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Esta nova forma de abordagem científica dos fenômenos sociais caracterizou, entre outros, o método biográfico nos primórdios de sua aplicação. Conforme salienta Ferrarotti (2010), é importante se utilizar o método biográfico no campo das ciências sociais, pois a biografia pressupõe a construção de um sistema de relações e possibilidades de uma

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Albert Ogien (1984) cf. Coulon (1995). 40

teoria não formal, histórica e concreta, de ação social. Assim, práticas sociais da vida cotidiana passaram a ser narradas, fazendo do produto biográfico um campo fértil para o desenvolvimento das análises sociológicas.

Franco Ferrarotti, em seu o artigo intitulado: Sobre a autonomia do método

biográfico (2010), assinala que a aplicação do método biográfico fez surgir importantes

embates teóricos acerca do seu reconhecimento científico como método autônomo de investigação. Segundo ele, este método atendia à exigência de uma renovação metodológica e à necessidade antropológica de se conhecer melhor a vida cotidiana. Assim, o método biográfico apresenta-se como mediador entre a história individual e a história social, favorecendo uma pesquisa que se eleva do abstrato ao concreto.

Segundo Bosi (2012), somente através do estudo biográfico percebe-se a pessoa historicamente, pois o sujeito vê - ou procura ver a sua vida – como uma configuração, com um sentido. Em consonância ao que afirma Bosi, Leray (2008) afirma que ao contar sua vida, o sujeito encontra um sentido para ela, pois ousa através da expressão de si, agindo e tornando-se “sujeito-ator”.

A respeito da especificidade do método biográfico e da sua validade como objeto de investigação científica, Ferrarotti (2010, p. 44) trabalha com o pressuposto do caráter

sintético da práxis humana, ou seja, “o nosso sistema social encontra-se integralmente em

cada um dos nossos atos, em cada um dos nossos sonhos, delírios, obras, comportamentos. E a história deste sistema está contida por inteiro na história da nossa vida individual”. Para o autor, toda práxis é atividade sintética que se totaliza em um contexto social. Assim, a vida individual se apropria das relações e das estruturas sociais, interiorizando-as como estruturas psicológicas, em um processo de reestruturação e desestruturação. Através deste movimento, a vida humana revela-se como uma síntese vertical de uma história social.

O autor destaca, porém, que a relação entre a história social e a história individual não é linear e nem constitui um determinismo mecânico, já o indivíduo, sujeito ativo no processo de apropriação do mundo social, traduz em práticas a sua subjetividade. Isto é o que

o teórico chama de “reapropriação singular do universal social e histórico”. Desta forma, sua tese principal é a de que “podemos conhecer o social a partir da especificidade irredutível de uma práxis individual” (FERRAROTTI, 2010, p. 45).

Em concordância ao que propõe Ferrarotti, Pineau (2010) afirma que este método traz o impacto do “paradoxo epistemológico fundamental das autobiografias: a união do mais

Ferrarotti (2010) critica abordagens, tais como: o uso de hipóteses prévias e a quantificação de dados, que alguns estudos de cunho sociológico fizeram neste método, com o objetivo de moldá-lo aos modelos tradicionais de estudo nas ciências sociais, desvalorizando a importância do fator subjetividade subjacente. O autor afirma que o método autobiográfico não deve ser utilizado em prol de uma análise estrutural ou como um modelo para interpretações ou abstrações. Segundo ele, ao se limitar a biografia a um quadro epistemológico e metodológico, nega-se a sua “historicidade profunda e a sua unicidade” (p. 24).

Ferrarotti (2010) especifica dois tipos de materiais que podem ser utilizados na abordagem dos métodos biográficos:

a) Materiais biográficos primários: narrativas ou relatos autobiográficos recolhidos por um pesquisador, através de entrevistas realizadas face a face;

b) Materiais biográficos secundários: materiais biográficos de toda espécie, tais como: correspondências, diários, narrativas diversas, documentos oficiais e fotografias, cuja produção e existência não tiveram por objetivo servir a fins de pesquisa.

São inúmeros os trabalhos de cunho sociológico que se utilizam do método biográfico como objeto de análise social. Como exemplo, citamos Ataíde (1993), que coleta e analisa relatos de vida de crianças de rua de Salvador, para abordar a problemática dos direitos humanos e da cidadania dos mais pobres, retratando, inclusive, as más condições das relações sociais naquele contexto.

No âmbito das ciências psicológicas, Cavadas e Fonte (2005)41 utilizam o método biográfico para analisar os significados narrativamente construídos e organizados por crianças com familiares alcoólatras. Neste estudo, as experiências de vida com familiares alcoólatras são organizadas de modo narrativo, permitindo a elaboração de significados sobre as famílias associadas a esta experiência.

Na presente pesquisa, utilizamos o termo método autobiográfico para designar a modalidade de estudo de histórias de vida e narrativas autobiográficas.

De uma forma geral, o método autobiográfico ressalta o momento histórico vivido pelo sujeito que narra a própria história através do relato individual, resgatando na sua memória as relações sociais vividas em sua trajetória histórica ao longo de sua existência.

Na acepção de Lejeune (2014, p. 16), autobiografia define-se como uma

“narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando

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focaliza sua história individual, em particular a história de sua personalidade”. A respeito de obras literárias de cunho autobiográfico, o autor observa que estas se caracterizam por um

“pacto de leitura”, ou seja, o leitor vê autor, narrador e personagem principal como uma só

pessoa que faz seu relato.