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3.4 Abordagens e procedimentos

3.4.2 Procedimentos metodológicos para coleta de dados

3.4.2.1 Descrição dos procedimentos de coleta

Durante o processo da coleta de dados, elaboramos uma espécie de diário de campo, no qual íamos anotando observações relevantes surgidas antes, durante e depois da ocorrência de cada entrevista. Nele, procuramos registrar processos, dúvidas e dificuldades que enfrentamos na preparação, coleta, manuseio e transcrição dos dados. Este procedimento nos ajudou a compreender melhor o processo de desenvolvimento e efetivação de nosso trabalho de campo. Com base nestas anotações, passamos a narrar os fatos ocorridos durante o trabalho de obtenção dos dados desta pesquisa.

Conforme justificado no capítulo de introdução desta tese, escolhemos, como sujeitos participantes da pesquisa, mães que perderam seus filhos pela forma de homicídio.

A busca por sujeitos participantes ocorreu mediante a conversa e explicação dos objetivos do nosso trabalho a pessoas próximas, tais como: familiares, conhecidos, colegas de estudo e de trabalho. Foram surgindo assim indicações de pessoas que se encaixavam no perfil de informantes requeridos. Ao tomar conhecimento dos nomes, solicitamos os contatos telefônicos do provável participante, ou nos dirigimos pessoalmente a ele, quando possível, a fim de verificarmos a disponibilidade ou aceitabilidade em nos conceder a entrevista.

A primeira forma de contatos com a maioria participantes se deu via telefone. Através das ligações, explicávamos o contexto, a razão, os objetivos e o modo de obtenção da entrevista. Um fator relevante frisado foi a garantia da preservação da identidade dos informantes, embora alguns não parecerem demonstrar preocupação em relação a isso.

Todos os sujeitos, com os quais conseguimos contato, aceitaram prontamente o convite para participação na pesquisa. Entretanto, devido às ocupações diárias e a pouca disponibilidade de tempo de alguns entrevistados, tivemos que retornar ligações telefônicas para remarcação da data, horário e local da entrevista, algumas vezes. As entrevistas ocorreram em ambientes de trabalho ou casa do entrevistado, conforme horário previamente agendado. Optamos por deixar que os participantes escolhessem o local e horário que lhes fossem mais cômodos, com objetivo de intervir de forma mínima em sua rotina diária. Das seis mães entrevistadas, três foram entrevistadas em suas residências e três foram entrevistas em seus locais de trabalho.

Para desenvolvimento da entrevista, elaboramos um questionário, conforme Apêndice A, composto por catorze perguntas abertas. Consideramos este um bom meio de iniciar a exploração da autobiografia e do estilo narrativo deste gênero.

As duas primeiras perguntas foram elaboradas propositalmente para obterem respostas mais diretas e fáceis, tais como: nome, local e data de nascimento do filho falecido. O intuito, com estas perguntas mais simples e objetivas, foi, além de contextualizar o sujeito informante, favorecer o delicado momento de início a entrevista, procurando fazer com que o entrevistado ficasse mais à vontade para mergulhar em suas memórias.

A fim de encaminhar o desenvolvimento da narrativa, as seis perguntas seguintes foram chamadas de pergunta de movimento, que ajudaram a dar continuidade à história narrada; as cinco últimas perguntas foram denominadas como questões avaliativas, porque buscaram provocar momentos de reflexão e avaliação por parte do sujeito. Evitamos a elaboração de perguntas que estimulassem respostas genéricas, sem histórias; perguntas puramente informativa, para não desconcentrar o entrevistado ou interromper o ritmo de sua narrativa; ou perguntas com julgamento de valor. Procuramos finalizar o questionário com perguntas que levassem o entrevistado a uma conclusão reflexiva da história, estabelecendo relação do que foi narrado com o presente e o futuro.

As entrevistas para coleta de dados desta pesquisa se deram entre os meses de junho e agosto de 2015.

Durante o processo de coleta das entrevistas, utilizamos como recursos de captação para entrevistas: o gravador de áudio e as anotações. O uso do gravador apresentou vantagens e desvantagens. Além da necessidade das transcrições, algumas vezes, tivemos que ser bastante cuidadosos para que seu uso não inibisse o entrevistado. Entretanto, um ponto favorável foi que o gravador evitou que tirássemos a atenção do entrevistado nos dividindo entre o que ouvíamos e o que anotávamos. Assim, através da gravação, pudemos nos permitir uma observação mais criteriosa diante das reações, gestos e expressões do entrevistado na medida em que a narrativa se desenvolvia.

Vale lembrar que foi realizado um contato prévio com o possível informante. Ao chegarmos ao local da entrevista, conversávamos com a participante, momento em que tomávamos nota de seu nome e do nome de seu filho, explicando mais uma vez o contexto e os objetivos da pesquisa. Em seguida, ligávamos o gravador, com a devida permissão da entrevistada, identificando data e horário da entrevista. Dávamos início à entrevista com uma pergunta de identificação do filho falecido.

O questionário previamente elaborado serviu como uma forma de direcionamento para a coleta inicial das informações. Na medida em que o sujeito elaborava sua narrativa, outras questões surgiam e algumas, previamente elaboradas, foram sendo respondidas sem que precisássemos perguntar. Em nenhuma das entrevistas coletadas foi preciso seguir a ordem do questionário, pois as informações requeridas surgiam no decorrer da narrativa. Em alguns momentos, precisamos ir além do questionário para que houvesse uma maior compreensão do fato narrado e para que o sujeito pudesse dar mais detalhes de sua narrativa.

Conforme já dito, nossa maneira de procedimento nas entrevistas segue algumas abordagens feitas por estudiosos que trabalham com história de vida. Assim, durante a fala das entrevistadas, procuramos interferir minimamente, pois sabemos que, mesmo havendo a formalização de uma entrevista, o sujeito deve ser abordado da forma mais natural possível. Nossa interferência restringiu-se apenas a esclarecer ou questionar algo, a fim estimular o dizer.

De forma respeitosa, procuramos dar ao sujeito participante a liberdade de encadear e compor, à sua vontade, os momentos de sua narrativa, de acordo com o surgimento dos fatos recordados. Neste momento, procuramos confluir com o que diz Bosi (2013, p. 156), a respeito da forma organizadora da memória: “é importante respeitar os caminhos que os recordadores vão abrindo na sua evocação, porque eles são o mapa afetivo de sua

experiência [...]”.

Maia-Vasconcelos (2005, p. 24) enfatiza que, ao utilizar a pesquisa qualitativa, o

pesquisador deve “privilegiar a narração e, por conseguinte, a percepção da dimensão humana

mais característica, a fala”.

Um aspecto relevante da pesquisa com narrativa de vida que, enquanto pesquisadora, tivemos todo o cuidado, foi não refutar o fato contado pelo sujeito participante. Lembramo-nos novamente da assertiva de Bosi (2013, p. 65): “ele, como todos nós, conta a sua45 verdade”. Entendemos, assim como a autora, que a inexatidão do fato não invalida a narrativa, pois esta se caracteriza como “uma escavação original do indivíduo”.

Ainda a respeito da autenticidade e da originalidade do material biográfico Sibilia (2008) afirma que os acontecimentos relatados autobiograficamente devem ser tidos como verdadeiros e autênticos, devido ao caráter íntimo da experiência do indivíduo, enquanto ser

único. Ou seja, há um “pacto” por parte do leitor ou ouvinte que denota alguma verdade, um

vínculo com a realidade de um eu que vive e narra sua história.

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Para o tempo de cada entrevista procuramos respeitar a disposição e a disponibilidade do falante. Bosi (2013) afirma que quando o pesquisador está atento à escuta da voz do narrador, que revive momentos cruciais de sua vida, consegue distinguir uma fala, que produz imagens e conota um sentimento durativo do tempo, ou seja, não é uma linguagem apenas de referência às coisas, mas uma linguagem que busca descrever melodiosamente os momentos vividos de forma pessoal. Assim, segundo a autora, “a duração

do relato coincide com o tempo relembrado que assim é intuído por dentro”. (BOSI, 2013, p.

48). Para Ferrarotti (1988), não é a quantidade e nem o tipo de material biográfico coletado que determina a produção de uma verdade sociológica.

O final das entrevistas ocorreu de forma natural, quando a participante supunha ter narrado o suficiente a respeito daquilo que requisitamos. Ao término, agradecemos a prestatividade e, ao nos despedirmos, algumas vezes, ainda ouvíamos mais algumas informações referentes ao fato narrado.