Sup10 é importante enfatizar que a transformação da sociedade perpassa também por fatores sócio-econômicos que serão transformados juntamente com as transformações na educação. Supondo que todas as pessoas passam por uma escola, acreditamos que nós, professores, somos agentes importantes na reforma da educação e sociedade.
Expandindo a fala do Sup10, entendemos que o desejo de transformação social, pela educação, relaciona-se com a motivação do professor: sem motivação é muito mais difícil que se pense no entorno da escola, por exemplo. Além disso, também podemos considerar que a transformação social pela educação também deve estar imbuída de uma identidade coletiva que perpassa pela necessidade de
pertencimento e que vai de encontro ao que Freire diz sobre a aprendizagem advinda também da relação professor-aluno, ou seja, acreditamos que o pertencimento enquanto estabelecimento de vínculos também permite a aprendizagem dos sujeitos envolvidos o que pode levar à transformação social.
É importante agora algumas situações desafiadoras na profissão, conforme categoria a seguir.