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4.3 A categoria dos metalúrgicos: tradição em combatividade e efetiva participação das mulheres trabalhadoras

Ao comentar sobre a categoria dos metalúrgicos, Rosi referiu-se ao “fascínio”

que a categoria exerce sobre ela, por tratar-se de uma categoria de vanguarda, respaldada

pela tradição de luta dos trabalhadores pelos seus direitos. Em seu depoimento a entrevistada contou que, na época em que foi para o sindicato, numa tentativa de cooptá-la, a empresa chegou a oferecer um cargo mais elevado e que ela recusou:

O meu lado é o lado do trabalhador. Na época que eu vim pro sindicato, [a chefia] tinha me oferecido um cargo dentro da empresa, de líder. Eu não quis aceitar porque eu já tinha escolhido o meu lado, que era do sindicato, do trabalhador. (Rosi)

Nesse sentido, a respeito do reconhecimento de que o SMABC desfruta em termos de sua tradição na luta em defesa dos direitos dos trabalhadores metalúrgicos, Andrea afirma:

Querendo ou não, nós mulheres [diretoras do SMABC] acabamos carregando um peso nas costas. Quando fala: “São as mulheres do ABC, nossa! Nossa!” Eu falo, a gente tem um baita nome mas cadê a gente? Cadê a gente inserida nos trabalhos, nas discussões? Acho assim, esse Congresso é o ponta pé pra tudo. (Andrea)

Nota-se que, a despeito do reconhecimento da combatividade do SMABC, a atuação das mulheres trabalhadoras ainda está se delineando. Ainda há a expectativa de uma atuação mais ativa e de uma parceria mais equilibrada com os colegas nas negociações coletivas, enfim, ainda há a expectativa da participação das mulheres de maneira não subordinada.

Pode-se relatar, com base no depoimento de duas das diretoras entrevistadas, a recusa recente, por parte da Presidência do sindicato, à criação de uma Secretaria da Mulher nessa instituição, uma reivindicação da Comissão de Gênero; em contrapartida, foi oferecida às diretoras uma vaga na próxima direção executiva que, na atual gestão (2008-2011), não conta com nenhuma mulher.

Quando questionadas acerca da receptividade que o sindicato oferece às mulheres trabalhadoras, elas argumentaram:

Além da questão de ser uma categoria majoritariamente masculina, a gente tem aquela história ... a discriminação, o preconceito. Então muitas vezes a gente tem que brigar, mostrar. Então a nossa trajetória no sindicato é uma trajetória de muita luta. A gente tem que redobrar [o esforço] pra mostrar nossa capacidade. Ele [um companheiro] pode até ser cobrado, mas é muito menos cobrado do que uma companheira. A companheira tem que se destacar mais, tem que se mostrar mais capaz. (Rosi)

Sempre tem uns [companheiros] que são mais favoráveis, que parecem ser mais conscientes, sabem da importância da participação da mulher no sindicato. Mas outros não, outros ainda têm aquela historinha: “Se fosse minha mulher não, eu não deixaria, que aqui não é local pra mulher”. E se tiver outros comentários não é falado, mas acredito que seja pensado. Por isso nós temos que fazer esse trabalho [de sensibilização] aqui, pr’os nossos companheiros do sindicato. Porque não entendem a importância, o porquê do trabalho da mulher, pra que, já está bom do jeito que está, já conseguimos muita coisa. Mas acho que é cultura, né? Não adianta a gente querer mudar de uma hora pra outra. Não é de uma hora pra outra porque a luta da mulher já está vindo há muito tempo. Mas aqui dentro, começar a ter nosso espaço, a ser respeitada, vista como um trabalho importante. Que na verdade não é só pra mulheres, é pra mulheres e homens. Porque todos eles têm uma mulher também em casa; de repente, vai pro mercado de trabalho e aí? Cadê suas garantias de emprego, cadê suas oportunidades? Eu costumo falar que não queremos disputas entre homens e mulheres, nós queremos o nosso espaço. Fácil sabemos que não vai ser, porque quem está no poder não vai abrir mão de uma hora pra outra. (Andrea)

Este é um local de disputa e a disputa pra estar nessas funções, executiva, conselho da executiva. Eu faço parte do conselho da executiva há dois mandatos e se a gente não garantir, não fizer essa discussão, não colocar no papel, nessa disputa, acaba as mulheres ficando de fora, até porque o número de mulheres já é menor, tem mais homens disputando espaço e acaba a gente não colocando as mulheres em cargos de comando. (Ana Nice)

Homem é sempre homem em qualquer lugar. E se nós mulheres não se impor... a gente está sempre ficando pra trás. Ninguém vai te dar de mão beijada, há necessidade sim da luta. A mulher não é vista assim ... hoje não, a Dilma está sendo muito bem aceita pela população do Brasil, então eu vejo grande crescimento e que essas barreiras vão diminuir, ser quebradas e que a mulher vai ter mais poder, mais chance de se envolver com a política. A Dilma falou pra gente numa reunião, contou que ela estava fazendo um discurso e tinha uma menininha com ansiedade de falar com ela, ela foi ver e a menina falou: “E mulher, pode? Pode ser presidente?”. E a Dilma respondeu: “Pode sonhar que hoje mulher pode!”. Estamos conquistando, a duras lutas mas estamos. (Gilza)

Sobre a presidenta Dilma, a fala da Gilza retrata a importância das modificações possíveis no imaginário coletivo e da influência que pode ser exercida na construção das percepções das crianças a partir da eleição de uma mulher à Presidência da República.

A dificuldade de consolidar a liderança sindical pelas mulheres trabalhadoras também foi abordada:

Muito ainda por conquistar mas... e muito pra manter, porque tem muitas conquistas que você tem que brigar pra manter, tem que estar sempre batendo de frente pra poder manter. A briga é constante, o desafio é constante. (Rosi)

Comentando sobre a participação das mulheres trabalhadoras nas intervenções sindicais rotineiras em portas de fábrica:

Às vezes a gente está em cima do caminhão, falando em alguma assembleia na fábrica, e elas [as trabalhadoras] estão lá conversando. Os meninos que estão com a gente, às vezes até representante da própria fábrica, brincam: “Olha lá, tá falando de novela ou do marido”. Elas não ficam prestando atenção nem no que o pessoal tá transmitindo, só se for uma coisa de muito interesse, se for falar de uma PLR, de algum benefício pra elas. No caso de campanha salarial ainda elas ficam atentas, mas se for uma assembleia pra falar da fábrica que tem problema, elas não estão nem aí. (Tania)

Esses depoimentos demonstram que a discussão e a prática sindicais ainda estão significativamente distantes de boa parte das mulheres metalúrgicas, haja vista que persiste a propagação de idéias e atitudes concretas segundo as quais o sindicato, assim como, em certa medida, as fábricas não são “local pra mulher” (e cujo trabalho é, muitas vezes, visto como um trabalho complementar, o que justificaria o baixo incentivo, por parte de direções sindicais, à ação política das mulheres) e que muitas delas não se sentem representadas, de fato, pelo coletivo sindical. O SMABC ainda precisa aprimorar as estratégias destinadas a envolver as mulheres trabalhadoras da base e instigá-las à participação.

4.4 - Empresa, família e companheiros de militância: o sindicato como