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5. DIÁLOGOS COM A TRADIÇÃO ESPANHOLA

5.1. Cervantes

Como observamos anteriormente, na primeira parte de “La reforma del entendimiento español”, María Zambrano disserta sobre como as circunstâncias do malogrado país se articulam com a falta da reconstrução de uma filosofia própria, que expressasse as vicissitudes da história espanhola. A autora malaguenha utiliza, de forma introdutória, esse pensamento com o intuito de apresentar o fracasso do estado espanhol e da vida espanhola como temática central do seu ensaio que sustentará a sua leitura da figura de dom Quixote e da importância do romance como gênero literário para determinados momentos da história: “Ni la filosofia ni el Estado están basados en el fracaso humano como lo está la novela. Por eso, tenía que ser la novela para los españoles lo que la filosofia para Europa.” (ZAMBRANO, M., 1937, p.20) O que realmente chama a atenção, reiteramos, é como o fracasso do estado espanhol e da vida espanhola chocam-se contra uma nova época de civilização que se contrói na Europa. Nesse texto, o fato da ensaísta lançar mão de um símbolo nacional, como o de Cervantes e a figura de dom Quixote, deixa-nos entrever, na sua escritura, contundentes reminescências de uma consolidada cultura literária espanhola representada por autores como Unamuno e Ortega y Gasset, que, como já declaramos, muito influenciaram o pensamento da autora, no sentido de cultivar uma sensibilidade aguçada, no que diz respeito à existência angustiada, combativa e consciente do homem no mundo.

Em “La reforma del entendimiento español”, as reflexões de María Zambrano giram em torno do romance moderno como gênero artístico, de Miguel

de Cervantes como escritor e de dom Quixote como um personagem de ficção que encarna determinados perfis da própria realidade espanhola. Para a autora, a figura de dom Quixote, como um ser ficcional romanesco, é perfeita para simbolizar o povo espanhol e, nela, realmente, o povo espanhol deveria buscar apoio e exemplo, já que, em 1937, data de publicação do ensaio, os espanhóis lutavam bravamente na guerra civil. O objetivo de María Zambrano era demonstrar que em virtude do absolutismo político e ideológico imperante na Espanha durante tantos séculos, o romance, e não a filosofia, como no resto da Europa, foi o meio pelo qual o país pôde desempenhar o seu pensamento crítico. Assim, a não realização da reforma do entendimento espanhol através do questionamento do estado por seus próprios membros ou por um pensador político ou, ainda, por filósofos não ligados à criação literária fez com que houvesse um rompimento das premissas orientadoras do governo e da vontade geral do povo, originando o período de guerra civil. A carência da reforma do entendimento espanhol, ou seja, dos pressupostos ideológicos pátrios, resultou na disseminação original do pensamento do país no âmbito do romance e dom Quixote, exemplo magnífico de ser humano, ocupou o restrito espaço ficcional. Para entender os avatares dramáticos provocados pela guerra civil espanhola, María Zambrano acreditava que o romance de Cervantes aparecia como uma herança cultural espanhola sem par, que poderia explicar a questão não ‘reformada’ ou ‘vencida’ do fracasso espanhol, como se fosse uma verdadeira teoria filosófica. A diferença é que o romance não está preocupado em encontrar respostas ou soluções aos problemas como a filosofia; somente vive o fracasso e o desnuda.

Para a autora, muitos romances espanhóis estão baseados na noção do fracasso humano e, por isso, conseguem criar um verdadeiro sistema de ideias no nível da prestigiosa moderna filosofia européia. Na verdade, enquanto a religião ou a filosofía pretendem restaurar o homem e o cosmos mediante a fé, o romance nada pretende restabelecer, pois vislumbra o mundo tal como é: como um fracasso histórico dentro da verossimilhança literaria.

Supone la novela una riqueza humana mucho mayor que la Filosofía, porque supone que algo está ahí, que algo persiste en el fracaso; el novelista no construye ni añade nada a sus personajes, no reforma la vida, mientras el filósofo la reforma, creando sobre la vida espontánea, una vida según pensamientos, una vida creada,

sistematizada. La novela acepta al hombre, tal y como es en su fracaso, mientras la Filosofía avanza sola, sin supuestos. (ibidem, p.21)

Por meio de uma reinterpretação da tradição cultural da Espanha, María Zambrano descobre, em dom Quixote, uma forma ética para a convivência, ideal importantíssimo para o povo espanhol submergido na mais profunda crise histórica na guerra civil. Esse saber conviver eticamente abarca a consciência da caridade, da fraternidade, do sentimento solidário e de confiança, que se identificam na relação estabelecida entre dom Quixote e Sancho Pança. Se a autora defende que dom Quixote traduz um modelo que deveria seguir o povo espanhol, ao mesmo tempo, assegura que, como o personagem cervantino, o povo espanhol é responsável por reerguer social e espiritualmente o seu próprio país. Esse pensamento denota um raciocínio extremamente natural se levarmos em consideração que María Zambrano é uma intelectual da República, que crê na força, por que não dizer, mística do popular.

O quixotismo, na verdade, representa uma religião do povo espanhol e é específico da cultura espanhola, porque inclui a aceitação e a confiança em crenças que retratam o cenário da comédia trágica contemporânea, onde a dúvida e o não dogmático estão presentes em formas de expressão literária, como o romance e o ensaio com o intuito de transcender o senso comum e marcar uma identidade tipicamente espanhola, na qual a luta quixotesca define-se por persistir na batalha embora se saiba que irá perder.

Para María Zambrano, o pensamento espanhol, no lugar de estar presente na Filosofia, encontra espaço na literatura, mais precisamente no romance desde a obra cervantina até a galdosiana, sem mencionar a importante influencia da picaresca. A queda do Estado republicano espanhol e o estancamento do pensamento filosófico pela intolerância religiosa e humanista não tornaram possível uma reforma do entendimento do homem e de suas instituições. Por essa razão, dom Quixote não fala do seu tempo, mas explora a condição de existência de outro tempo, da Idade Média e mostra em sua anacronia uma quebra da sociedade espanhola. E é nesse universo ficcional-real do fracasso que Cervantes desfila a imagen encantadora e idealista, mas esquálida, sonhadora, ridícula e derrotada do personagem principal como uma metonímia do povo espanhol. Dom

Quixote é a expressão máxima da figura do outro, pois é, com as características de um herói às avessas, aquele que faz tudo pelo próximo para salvá-lo de uma suposta perdição, quando quem está perdido no meio de um caos presente e em solidão em seu mundo é ele mesmo. O personagem encarna o homem falho, claudicante e sofredor, que se recupera constantemente do fracasso e enfrenta a vida novamente com os seus dinamismos. Dom Quixote traduz também o espanhol que está ainda a favor do humano, porque confia, sobretudo, no homem, embora integre uma sociedade egoísta e cruel, aonde um se superpõe ao seu próximo sucumbindo a sentimentos nada nobres e ‘guerreando’ por interesses obscuros:

La nobleza de Don Quijote presupone todo lo contrario; él lleva clara e inequívoca la noción del semejante en el centro de su espíritu; está solo en su empeño, pero esencialmente acompañado por lo mejor de cada hombre que vive en él. Es la nobleza esencial del hombre lo que Don Quijote cree y crea, la mutua confianza y reconocimiento. (ibid., p.23)

Talvez a dom Quixote, como também ao homem espanhol, verdadeiramente, lhe houvesse feito falta organizar o labirinto de seus consolidados dogmas, a fim de reformar também profundamente a sua forma de pensar. Mas isto, como pensa María Zambrano, era um avanço intelectual que a Espanha provavelmente não se teria permitido, ao contrario do que ocorria na Europa. Por outro prisma, o fracasso não é totalmente negativo, pois com a perda evolui o homem. Os desastrosos acontecimentos pelos quais passou o povo espanhol serviram de preparação para o enfrentamento de outros momentos bons e maus, benditos e infames. No âmbito literário, María Zambrano é um dos escritores que verifica a situação trágica do homem dentro da modernidade por meio da ação da palabra que lhe dá um testemunho de valor autêntico.

Nuestro fracaso al no hacer una reforma, la reforma de pensamiento y de Estado que necesitábamos, hizo replegarse a nuestro más claro entendimiento a la novela y a nuestro mejor modelo de hombre, quedarse en ente de ficción. De ahí deriva la situación de cárcel y angustia en que cada vez nos hemos ido encontrando los españoles, en un espacio que se empequeñecía por momentos y en el que enloquecían nuestros ímpetus. Los espacios del mundo, en vez de estarnos abiertos, se convertían en muros, altos muros contra los que rebotaba nuestro deseo, que se solidificaba en angustia. (ibid., p.24)

Zambrano reflete toda a imagem espectral do homem moderno manifestada desde a polêmica criação literária da geração de 98: a angústia e o fracasso do sujeito que procura olhar-se a si mesmo, desgostoso dos novos caminhos percorridos pelas contingências da sua atualidade, como um dom Quixote resistente ao que não pode aceitar e fiel às suas crenças. Por outro lado, o sentimento do fracasso suscita a vontade de ser algo mais além da própria condição. Em fim, o homem trágico espanhol encontra-se diante de uma feroz encruzilhada: o de seguir adiante com a sabedoria de que tem um inegável passado e que necessitará conviver com os frutos de tal desastre a fim de refazer as suas relações humanas e sociais ou simplesmente acabará como um personagem de livro, como uma sedutora, mas, no final das contas, uma pura imagem de ficção. De fato, se pensarmos, de outro ponto de vista sobre essa mesma questão, poderemos deduzir que os seres da ficção e da realidade são os mesmos, na medida em que são frutos da imaginação. Posso dizer que eu sou o que me imagino, o que nos leva a perceber que tudo está no parâmetro de como nos percebemos a nós mesmos. A verdade é a inexistência de verdades; tudo são constructos, ou seja, formas de organizar os pensamentos. Se compreendermos que toda representação é uma invenção, é uma operação totalmente intelectualizada, entenderemos também que, então, uma verdade vale como outra.

Parece-nos que María Zambrano, em 1937, analisando os desabores que a sociedade espanhola estava enfrentando com o sofrido exílio da inteligência e com a cruenta revolução, era capaz de compreender que o mundo sempre podia superar os seus próprios paradigmas, flutuando entre universos distintos de realidade e ficção, sem que um âmbito pudesse prevalecer valorativamente sobre o outro. Realismo e idealismo configuram tendências que movem a escritura e o homem dentro da sua existência no tempo. Recorrer ao passado engloba tanto o desejo de vislumbrar a realidade como também de contemplar o ideal. Ambos constituem o presente e revelam ao homem quem ele é a partir do que ignora, teme e aspira. Em virtude da carência de um sistema filosófico sistemático dentro da cultura espanhola, o homem espanhol crê que, não por meio de uma razão tão somente pura, mas, sobretudo, através de uma razão poética, na sua literatura, é possível compreender de que maneira se estabelecem e se alteram as relações entre o

indivíduo e a sociedade da qual faz parte. Os personagens cervantinos e galdosianos conseguiram transcender a crítica rigorosamente literária para contar a história de um povo. Em Dom Quixote, Cervantes cria um personagem ambíguo tragicômico dentro de um mundo repleto de paradoxos e, da mesma forma, tragicômico. Para a filosofia zambraniana, acreditamos que a figura de dom Quixote é muito mais trágica do que cômica, já que, ironicamente, utiliza, na maioria das vezes, a sua suficiência para fazer o que sente vontade e para defender os seus valores, sendo capaz de abrir um ‘horizonte de liberalismo’ de múltiplas perspectivas, cujos reflexos recaem principalmente no personagem de seu escudeiro. Assim como Sancho, dom Quixote, é, inegavelmente, um grande ícone do individualismo, que, por querer ser alguém diferente, sofre os revesses e os fracassos das próprias escolhas. Se considerarmos que dom Quixote se confunde com o seu próprio sonho e vive dentro de um romance o seu ideal, sem ser capaz de se imaginar dentro do real ou, pelo menos, fora do mundo que criou para ele mesmo, podemos afirmar que é no embate entre o ser que é e o ser que se atribui o personagem de Cervantes onde reside a tragédia do homem moderno e também a tragédia de toda uma vida, que, respeitando uma interpretação possível, pode ser a espanhola.

No podríamos dudar los españoles de que la figura de don Quijote de la Mancha sea nuestro más claro mito, lo más cercano a la imagen sagrada. Lo tiene todo: fortuna literaria, forma plástica, de tan estilizado es casi un signo totémico, ha nacido en la Mancha, en esa tierra que, entre todas las que integran “la piel de toro”, presenta más el estigma de lo sagrado. (ZAMBRANO, M., 1994a, p.17)

A evasão de dom Quixote do real ou de uma das suas realidades é uma maneira de criticar o exclusivismo do racionalismo e a perversidade da história. A tragédia que o personagem dom Quixote representa é a de, dentro do real cotidiano, racional e histórico, não possuir outras possibilidades de ser, embora o sonho esteja sempre presente no plano da vivência diária na forma do herói, do mito, do ilimitado, do triunfo, da superação do divino e de diversas transgressões do que é convencional. Ao mesmo tempo em que o sonho liberta dom Quixote, torna-o prisioneiro da solidão de um mundo que é somente seu, pois o personagem e o seu sonho são um único, na medida em que a figura literária cervantina traduz o homem que não consegue existir sem o dilema do seu projeto. Assim é o espanhol diante da guerra, do drama de ser e da Espanha. Raquel Azún (1987,

p.115) declara que esse estado de consciência de dom Quixote quanto às suas utopias requeria o amparo de acreditar no encantamento do mundo, na sua ilusão. No entanto, o desejo justificado de se proteger da frustração do não ser cobrava os seus dividendos através da alienação e do rechazo social. Do ponto de vista de María Zambrano, a atitude de Cervantes ao transformar a vida do personagem dom Quixote em romance nos alerta sobre a tragédia que é a fidelidade ao sonho, que pode nos trair e abandonar como a crença em um Deus, que não se conhece, mas que se adora e confia dentro de uma poderosa suposição criativa. A relação existente entre o personagem romanceado do livro e o homem moderno é patente, deixando transparente a vulnerabilidade do seu trágico viver-ser-existir.

La figura de Don Quijote, portadora del ancestral sueño de la libertad encadenada, manifiesta el conflicto de ser hombre en la historia, contra ella, a través de ella y aún más allá de ella. Y aparece revelada por su autor en el momento en el que la historia de España cae sobre el hombre español, cansado ya de ella, en que por no reconocerse en ella, se va a retirar un momento después, estigmatizado, entrando en su derrota para limpiarse y purgar tanta victoria. Es signo y clave de que, sea cual fuere esta historia, no hemos tenido vocación de vencer. Pero esta historia no se acaba. (ibidem, p.42)

Segundo María Zambrano, a história não se acaba, pois a esperança nasce de novo e o homem, refletido na figura de dom Quixote, sempre terá uma Dulcinéia a quem salvar e proteger, sacrificando a própria vida. Exatamente nessa perspectiva, o personagem de dom Quixote e o homem moderno conseguem ou podem lograr a sua salvação. É precisamente nesse ângulo de visão que superam o individualismo, que tanto os distingue. A vontade de manter a existência do outro lhes propicia sair do refúgio egocêntrico para obrar de maneira altruística em favor do próximo. De certo modo, essa atitude ajuda ao personagem cervantino a sair da solidão do seu próprio trágico mundo romanesco. Embora em grande parte de suas desventuras coincida com o fracasso, dom Quixote vence o isolamento e a angústia, pois, para ele, verdadeiramente é quem deseja ser: este é, de fato, o seu sonho, a sua esperança e a sua tragédia. Raquel Azún profere que “Alonso Quijano, desamado y solitario, había sido expresión de la decadencia y de la ruina, de una España real en la que los protagonistas, esos seres anónimos, sólo eran ya su propia novelería.” (1987, p.116)

Se pensarmos que o povo espanhol refugiou-se em um querer ser, transmutando a sua própria história em romance, em literatura, podemos perceber que, como dom Quixote, padeceu também o trágico sentimento de não ser capaz de acreditar em nada que não fosse a sua própria ilusão à margem da realidade. Tanto um como outro, cativo de seus sonhos, preferiu viver outra(s) história(s) diferente(s) da(s) que a sociedade apresenta. Dom Quixote reflete, assim, o ser espanhol, que sobrevive à sua contingência por meio da loucura. O seu egoísmo ou individualismo não é senão um traço peculiar do romance moderno e da modernidade, que visa exaltar o caráter subjetivo essencial do ser humano. Na figura de dom Quixote, está representada a escritura do eu, a vida individual, que se sobressai, apesar da cultura de massas, do senso comum na publicidade do ser e do ter e da imposição da necessidade de se assemelhar ao que deseja ser a coletividade. Para criticar o seu próprio tempo, dom Quixote optou pelo sonho, pela evasão, pela loucura, pelo delírio salvador ou libertador da insatisfação presente. Seguindo essa perspectiva, podemos perguntar também se, em dom Quixote, vemos a crítica ao racionalismo ou ele pode ser contemplado sob outras perspectivas? O delírio ou o sonho seriam uma forma racional não convencional de entender o real? O personagem não expressaria a visão subjetiva da pessoa, do indivíduo e, por isso, precisaria ser respeitado? Dentro de um mundo moderno, onde nos chocamos contraditoriamente com a intolerância às diferenças, ao fracasso, à perda e à derrota, dom Quixote não representaria a necessidade de aceitar e tolerar o diferente? Ora, será que no nosso mundo não deveria existir também espaço para a derrota ou o fracasso como uma forma de alcançar o crescimento? O fracasso não constitui parte indissociável da vida? E se realmente é assim, por que a modernidade ou o homem de todos os tempos têm tanta dificuldade de assimilá-lo? Efetivamente, o que fazem María Zambrano e outros autores, como Unamuno e Ortega y Gasset, é ler dom Quixote de uma perspectiva bastante singular, entendendo o seu fracasso ou o seu sucesso de maneiras distintas.

A tragédia moderna usufrui do conceito do fracasso e da derrota, o que a caracteriza em tom peculiar, na medida em que a tragédia clássica constitui-se sob pilares de superação e vitória diante das adversidades e sofrimentos quotianos.

Dom Quixote surge, exatamente, como um ser de ficção, que espelha o real, na proporção em que vivencia as suas experiências no enfrentamento a uma contingência histórica não disponível à concretização dos seus anseios no plano da realidade. Essa é a situação histórica do povo espanhol daquele momento. Conforme assevera Ana Bundgard, “La «pura voluntad» del personaje cervantino no encuentra objeto en el mundo que le rodea.” (BUNDGARD, A., 2000, p.310) Desse modo, observamos que dom Quixote, como um ser que vai forjando a própria personalidade de acordo com a contraditoriedade e com a violência decepcionante da realidade vivida, delatava o fracasso das elites governantes espanholas do século XVII em total discordância com o objeto da vontade do povo. A única maneira que dom Quixote tinha para poder realizar a sua vontade de viver uma vida em favor do bem e da justiça comum, totalmente diferente àquela que se lhe apresentava, era deixar-se dominar pela loucura. O fracasso de dom Quixote, como personagem de romance, e do povo espanhol, como seres pertencentes ao real, reside na ideia de que todos os que queriam uma realidade distinta daquela época, como María Zambrano, estavam em um patamar de excepcionalidade ou transcendência, tendo em vista que não se conformavam com o que a história lhes oferecia. Dom Quixote simboliza, por conseguinte, o homem

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 99-112)