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Rosi, Andrea e Ana Maria comentaram ter iniciado suas atuações a partir da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), um importante organismo de intervenção para os trabalhadores. Vejamos os depoimentos de Rosi e Andrea:

Em 97 essa empresa71 não tinha nenhuma organização dos trabalhadores, tinha uma CIPA muito fraca e aí a gente percebeu a necessidade de fazer uma organização no local de trabalho mais forte,

ir atrás dos nossos direitos de fato. Foi quando nós conquistamos essa CIPA. Em 99 a gente estava no sindicato, então era uma CIPA apoiada pelo sindicato dos metalúrgicos. Nessa CIPA a gente conquistou vários itens na empresa pr’os trabalhadores. Era uma CIPA muito forte porque a maioria dos trabalhadores aprovava e estava junto, então nós fizemos uma revolução, vamos dizer assim. (Rosi)

Quando eu entrei na CIPA, entrei por garantia de emprego mesmo, estava querendo na época fazer uma prestação e falei: “Vou entrar na CIPA pra mim não ser mandada embora”. Só que aí, é como eu falo pra muitos, eu entrei na CIPA por isso, mas só que depois, da responsabilidade de estar dentro de uma CIPA, eu vi as coisas que a gente tinha que correr atrás e não tem como você ter uma estabilidade, estar lá e ver as coisas erradas e não fazer nada, sabe? Foi aí que começou a minha trajetória. (Andrea)

Eu comecei pela CIPA, dentro da empresa, fiquei 4 anos como cipeira. É um preparatório. Não dá pra ser de cara diretora. Você vai vendo eles atuarem, eles têm o procedimento de sempre convidar o cipeiro pra estar junto, informar o que está acontecendo e você vai aprendendo. É uma preparação mesmo e você tem a noção, se quer ou não seguir. É muito importante vir da CIPA porque você vai adquirindo experiência e tendo certeza se quer ou não continuar. Eu fiz alguns cursos de formação no sindicato, tem vários cursos. É muito interessante fazer os cursos. Se você não faz, não tem uma base, fica despreparada. O curso dá formação pra você ficar mais à vontade pra trabalhar no chão de fábrica. (Gilza)

As CIPAs conferem, temporariamente, estabilidade de emprego aos membros que a compõem, permitindo a organização trabalhista dentro da fábrica sem que os trabalhadores tenham medo de perder o emprego de imediato. Além disso, conforme afirmamos acima na apresentação das dirigentes sindicais, a decisão de fazer parte dos organismos de representação no local de trabalho decorreu de convites feitos por pessoas que já exerciam a representação dos trabalhadores – o que também foi verificado em outros estudos que observam que são os estímulos a partir de convites de outros dirigentes, mais do que as iniciativas pessoais, que impulsionam as decisões de participação (GIULIANI, 1997: p. 654) –, sinalizando a importância de que os membros dirigentes dos órgãos de organização instiguem o engajamento político de trabalhadoras e trabalhadores.

As entrevistadas também expuseram que passaram a integrar o sindicato como representantes dos trabalhadores, membros do CSE (Comitê Sindical de Empresa):

Era um novo modelo [sendo implementado na empresa], o sindicato dentro da fábrica e não o sindicato fora da fábrica. Aí foi o CSE, era um diretor de base dentro da empresa. Eu trabalhei dentro da empresa e no sindicato, fazia toda essa ponte com os trabalhadores e o sindicato e sempre na organização no local de trabalho. (Rosi)

Nós já temos uma organização lá dentro, então a gente já tem o respeito da gerência. Se não tem, se de repente a gente se sentir desrespeitado, a gente leva pra uma assembleia. Nós somos 4 [membros do CSE] mas não temos o poder de decisão, quem tem o poder de decisão em tudo que acontece dentro da fábrica é a grande massa. (Andrea)

Entre Papaiz e sindicato, sempre teve assim... não tem... já teve... de greve, nós já paramos aqui quase 1 mês. Mas depois tem que pagar. Só que antigamente não tinha representação. Era assim, o dono falava [daqui] e o sindicato de lá... Hoje não, hoje já não têm mais aquelas greves, a não ser assim, por causa da PLR [Participação nos Lucros e Resultados], tal. Mas antigamente as greves eram direto, sempre via na televisão o pau comendo, em 80. Hoje não, a maioria das empresas têm representação. Antigamente não era assim, entendeu? Tinha muita encrenca na empresa! Hoje, a convivência entre o sindicato e a empresa, tem assim um respeito, é um reconhecimento. A empresa reconhece eles, porque se eles falam “É aquilo ali”, a empresa reconhece, se não é pior pra eles. Vou lá em cima e... não tem aquele negócio, pode ser chefe, se a gente vê alguma coisa de errado, não tem medo. A gente é representante e tem que se garantir, conversa de igual pra igual, com a dona também.(Ana Maria)

Nas outras empresas onde eu trabalhei, sempre fui cipeira e sempre andei atrás do sindicato, mas aqui foi onde eu me envolvi mesmo. Nas outras não tinha grande chance, o sindicato [era] mais fraco. Aqui o sindicato dos metalúrgicos já é mais arrojado. Eu não pratico mais [o exercício do trabalho na linha de montagem], fico resolvendo os problemas dentro da fábrica com as companheiras. Os chamados são [para] perguntar o andamento da empresa e pra se queixar de alguns problemas que elas estão enfrentando, pedir colaboração, melhoria no posto de trabalho. Hoje em dia a relação delas [,as trabalhadoras,] com o supervisor, eu diria que [é] boa. Não é ótima, mas tem uma relação boa. Porque dentro da empresa tem o sindicato que está cuidando, elas têm a confiança na representação. Se eles falam qualquer coisa, imediatamente elas já me chamam e não têm medo de falar pra mim na frente deles. Tem alguns que são bastante autoritários ainda. Não são mais porque a gente está sempre no embate com eles e não deixa que passem dos limites. Tem o reconhecimento e eles não nos enfrentam não, recuam imediatamente. Hoje tem o respeito, cada um trabalhando no seu espaço. (Gilza)

A partir de 1978 o movimento grevista dos metalúrgicos do ABC assumiu uma crítica contundente à estrutura sindical atrelada ao Estado: visava estabelecer a negociação direta entre trabalhadores e patronato, bem como propunha a prática da organização pela base – objetivando, nesse sentido, fortalecer o sindicato a partir das fábricas, em decorrência da representação dos trabalhadores, cujos membros passaram a ser eleitos por eles, no próprio local de trabalho. Os comitês de representação têm possibilitado, desde o momento de seu surgimento dentro das fábricas, a luta organizada dos trabalhadores pela contenção do autoritarismo por parte dos supervisores e por melhores condições de trabalho e de vida, isto é, anseios que não se restringem à esfera produtiva, mas almejam a ampliação da cidadania. Por outro lado, para os empregadores a representação trabalhista significa a tentativa de antecipação e controle dos conflitos no cotidiano da produção (RODRIGUES, 1991). Em se tratando do atual contexto de incisivas transformações no capitalismo quanto à gestão da força de trabalho – que se caracterizaria por uma postura relativamente mais flexível adotada pelo empresariado no que se refere ao período anterior, neste caso, momento em que se privilegia, em certa medida, a parceria com os empregados nas decisões da empresa, o que resulta na redução dos embates – a representação dos trabalhadores no local de trabalho pode desempenhar um papel estratégico enquanto elo de negociação no dia-a-dia com o patronato (RODRIGUES, 1999).

Quanto aos CSEs, especificamente, surgiram no final da década de 1990, cuja consolidação foi discutida no III Congresso da categoria, em 1999. Com a implantação dos CSEs – que dispõem de regimento unificado e estão vinculados à Diretoria Plena do sindicato –, os dirigentes sindicais pretendem estimular a representação dos trabalhadores no local de trabalho e a formação de lideranças atuantes no chão de fábrica, em defesa dos direitos dos trabalhadores – incentivando a criação das comissões de fábrica e das CIPAs nas empresas onde tais instâncias ainda não estiverem ativas –, e também fora das fábricas, pelo exercício amplo da cidadania72.

O depoimento de Tania fez referência a uma situação de atrito a partir de um acordo firmado pelo coordenador do CSE com a direção da empresa onde ela trabalha – acordo este que previa que os trabalhadores da empresa não se envolveriam em greve naquele determinado momento – e os trabalhadores, que, no entanto, resolveram, espontaneamente, atender ao convite feito pelos trabalhadores de outra empresa localizada nas proximidades:

[O coordenador] tinha ido pra França, ele era coordenador da área, então eu só podia fazer o ato com autorização dele, porque ele já tinha feito uma conversa com a empresa, que a empresa “Y”73 não parava. (Tania)

Como os trabalhadores decidiram, naquele momento, apoiar os colegas da outra empresa e aderir à greve, em contrapartida, a supervisora da fábrica interveio:

Ela me falou assim: “Não foi isso que nós combinamos”, mas eu falei pra ela: “O que vale aqui é a vontade do trabalhador e eles querem parar, nós vamos parar!” (Tania)

A pressão que se exerce no sindicato a fim de que as diretoras concentrem suas atuações nas negociações coletivas conduzidas pelo sindicato acaba, muitas vezes, resultando num afastamento dessas representantes das dinâmicas de embate no seu local de trabalho, ao lado de suas companheiras de fábrica: comentando sobre o incentivo de outra integrante do movimento sindical no intuito de que ela se posicione mais na defesa coletiva conduzida pelo SMABC, Andrea relatou:

A “X”74 vive pegando no meu pé, ela fala que a gente está fazendo política pra todo mundo e eu falo que não posso sair da fábrica, tenho que estar na fábrica porque as minhas meninas precisam de mim75. Aí ela fala: “Aqui também tem um monte de meninas precisando de você”. Eu falo “não, também tenho que estar lá na fábrica”. Esses 9 meses totalmente ausente [em atividades pelo sindicato] me fizeram um bem maravilhoso, mas alguém eu deixei de ajudar de dentro da fábrica. (Andrea)

Quanto a atuar em defesa dos trabalhadores a partir da intervenção no sindicato ou a partir da luta do dia-a-dia no próprio ambiente de trabalho, comentando sobre a possibilidade de que assuma a coordenação da Comissão de Gênero, Ana Nice falou:

Eu ainda não sei, tem algumas demandas na empresa nesse momento, não sei se é o momento de eu ficar fora da empresa, tem a reivindicação lá da militância, pra mim estar mais presente, acompanhar algumas questões, discussões. Mas a gente vai discutir ainda, não sei se vou assumir logo depois da Simone, se tem outra companheira que queira estar à frente. A gente vai discutir ainda. Tem momento que a gente tem que priorizar algumas coisas. (Ana Nice)

73 Não será revelado o nome da empresa.

74 Optou-se por não revelar o nome da pessoa a quem a diretora referiu-se nesta fala. 75 Grifos meus.

4.3 - A categoria dos metalúrgicos: tradição em combatividade e efetiva