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3.4 Abordagens e procedimentos

3.4.5 Procedimentos para análise dos dados

Nesta etapa, vivenciamos e entendemos a importância do trabalho cointerpretativo do investigador, o qual exigiu escuta, inúmeras leituras, capacidade de compreensão e uso de referenciais de interpretação.

Nosso estudo buscou a ocorrência de fenômenos textuais e discursivos na elaboração do discurso do luto, presente nos relatos de vida, tomando como base pressupostos teóricos referentes ao discurso e ao texto autobiográfico. Por meio de indícios textuais e contextuais, identificamos e descrevemos fatores que caracterizaram o discurso do luto nas narrativas de vida destas mães, distinguindo-o dos demais tipos de discurso.

Segundo Ferrarotti (2010), ao se fazer uso do método biográfico, a situação interacional vivenciada, ou seja, o modo como as narrativas foram produzidas não pode ser ignorado no processo de análise.

Para uma melhor compreensão da narrativa de vida e de morte, contextualizamos, a seguir, as histórias relatadas por cada participante, levando em conta as circunstâncias de cada morte, especificidades da relação entre a mãe e o filho falecido e alguns outros dados que auxiliem o entendimento da tessitura narrativa apresentada. Buscamos detalhar a experiência relatada por cada participante para fins de delineamento deste estudo, como forma de obter uma leitura mais apurada da composição narrativa de cada mãe enlutada. A contextualização de cada caso visa auxiliar a compreensão das categorias de análise, discriminadas mais adiante.

Após o levantamento de cada caso narrado, segue uma reflexão dos dados a partir das categorias que julgamos como caracterizadoras do discurso do luto. Buscamos associar as ocorrências encontradas nos relatos narrativos às categorias de análise emergidas do próprio

corpus, ou adaptadas a partir de teorias aqui adotadas e já devidamente explicitadas na

fundamentação teórica. As categorias de análise foram nomeadas em dois grupos distintos: caracterização sócio-afetiva e caracterização narrativo-discursiva. Em um primeiro momento de análise, as categorias, que compõem a caracterização sócio-afetiva, são aplicadas a todas as narrativas individualmente. Em um segundo momento, a caracterização narrativo-discursiva ocorre de maneira mais ampla, com análise e exemplos das seis narrativas.

I. Caracterização sócio-afetiva: modo como se apresenta no discurso narrativo da mãe enlutada os fatores relativos ao contexto social, familiar e os laços afetivos.

a) Sentimento de revolta;

b) Marca da religiosidade (apelo ao Divino); c) Culpa pela morte do filho;

d) Recategorização da imagem do filho morto; e) Estratégias de lembrança contínua;

f) Forte impacto na relação familiar após a morte do filho; g) Influência do contexto social;

h) Tentativa de superação; i) Manifestação da fase do luto;

j) Influência do tempo do falecimento;

II. Caracterização narrativo-discursiva: modos e estruturas textuais que particularizam o relato narrativo autobiográfico marcado pelo luto.

a) Sequência narrativa com base nos princípios de heterodoxia e ortodoxia, conforme Maia-Vasconcelos (2003);

b) Nível de marcação dos princípios análise estrutural proposto por Labov (1972; 1997). 49

49

Não nos remeteremos no presente trabalho a todos os princípios propostos por Labov (op. cit.) acerca da análise da narrativa, detemo-nos naqueles que julgamos mais adequados à análise do nosso corpus, conforme tabela exposta.

Tabela 2: Princípios de análise estrutural da narrativa utilizados

c) Paradoxo discursivo: Esta categoria diz respeito ao comportamento discursivo antagônico da narradora na elaboração do relato.

d) Particularidade temporal: Diz respeito ao fato de o tempo de ocorrência dos eventos na narrativa não terem um caráter mecânico, mas de um tempo apreendido psicologicamente a partir das angústias da mãe, um tempo humano, conforme sugere Bergson (1999) e Ricoeur (2010), que se comprime ou se expande em relação aos eventos narrados.

Para uma melhor compreensão das interpretações feitas acerca dos fenômenos encontrados, ao analisarmos os dados, recorremos à exemplificação, através de trechos retirados das entrevistas transcritas, em forma de discurso direto, com a finalidade de facilitar o entendimento do leitor.

Por uma questão de ética e conservação da privacidade dos informantes, nos trechos descritos, os nomes próprios são substituídos pelo símbolo ***.

Os trechos dos depoimentos, que foram suprimidos por não conterem informações diretamente relacionadas ao fenômeno em análise, estão representados pelos parênteses com reticências (...) nas transcrições de exemplos.

Após a análise da caracterização sócio-afetiva, ilustramos, através de mandalas50, as sete características mais salientes em cada narrativa analisada, como forma de sintetizar a

50

Este termo significa círculo em sânscrito. É representado por um diagrama composto de formas geométricas concêntricas, utilizado no hinduísmo, no budismo, nas práticas psicofísicas da ioga e no tantrismo como objeto

Tipos estruturais Resumo Orientação Complicação Avaliação Resolução Coda Credibilidade Causalidade

Atribuição de elogio ou de culpa Ponto de vista

interpretação dos dados. Optamos pelo formato da mandala como ilustração, pois esta é considerada como uma representação do ser humano e do universo, em sua forma menos elaborada. Segundo a teoria a junguiana, a mandala é o círculo mágico que representa simbolicamente a luta pela unidade total do eu. Portanto, esta unidade em torno de um eu mãe será representada, em nossas análises, pelas sete características mais presentes em cada discurso narrativo do luto elaborado e analisado.

A exemplo de Maia-Vasconcelos (2003), sugerimos que, com a apresentação destas ilustrações, diante da multiplicidade de fatores sócio-afetivos aplicados, nas seis narrativas estudadas, cada uma das mandalas represente o modo particular de discurso da mãe, perante o fato da perda. Entendemos que cada pessoa vive seus infortúnios de forma bastante individual. Mesmo que as seis mães tenham experienciado uma situação semelhante de perda do filho por homicídio, o modo como enfrentam o luto é particular para cada uma delas. Ou seja, cada reação depende da história de vida e das experiências da mãe antes, durante e depois do trauma. Cada comportamento e cada relato destes comportamentos dependerão do modo como cada mãe enxerga suas experiências de vida.

ritualístico e ponto focal para meditação. Fonte: <http://www.significados.com.br/mandala/>. Acesso em: 20 set. 2015.

4 INTERPRETAÇÃO DOS DADOS E DISCUSSÃO DE RESULTADOS

“Viver é sofrer. O prazer é momentâneo e fugaz. Só a dor pode ter continuidade”.

(Schopenhauer)

Conforme nos indica Thompson (1992), no que concerne à apresentação e interpretação dos relatos narrativos orais, procuramos analisá-los de forma condizente com o contexto, no qual foi coletado. Embora o propósito da pesquisa busque a maior imparcialidade possível, enquanto pesquisadora da linguagem, temos a plena consciência de que esta fase do trabalho pode conter, mesmo de que forma leve e dissimulada, posicionamentos frutos da realidade e das experiências de vida de quem ouviu as narrativas. Segundo Charaudeau (2009), o receptor é um sujeito que constrói uma interpretação acerca das circunstâncias de discurso, de acordo com seu ponto de vista.