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2.2 O viver a dor: um olhar antropológico-social

2.2.4 Causa mortis: homicídio

A maior parte dos filhos falecidos dos sujeitos participantes da presente pesquisa é de adolescentes ou jovens de até 24 (vinte e quatro) anos de idade. Por isso, achamos pertinente tratar, mesmo que de forma breve, sobre o risco e a vulnerabilidade dos jovens ao crime de homicídio.

Segundo o Mapa da Violência 2013: Homicídio e Juventude no Brasil, publicado pelo Centro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA), a violência contra os jovens brasileiros aumentou nas últimas três décadas, de acordo dados do Subsistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Entre 1980 e 2011 as mortes violentas de jovens – como acidentes, homicídio ou suicídio – cresceram 207,9%. Considerando apenas os homicídios, o aumento chega a 326,1%. Do total de 46.920 mortes na faixa etária de 14 a 25 anos, em 2011, 63,4% tiveram causas violentas (acidentes de trânsito, homicídio ou suicídio). Na década de 1980, o percentual era 30,2%.30

O Mapa diz ainda que o homicídio é a principal causa de mortes não naturais e violentas entre os jovens. A cada 100 mil jovens, 53,4 foram assassinados, em 2011. Os crimes foram praticados contra pessoas entre 14 e 25 anos. O documento explica que o aumento da violência entre pessoas dessa faixa etária demonstra a omissão da sociedade e do Poder Público em relação aos jovens, em especial, os que moram em zonas periféricas e em áreas com domínio territorial de quadrilhas, milícias ou de tráfico de drogas.

Mais recentemente, um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), divulgado em setembro de 2014, coloca o Brasil em sexto lugar no mundo na taxa

29 Fonte: Maria Tereza Maldonado. Disponível em: http://www.mtmaldonado.com.br/artigos/mulher_chefe.php.

Acesso em 28 nov. 2014 30

Fonte: Agência Brasil de Comunicação. Disponível em: http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2013- 07-18/homicidios-de-jovens-crescem-3261-no-brasil-mostra-mapa-da-violencia. Acesso em: 24 nov. 2014.

de homicídios de crianças e adolescentes de zero até 19 (dezenove) anos de idade, durante o ano de 2012. Segundo este documento, o país registrou 17 homicídios por 100 (cem) mil habitantes nessa faixa etária. Em termos absolutos, o Brasil registrou mais de 11 (onze) mil mortes na faixa etária. O UNICEF afirma, no documento, que as principais razões para este grande número de homicídios de jovens aqui são: aumento da desigualdade, acesso a armas de fogo, alto consumo de drogas e crescimento da população jovem.31

Para fins de delimitação geográfica, citamos dados da Secretaria de Segurança Pública do Ceará a respeito da ocorrência de homicídio no estado. Segundo os dados, o Ceará é um dos estados que encabeçam o ranking de homicídios dolosos registrados pelas autoridades policiais em 2014.32.

O ano de 2014 terminou com 4.439 homicídios no Ceará. Na comparação com 2013, quando houve 4.395, o crescimento foi de 1%. Ao longo dos últimos dez anos, a quantidade de homicídios quase triplicou no estado. Entre 2005 e 2014, a alta foi de 198%. Nesse período, foram registrados 27.239 assassinatos. A média foi de 7,5 mortes por dia nesses dez anos. Em 2014, o Ceará teve uma média de 12,1 assassinatos diários.33

Conforme pudemos observar, por meio das estatísticas, o crime de homicídio é um problema social recorrente em nosso estado. Para cada uma destas pessoas mortas, há um luto deixado à família ou uma mãe que conta sua dor.

Conforme já mencionado na introdução desta tese, optamos por trabalhar especificamente com modo de morte homicídio, pois consideramos que o fato de perder um filho por assassinato marca e particulariza a maneira como a mãe (sujeito informante) narra a trajetória de sua vida marcada pela dor.

Segundo Moura (2006), um dos fatores mais significativos, quando se trata da vivência do luto, refere-se à forma como a morte ocorreu. Segundo ela, o modo de morte influencia, de maneira especial, as reações de luto que acometerão o enlutado, sua intensidade e frequência.

Morin (1970, p. 63-64) assevera que “o homem é único animal que mata o seu

semelhante sem necessidade vital”. Para ele, o fato de a violência do ódio se traduzir em

31

Fonte: BBC Brasil. Disponível em:< http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/09/140904_unicef_ homicidios_lk>. Acesso em: 25 nov. 2014.

32

Fonte: Revista Veja (digital). Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/brasil/ceara-foi-o- estado-com-maior-taxa-de-homicidios-em-2014-santa-catarina-foi-o-menos-violento/>. Acesso em: 12 jul. 2015. 33

Fonte: Jornal O Povo. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/app/opovo/cotidiano/2015/01/10 noticiasjornalcotidiano,3374821/numero-de-homicidios-quase-triplica-em-10-anos-no-ceara.shtml>. Acesso em: 14 jul. 2015.

tortura ou morte releva que “o tabu da proteção da espécie já não age”. Daí, o homicídio surge

como uma satisfação pelo desejo de matar do indivíduo, julgando escapar de sua própria morte, com a afirmação de sua individualidade mortífera, destruindo a individualidade em conflito, através de uma liberdade anárquica, porém verdadeira.

Ao tratar a respeito do paradoxo do risco de morte, Morin (1970) afirma que ao mesmo tempo em que o indivíduo tem horror da morte, também se expõe a ela. Um dos exemplos disto é o homicídio, que se caracteriza como uma afirmação da individualidade sobre outrem, quando o indivíduo para matar, arrisca-se também a ser morto.

O homicídio, enquanto morte inesperada e acidental, apresenta um fator que o diferencia das mortes naturais: a surpresa. Embora saibamos de casos em que o morto esteve envolvido em atividades ilícitas e/ou jurado de morte, não há como seus entes queridos se prepararem para o fato em si, não há como prever, e assim, a morte acontece sem sinais, sem anúncio. Desta forma, o choque do enlutado ao receber a notícia tende a ser maior, retardando um pouco o processo de luto.

Segundo Reed (1998), uma das reações mais típicas ao se tomar conhecimento sobre uma morte inesperada é a sensação de choque; esta, por seu caráter traumático, acomete mais os enlutados por mortes acidentais do que os enlutados por mortes naturais.

Trabalho desenvolvido pelo psiquiatra e estudioso do luto Parkes (1998, p. 82) revela que "mortes repentinas e inesperadas, mortes violentas e mortes envolvendo ação humana (suicídio e assassinato) representam um risco especial para a saúde mental do enlutado, mesmo na ausência de vulnerabilidade”. Nestes modos de mortes, o enlutado tenta entender as circunstâncias, o local e os detalhes relativos à morte. Esta compreensão não está ligada a uma compreensão filosófica ou religiosa, mas aos porquês da causa da morte. Essa busca de compreensão acerca da morte do ente querido é um elemento relevante no processo de luto, porque diminui a confusão e ansiedade do enlutado.