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Segundo Weller (2010), o método interpretativo-hermenêutico, nas ciências sociais a partir do século XX, expandiu-se, principalmente, por influência do desenvolvimento de abordagens tais como o Interacionismo Simbólico e a Escola de Chicago. Segundo a autora, a partir de então, ganham ênfase as pesquisas voltadas para a reconstrução da perspectiva do indivíduo sobre a realidade social em que ele vive e que, também, é construída e modificada por ele.

Há, assim, uma retomada da pesquisa biográfica nas ciências sociais, com análises voltadas para as estruturas e elementos centrais, que ao longo do tempo caracterizam as biografias, e que são fundamentais para a compreensão dos papéis ocupados pelos indivíduos na esfera social.

O trabalho de Weller (2010) mostra que a hermenêutica surgiu como uma reflexão teórico-metodológica sobre com diferentes objetivos, posições filosóficas e diferentes métodos para a prática de interpretação de textos inspirados. Dentro da concepção da hermenêutica, teóricos como Dilthey (2004) e Mannheim (1964)36 preocuparam-se com a compreensão dos fenômenos como um processo cotidiano que acompanha toda ação social.

Segundo Weller (op. cit.), até o final da década de setenta do século passado, as pesquisas empíricas no campo das ciências sociais sofriam imensa influência das abordagens quantitativas. Porém, discussões sobre a influência da lógica positivista nas ciências humanas, assim como críticas às categorias estabelecidas nas ciências exatas e adotadas pelas ciências

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humanas, levaram ao reconhecimento da hermenêutica como aporte teórico-metodológico para a pesquisa qualitativa, a partir da ideia de que esta filosofia permitiria legitimar aproximações interpretativas, com métodos focados na compreensão e no significado em contextos específicos.

A compreensão hermenêutica, para Weller (2010), no âmbito das metodologias qualitativas atuais, busca reconstruir os processos interativos, que produzem um sentido de construção social da realidade.

De acordo com a autora supracitada, atualmente, teóricos das ciências sociais utilizam, nas metodologias qualitativas, a concepção hermenêutica como ponto de partida para suas reflexões teórico-metodológicas e muito dos objetos estudados surgem das expressões ou interações estabelecidas na comunicação diária, coletadas por meio de entrevistas narrativas ou grupos de discussão. Ainda, segundo ela, para as metodologias qualitativas atuais, não é possível estabelecer uma separação rigorosa entre sujeito e objeto.

Ou seja, não se trabalha com campos ‘recortados’, de modo objetivo, mas com construtos

sociais, cuja importância só será reconhecida no processo interativo de pesquisa e de interpretação dos dados coletados.

Weller (2010) assinala ainda que há diferentes representantes e momentos históricos da hermenêutica. Nas décadas de 70 e 80, do século XX, as abordagens qualitativas passaram a ter diferentes perspectivas no campo da pesquisa social empírica, com diferentes métodos de coleta e de análise dos dados qualitativos, tais como: a hermenêutica objetiva, a hermenêutica sociológica do conhecimento, a hermenêutica profunda, a análise estrutural de narrativas e o método documentário.

Conforme vemos, com uma nova forma de compreensão e desenvolvimento do conhecimento científico, a virada hermenêutica advém do questionamento a respeito da objetividade do conhecimento e da impessoalidade do pesquisador. Esta virada surge como uma importante ferramenta para a dimensão interpretativa da realidade social, centrando-se no significado da interação para explicar e compreender o comportamento social humano. Assim, não basta observar a ação humana, é necessário que se conheça os significados atribuídos a ela pelos seus participantes.

Em seu trabalho acerca do método autobiográfico, Ferrarotti (2010) já destaca o valor da virada hermenêutica social no campo psicológico individual. Ou seja, é imprescindível que se parta da história de vida e das experiências individuais subjacentes para reflexão e compreensão dos fenômenos sociais.

Para Bolívar et al. (2001), uma narrativa hermenêutica37 permite a compreensão da complexidade psicológica nas narrações que os indivíduos fazem dos conflitos e dilemas de suas vidas.

Assim, a interpretação hermenêutica requer a compreensão de uma objetividade subjetiva, ou seja, uma interpretação não apenas daquilo que o sujeito expressa, mas tudo que contextualmente envolve a sua fala. A narrativa de vida do sujeito evolui, tocando pontos que resultam em um construto maior, ligado a uma realidade mais abrangente, que se mostra a partir do intuito do convencimento do outro através do discurso. Podemos dizer que esta narrativa se compõe a partir do individual, mas reflete o aspecto universal daquilo que a sociedade partilha. Logo, as narrativas individuais surgem de sujeitos que vivem situações diferentes dentro de um construto social semelhante. Só podemos compreender a realidade do outro na medida em que esta realidade atravessa a nossa. Logo, considerar a virada hermenêutica é considerar a história do sujeito como algo universal.

De acordo com Pellauer (2009), o pensamento de Ricoeur sobre a linguagem simbólica levou-o a se opor ao Estruturalismo, pelo fato de este não levar em consideração o tempo, as tradições e as formas sociais nelas baseadas, ou seja, a subordinação da diacronia à sincronia. Através de uma compreensão com características hermenêuticas, Ricoeur afirma uma maior relevância da diacronia, devido à necessidade do reconhecimento da historicidade dos símbolos e dos seus significados. Segundo Pellauer (2009, p. 82), para Ricoeur, “a

filosofia deve sempre partir de alguma coisa além dela e que a precede”.

Advindo da fenomenologia, o olhar hermenêutico de Ricoeur (1991) sobre a linguagem, mais especificamente sobre o discurso narrativo, remete-se à história de vida como uma narrativa que se articula por meio da identidade narrativa, construindo de forma ampla a identidade pessoal do si. Para o filósofo, a narrativa autobiográfica é uma interpretação do si, que se compõe a partir de empréstimos da história e da ficção.

Pellauer (2009) afirma que a teoria hermenêutica de Ricoeur dá notável relevância ao contexto para compreensão do discurso, como um evento real no tempo e não apenas como um construto de estruturas abstratas atemporais, conforme sugere o Estruturalismo. Logo, as instâncias do discurso são bem mais amplas do que uma simples sentença, o significado e a

verdade adquirem novas dimensões se levarmos em conta a “plenitude da linguagem” (p. 87).

Segundo Ricoeur (1991), a pessoa, personagem de narrativa, não é um ser isolado

de suas “experiências”, ao contrário, sua identidade se dinamiza de acordo com o relato da

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história. Esta conjuntura foi nomeada por Ricoeur como “identidade narrativa”, ou seja, “a identidade da história faz a identidade da personagem” (RICOEUR, 1991, p. 176). Assim, o si

relatado constrói a identidade do eu como outro.

O teórico frisa ainda que a hermenêutica do si e a narrativa tendem a gêneros estilísticos dotados de uma natureza híbrida, ou seja, costumam apresentar características da ficcionalidade e o estilo narrativo da historiografia. Ao contar uma história, os indivíduos estão sujeitos, de acordo com a perspectiva de Ricoeur, à forma narrativa e à (re) construção.

Ao desenvolver pesquisas com narrativas de experiências pessoais no campo sociolinguístico, Labov (1997) caracteriza o narrador como pessoa comum, que comunica de forma simples as experiências mais importantes de sua vida. Assim, as histórias surgem a partir dos maiores acontecimentos de vida ou de morte, tais como: comunicação direta com a morte, situações de violência, coragem e esforço perante a diversidade e o perigo etc., de acordo com a proximidade e o testemunho do narrador. Logo, a narrativa cumpre o papel de relatar fatos de vida ou de morte, de forma mais trivial e casual.

Por fim, conforme Bolívar et al. (2001), a virada hermenêutica ocorrida nas ciências sociais levou a narratividade a adquirir um status de forma primária, pois através dela se dá o sentido da experiência humana.