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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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DEFESA DE TESE

BOIA, Mônica da Silva. O ensaio de María Zambrano no contexto da modernidade. Rio de Janeiro,

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de

Letras, 2011. Tese de Doutorado em Letras Neolatinas. Área de Concentração em Estudos Literários Neolatinos. Opção em Literaturas Hispânicas.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________ Professora Doutora Silvia Inés Cárcamo de Arcuri (UFRJ) – Orientadora __________________________________________________________________ Professora Doutora Ester Abreu Vieira de Oliveira (UFES)

__________________________________________________________________ Professor Doutor Marco Lucchesi (UFRJ)

__________________________________________________________________ Professor Doutor Júlio Dalloz (UFRJ)

__________________________________________________________________ Professora Doutora Ana Isabel Guimarães Borges (UFF)

__________________________________________________________________ Professora Doutora Elena Palmero González (Suplente – UFRJ)

__________________________________________________________________ Professora Doutora Mirtis Caser (Suplente – UFES)

Defendida a Tese de Doutorado. Conceito:

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O ENSAIO DE MARÍA ZAMBRANO NO CONTEXTO DA

MODERNIDADE

por

Mônica da Silva Boia

Departamento de Letras Neolatinas

Tese de Doutorado em Letras Neolatinas (Área de Concentração em Estudos Literários Neolatinos. Opção em Literaturas Hispânicas) apresentada ao Conselho dos Cursos de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Doutora.

Orientadora: Professora Doutora Silvia Inés Cárcamo de Arcuri.

U F R J

1º Semestre de 2011

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Para minha família,

Aos meus pais, Erineuto (in memoriam) e Aidê, ao meu irmão Leonardo e

aos meus avós José (in memoriam) e Atenísia (in memoriam)

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A G R A D E C I M E N T O S

À minha família,

pela compreensão e pelo carinho constantes nos momentos de alegria e de dificuldade. Sem dúvida, os meus pais, Erineuto (in memoriam) e Aidê e o meu irmão, Leonardo, desempenharam um papel fundamental durante a realização dessa pesquisa, por meio da qual tivemos a oportunidade de crescer juntos e trilhar o caminho da criação, do conhecimento e da cumplicidade. Aos meus avós (in memoriam) e tios pelo amor incondicional e pela preocupação com o meu

bem-estar e com a minha felicidade.

A todos os amigos,

próximos ou distantes sempre presentes em minha trajetória, que, de alguma forma, colaboraram para o término desse trabalho.

À minha orientadora,

Silvia Inés Cárcamo de Arcuri, Doutora e amiga, que acompanhou todo o meu percurso acadêmico. Sua confiança no meu trabalho, competência e generosidade conduziram-me a descobrir o espanhol e, em especial, os encantos da literatura. Depois de sua colaboração na escritura da minha Dissertação de Mestrado sobre A construção do sujeito no discurso autobiográfico de Miguel de Unamuno (1998), agradeço à minha grande professora por me orientar

novamente, agora, nessa Tese de Doutorado.

A todos os Professores,

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À Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

na figura de todos os seus funcionários que, todo o tempo, procuraram me ajudar em tudo o que fosse necessário.

À Academia Militar das Agulhas Negras,

instituição onde trabalho, um muito obrigada especial por todo o apoio que o Comando, a Divisão de Ensino, o Chefe da Seção de Ensino “G” e o Chefe da Cadeira de Espanhol me deram, para que eu pudesse realizar e concluir o meu Doutorado. Agradeço também a todos os Oficiais da Cadeira de Espanhol, companheiros de lavor e inestimáveis amigos, pelo entendimento e pela solidariedade nos momentos em que mais precisei de sua ajuda nas substituições ou trocas de aulas ou ainda em outras missões. A todos, o meu mais sincero afeto e gratidão.

À Associação Educacional Dom Bosco,

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BOIA, Mônica da Silva. O ensaio de María Zambrano no contexto da modernidade. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2011. 248 fls. Tese de Doutorado em Letras Neolatinas. Área de Concentração em Estudos Literários Neolatinos. Opção em Literaturas Hispânicas.

RESUMO

A importância do ensaio de María Zambrano no contexto da modernidade. De uma perspectiva diacrônica, contemplam-se, entre outros, alguns dos seus textos mais sobressalentes: “Por qué se escribe” (1934 – Revista de Occidente), “La reforma del entendimiento español” e “Misericordia” (1937 e 1938, respectivamente – Hora de España), La confesión: género literario y método (1943) e El hombre y lo divino (1955), a fim de representar o desenvolvimento cronológico e intelectual do pensar filosófico da ensaísta malaguenha. Essa organização pretende evidenciar as transformações que a escritura zambraniana adotou ao longo do tempo, sob a influência de vivências tão marcantes como a Guerra Civil Espanhola e o extenso exílio de 45 anos, que se notabilizou, para a autora, como uma experiência metafísica única.

A partir de uma necessidade visceral e irrenunciável pelo desejo de escrever e um compromisso político e social entusiasta a favor da República, María Zambrano assume a postura ética e estética de uma intelectual moderna, que analisa o pensamento espanhol e ocidental, reinterpretando uma proeminente tradição cultural e artística nas figuras literárias clássicas de sua nação, como Cervantes e Galdós e, também, pensadores de outros países, a partir de parâmetros conceituais referentes ao trágico moderno. A autora, em seu discurso ensaístico, valoriza, como uma rejeição dos valores impostos por uma modernidade que privilegia o exclusivismo do triunfo, da razão e do coletivo, o re(encontro) do indivíduo degredado e perdido no mundo e do mundo, como uma realidade e uma metáfora de sua própria vida.

O sentido confessional autobiográfico dos escritos zambranianos deixa-nos claro a interpenetração existente entre as experiências contingenciais da ensaísta e seu ofício de pensadora filo-poética, que revelam um sujeito em construção, que gravita entre os limites misteriosos e imprecisos da realidade e da ficção, na medida em que lê a história e a individualidade. A dádiva de criar do artista outorga ao ser humano a possibilidade de reconstrução contemporânea do sentimento do divino, como resposta a uma aspiração primordial de transcendência.

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BOIA, Mônica da Silva. El ensayo de María Zambrano en el contexto de la modernidad. Río de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Facultad de Letras, 2011. 248 hjs. Tesis de Doctorado en Letras Neolatinas. Área de Concentración en Estudios Literarios Neolatinos. Opción en Literaturas Hispánicas.

RESUMEN

La importancia del ensayo de María Zambrano en el contexto de la modernidad. De una perspectiva diacrónica, se contemplan, entre otros, algunos de sus textos más sobresalientes: “Por qué se escribe” (1934 – Revista de Occidente), “La reforma del entendimiento español” y “Misericordia” (1937 y 1938, respectivamente – Hora de España), La confesión: género literario y método (1943) y El hombre y lo divino (1955), a fin de representar el desarrollo cronológico e intelectual del pensar filosófico de la ensayísta madrileña. Esa organización pretende evidenciar las transformaciones que la escritura zambraniana adoptó a lo largo del tiempo, bajo la influencia de vivencias tan marcantes como la Guerra Civil Española y el extenso exilio de 45 años, que se notabilizó, para la autora, como una experiencia metafíscia única.

A partir de una necesidad visceral e irrenunciable por el deseo de escribir y un compromiso político y social entusiasta a favor de la República, María Zambrano asume la postura ética y estética de una intelectual moderna, que analiza el pensamiento español y occidental, reinterpretando una proeminente tradición cultural y artística en las figuras clásicas de su nación como Cervantes y Galdós y, también, pensadores de otros países, a partir de parámetros conceptuales referentes a lo trágico moderno. La autora, en su discurso ensayístico, valoriza, como un rechazo de los valores impuestos por una modernidad que privilegia el exclusivismo del triunfo, de la razón y de lo colectivo, el (re)encuentro del individuo degredado y perdido en el mundo y del mundo, como una realidad y una metáfora de su propia vida.

El sentido confesional autobiográfico de los escritos zambranianos nos deja claro la interpenetración existente entre las experiencias contingenciales de la autora y su oficio de pensadora filo-poética, que revelan un sujeto en construcción, que gravita entre los límites misteriosos e imprecisos de la realidad y de la ficción, en la medida en que lee la historia y la individualidad. La dádiva de crear del artista otorga al ser humano la posibilidad de reconstrucción contemporánea del sentimiento de lo divino, como respuesta a una aspiración primordial de transcendencia.

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BOIA, Mônica da Silva. María Zambrano´s essay in the context of modernity. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro Federal University, Language College, 2011. 248 pages. Doctorate Thesis in Romance Language. Area of concentration in Romance Literary Studies. Option in Spanish Literatures.

ABSTRACT

The importance of María Zambrano’s essay in the context of modernity. From a diachronic perspective, include, among others, some of their noteworthy texts: “Por qué se escribe” (1934 – Revista de Occidente), “La reforma del entendimiento español” y “Misericordia” (1937 and 1938, respectively – Hora de España), La confesión: género literario y método (1943) and El hombre y lo divino (1955). This organization aims at presenting the transformations which the Zambranian writing adopted over the course of time based on such remarkable experience as the Spanish Civil War and the long exile of 45 years, which became known to the author as a metaphysical experience unique.

From a deep and indispensable need for the desire of writing and from a political and social exciting commitment in favor with the Republic, María Zambrano takes on an ethical and aesthetic posture of a modern intellectual who analyses the Spanish and occidental thought re-interpreting a prominent cultural and artistic tradition of literay classical figures like Cervantes and Galdós and, also, thinkers from other countries, from conceptual parameters for the modern tragic. The author, on her essay speech, values, as a rejection of the values imposed by a modernity which favors the exclusivity of the triumph, the reason and the collective, the finding again of the individual annihilated and lost in the world and the world as a reality and a metaphor of her own life.

The confessional autobiographic sense of the Zambranian writings make the interpretation existing between the author’s own experience and her occupation of philo-poet thinker clear. It reveals a person in construction and gravitates between the myterious and imprecise limits of reality and fiction in that reads the history and individuality. The gift of the artist to create grants human beings the possibility of reconstruction of the contemporary sense of the divine as a response to the aspiration of transcendence.

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“[...] en el ensayo se comienza insistiendo en el valor de la ignorancia [...] como punto de partida y de llegada del filosofar y en la convicción de que lo sabido

no clausura el saber porque la esencia de la actividad filosófica radica en la actitud de búsqueda más que en el resultado obtenido.”

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S I N O P S E

O ensaio de María Zambrano no contexto da modernidade. A Revista de Occidente, a revista Hora de España, Filosofía y poesía, La confe-sión: género literario y método e El hombre y lo divino como uma representação da evolução cronológica e cognoscitiva do pensamento filo-sófico zambraniano. O exílio como uma experi-ência metafísica singular. A crítica da tradição literária e cultural espanhola e o conceito do trá-gico moderno. A presença da confissão autobio-gráfica no discurso ensaístico e a leitura da his-tória e do eu. A recriação contemporânea do sen-timento do divino no homem e a vontade de transcendência.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...13

2. O ENSAIO COMO UMA ESCRITURA DO SÉCULO XX ...25

2.1. A modernidade em crise e o discurso ensaístico ...31

2.1.1. A recepção da época moderna na cultura espanhola ...35

3. UM CONCEITO DIFERENTE DO TRÁGICO ...37

3.1. A representação do herói trágico no mito do escritor ...39

3.2. A razão poética como método de reconciliação ...40

4. MARÍA ZAMBRANO NA REPÚBLICA E NA GUERRA CIVIL ...44

4.1. Uma pensadora na Revista de Occidente ...59

4.2. Dimensão reflexiva e política em Hora de España ...83

4.2.1. Revolução, modernidade e reencontro com o passado ...86

5. DIÁLOGOS COM A TRADIÇÃO ESPANHOLA ...94

5.1. Cervantes ...95

5.2. Galdós ...108

6. UMA FALA COM A CONTEMPORANEIDADE: Cernuda ...140

7. A EXPERIÊNCIA INTELECTO-EMOCIONAL DO EXÍLIO ...159

7.1. O desamparo do homem ...160

7.2. A poesia como uma forma de pensar o trágico ...163

8. A CONFISSÃO AUTOBIOGRÁFICA NO ENSAIO ...170

8.1. A escritura como simulacro ...171

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9. A TRANSCENDÊNCIA ...194

9.1. O binômio originário homem-sagrado ...196

9.2. O homem moderno e suas relações com o divino ...199

10. CONCLUSÕES ...208

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1. INTRODUÇÃO

A presente tese constitui uma extensão de alguns temas discutidos na Dissertação de Mestrado em Literatura Espanhola, que defendemos na própria Universidade Federal do Rio de Janeiro no ano de 1998 e que teve o título de A construção do sujeito no discurso autobiográfico de Miguel de Unamuno,

escritor espanhol basco, nascido em 1864 e integrante da geração de 1898. Esse trabalho também teve a orientação da Professora Doutora Silvia Cárcamo, que compõe o corpo docente dessa mesma instituição.

Naquela época do mestrado, o objetivo da nossa pesquisa foi estudar a construção de um sujeito ficcional trágico dentro da obra unamuniana, a partir do discurso autobiográfico. A conexão que intencionamos fundar entre os escritos autobiográficos de Miguel de Unamuno e os sucessos históricos do final do século

XIX e do princípio do século XX baseou-se no fato de que o autor evidenciava, na obra de arte, uma insatisfação do homem na cultura européia e, sobretudo, espa-nhola. Na verdade, entendemos que a autobiografia, na visão de um breviário da existência humana convertido em matéria literária, concebe a vida, a história e a arte como capazes de desempenhar a missão de renovar perpetuamente o encanto enigmático da criação.

De maneira semelhante ao que pretendemos fazer agora, a nossa pesquisa de mestrado formou-se a partir de três pilares de sustentação, que consideramos intimimamente ligados. Foram eles: a autobiografia, o trágico e a modernidade.

As obras selecionadas para a abordagem do tema da Dissertação de Mestrado, A construção do sujeito no discurso autobiográfico de Miguel de Unamuno, procuraram abranger a heterogeneidade artística do referido escritor

através de um corpus integrado por três obras: Teresa (poesia – 1924), Diario íntimo (diário – composto por cinco cadernos recopilados, com uma primeira

publicação póstuma em 1970) e Cómo se hace una novela (romance – 1926, em francês; 1927, em espanhol). Nessas três obras, a intertextualidade, forte característica das produções modernas, estava presente de forma intensa.

Teresa apresentava como intertexto a obra de Gustavo Adolfo Bécquer, um

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mordaz do escritor basco ao movimento literário do romantismo. Além disso, a autobiografia pôde ser observada de uma maneira interessante, em vista de que Miguel de Unamuno desdobra-se em outro personagem chamado Rafael, poeta romântico desconhecido apaixonado pela falecida Teresa, a quem lhe dedica esse livro de poesias, que leva o nome da amada.

Em Diario íntimo, cativou-nos a atenção a reflexão de Miguel de Unamuno com referência aos seus próprios escritos e à identidade de autor construída por ele mesmo ao longo do tempo, da qual já se percebe escravizado artisticamente. Na obra, abordam-se, o papel do escritor perante o seu público e a conhecida problemática das angústias da efemeridade da vida terrena, por meio das copiosas remissões às passagens bíblicas. Os temas veiculados são originários de uma profunda crise espiritual que experimentou o autor nos últimos anos do século XIX, a qual modificou o rumo da sua vida e a sua concepção do mundo.

Finalmente, em Cómo se hace una novela, Miguel de Unamuno, através da autobiografia, propõe uma renovação do romance, que deixará de ser uma obra estruturada com princípio, meio e fim, para ceder lugar à uma obra aberta, onde o leitor possa desempenhar um papel importante na criação literária e na qual o mesmo se reconhecerá como um indivíduo com poder de transformação dentro da

própria história contada. A participação na configuração da obra literária transforma, sem dúvida, o leitor, entendido artisticamente igual ao escritor como uma entidade ficcional, em pessoa humana, vital e concreta, que abandona a recepção pura e simples da mensagem e aceita o diálogo da construção da obra de arte.

A pesquisa contou com o suporte teórico de autores que se ocuparam da autobiografia, como uma forma de expressar a cultura moderna e o conceito do trágico dentro dessa mesma cultura. Essas observações são relevantes, pois queremos ressaltar que, nessa Tese de Doutorado, iremos revisitar alguns dos pressupostos teóricos que utilizamos na Dissertação de Mestrado evidentemente com um enfoque diverso para o estudo do ensaio de María Zambrano.

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trágico foi abordado por pensadores como Nietzsche, Rafael Argullol e o próprio Unamuno, os quais nos possibilitaram a compreensão do conflito e do estado de impotência frente à circunstância histórica, instaurados no momento finissecular. Miguel de Unamuno parte de um sentimento trágico experimentado pela modernidade para reagir inteligentemente aos conceitos florescentes de confiança inquebrantável no cientificismo, no progresso e na razão. Com referência à obra unamuniana, o eu, no papel de sujeito da enunciação, domina o texto regido por um espaço autobiográfico. Desse ponto de vista, a relação determinante entre o eu autobiográfico e a modernidade literária permite-nos traçar uma identidade entre escritura e autobiografia, onde há com um impacto deveras negativo uma tomada de consciência da imanência ontológica em contraposição à transcendência teológica que, durante muito tempo, havia povoado de modo inconteste a consciência do homem.

A nossa condição dentro da modernidade é trágica, pois a perda da fé em um tempo infinito e maravilhoso, fomentado na Idade Média, fez-nos cair na trágica realidade de que somos seres para o nada, condenados a desaparecer para sempre. Miguel de Unamuno, na verdade, utilizou uma crise religiosa pessoal, com o objetivo de justificar, por meio da ficção, uma mudança de pensamento na

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constituída por um corpo e por uma mentalidade influenciados pela história de variados lugares e povos. Todo sujeito e texto autobiográficos representam uma comunidade social, testemunha de um tempo e de um espaço vital. No entanto, essa capacidade de se transmutar em outros faz com que o autor-ator se desligue da velocidade natural do tempo e vislumbre como inviável igualar-se a um Deus, sendo tal constatação a causa de um sofrimento terrível e interminável. Esse sofrer verdadeiramente a existência faz parte da missão do ser humano para descobrir a sua identidade e encontrar o real sentido da sua vida, apesar de estarmos fadados a buscar respostas para o que se estabeleceu como indecifrável. Esse é o fundo trágico da existência da humanidade, constante em todas as formas de cultura, mediatizada pela consciência do homem de sua insignificância, de sua solidão e de sua impotência frente ao futuro.

O estudo realizado comprovou plenamente as hipóteses de que, em Miguel de Unamuno, triunfa a onisciência sobre uma composição esfacelada somente na aparência. O trânsito entre o eu e o outro em Unamuno é um fracasso da mesma forma que a sonhada modernidade, posto que não há como lutar contra o progresso e os seus males, da mesma maneira que não há como lutar consigo mesmo: os dois são irreversíveis e invencíveis. Assim sendo, a obra unamuniana

caracteriza-se também por demonstrar que o artista já almejava repensar as suas identificações com o mundo e com a arte. As obras de Miguel de Unamuno são caracterizadas por formas estilísticas paradigmáticas, que possuem o intuito de consolidar uma imagem e um modo de escrever muito peculiares ao autor, pois a figura unamuniana de escritor literário ao lado do desejo constante de vencer o tempo e de conseguir a imortalidade pela palavra artística apresentava, igualmente, o objetivo de polemizar a condição trágica do homem frente à crise do fim do século XIX e do princípio do século XX, onde se constatou o inegável fracasso da modernidade.

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vida referenciais. Se formos capazes de mudar nossa interpretação pessoal, interna, e histórica, externa, conseguiremos descobrir universos completamente novos e inusitados. Para Miguel de Unamuno, autobiografar-se era o mesmo que relatar a história, na qual o homem espanhol deseja encontrar a sua filiação, a sua origem. O sentimento da solidão do artista em seu ofício, abordado tantas vezes por Unamuno, concorreu com as mesmas raízes do sentimento religioso essencialmente importante em sua produção literária, no sentido de que nos contemplamos como órfãos, que possuem a obscura consciência de que fomos extirpados de Alguém ou Algo, cujo profundo conhecimento nos foi denegado. A obra autobiográfica unamuniana, que utiliza a religião como filão inventivo, empreende concomitantemente uma busca, uma fuga e um regresso em direção ao Todo na tentativa de restabelecer os laços que uniam o homem ao Grande Criador de toda criação, pois não há nada que fascine mais o escritor que tal poder de conceber, engendrar.

Essas considerações iniciais acerca da nossa pesquisa de Mestrado pareceu-nos assaz pertinente, pois já naquele tempo, há um pouco mais de dez anos atrás, uma ideia de tema para iniciar um projeto de Curso de Doutorado começou a se revelar. Entre os teóricos selecionados para a pesquisa no Mestrado,

começamos a ler com interesse a ensaísta espanhola María Zambrano, que nasceu em Vélez-Málaga, em 1904 e faleceu em Madri, em 1991. A ensaísta foi discípula de Ortega y Gasset e lecionou nas Universidades de Madri (Espanha), Morelia (México) e Havana (Cuba). Esteve durante 45 anos exilada, onde publicou três das obras que iremos estudar, Filosofía y poesía (1939), La confesión: género literario y método (1943) e El hombre y lo divino (1955). Em 1984, retornou a

Espanha, para a cidade de Madri, que, como todo o país, gradativamente, foi reconhecendo a importância da autora para a cultura nacional, visto que há uma produção crítica bastante significativa na Espanha sobre a obra de María Zambrano. Podemos destacar alguns fatos relevantes que comprovam claramente o prestígio da autora no círculo literário espanhol como a publicação, em 1966, do artigo de J. L. Aranguren “Los sueños de María Zambrano” na Revista de Occidente, onde se inicia uma valorização do mérito da obra zambraniana dentro

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Zambrano y el sueño creador”, publicado na revista Ínsula (núm. 238), contribuiu no despertar de uma consciência na Espanha em torno a María Zambrano e do destaque da sua escritura como uma leitura do pensamento e da cultura espanhola. Em 1981, concederam-lhe o Prêmio “Príncipe de Asturias” de Comunicação e Humanidades pela Fundação de mesmo nome. A revista Los Cuadernos del Norte dedica à figura e à obra de María Zambrano um número especial (núm. 8),

no qual se recolhe, junto a outras e importantes colaborações, o testemunho e o reconhecimento do filósofo E. M. Cioran. Em 1984, lança-se um número dos Cuadernos Hispanoamericanos em homenagem à escritora. Em 1987, aparece

um amplo dossiê de documentos e textos de María Zambrano na revista Anthropos. Nesse mesmo ano, inaugurou-se a Fundação María Zambrano. Em

1988, enfim, brindam à autora com o “Premio Cervantes de Literatura”. A nosso ver, sem dúvida, todas essas homenagens justificam a relevância da escolha dessa ensaísta espanhola para uma Tese de Doutorado, sobretudo, no Brasil, onde muitos não conhecem a figura e a obra de María Zambrano.

Na presente tese, propomo-nos a analisar, a partir de uma perspectiva diacrônica, alguns dos ensaios de María Zambrano, relacionando o gênero ensaístico com dois pilares de sustentação fundamentais que, como vimos,

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estabeleceremos períodos capitais de criação artística da escritora, que, claramente, acompanharão momentos sobressalentes da história da Espanha.

Na medida em que ansiamos trilhar os caminhos de juventude, amadureci-mento e auge artístico-criativo de María Zambrano, precisaremos ater-nos a ensai-os por nós consideradensai-os de maior envergadura para a linha de estudo escolhida. Dessa forma, apresentaremos ordenadamente os ensaios que serão lidos como vertentes de análise e direção para o nosso estudo. O sumário dessa tese procurou mostrar uma linha didática de investigação, que, introdução à parte, apresenta ca-pítulos, que associam fortemente o ensaio, a modernidade e o trágico, além de en-focar, de maneira ampla, escritos que acreditamos serem vitais para o desenvolvi-mento do nosso pensadesenvolvi-mento. São eles: “Por qué se escribe” (Revista de Occidente, Madri, t. XLIV, n.º 132, junho 1934, pp. 318-328), “La reforma del

entendimiento español” (Hora de España, Valência-Barcelona, n.º IX, setembro 1937, pp. 13-28), “Misericordia” (Hora de España, Valência-Barcelona, n.º XXI, setembro 1938, pp. 29-52), Filosofía y poesía (México, 1939), La confesión: género literario y método (México, 1943) e El hombre y lo divino (México,

1955). É óbvio que outros textos de María Zambrano irão compor, à maneira de suporte teórico e discursivo, os capítulos desse trabalho, já que esse material foi

lido, estudado e contribuiu, portanto, para iluminar o nosso entendimento com re-lação aos ensaios condutores do tema da tese.

Durante a sua juventude, María Zambrano viveu em Madri, onde concluiu a sua formação acadêmica e conseguiu publicar os seus primeiros trabalhos filo-sóficos. Ao lado do lançamento do seu primeiro livro em 1930, Horizonte del li-beralismo, a ensaísta espanhola escreveu, nesse tempo, com regularidade, haja

vista os seguidos anos de publicação, para algumas revistas como Los Cuatro Vi-entos (1933), Cruz y Raya (1933-1934), Revista de Occidente (1933-1934),

Cuadernos de la Facultad de Filosofía y Letras (1936), El Sol (1936) e Hora

de España (1937-1938).

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República e na guerra civil”, faremos alusão ao dramático conflito espanhol que tão categoricamente influenciou a vida da autora malaguenha. Nesse mesmo capí-tulo, procuraremos discorrer sobre a importância das revistas literárias espanholas do início do século XX, que propiciaram a diversos escritores, entre eles, María Zambrano, desenvolver um pensamento vanguardista de notáveis inovações esté-ticas, que, mais tarde, associou-se a um compromisso ético de refletir e lutar pela reconquista de um espaço legitimamente republicano e democrático usurpado pelo golpe de estado perpetrado pelas tropas franquistas em 1936. Na publicação da Revista de Occidente, tomaremos o ensaio “Por qué se escribe” (Madri, t.X-LIV, n.º 132, junho 1934, pp.318-328), primeiro texto filosófico de María Zam-brano, o qual revela uma nascente produção da autora situada antes de 1936, pre-cedendo, portanto, o nefasto advento bélico que arrasou a estrutura da Espanha e a vida dos espanhóis. Antes, porém, de analisar “Por qué se escribe”, estudaremos dois outros ensaios precedentes escritos por María Zambrano também na Revista de Occidente, cujos títulos são “Hoffmann: «Descartes»” (resenha, Madri,

t.XX-XIX, n.º 117, março 1933, pp.142-145) e “Robert Aron y Arnaud Dandieu. «La Révolution Nécessaire»” (resenha, Madri, t.XLIV, n.º 131, maio 1934, pp.209-221). Acreditamos que esses dois outros textos delineam alguns dos pressupostos

mais sobressalentes do pensamento estético zambraniano, antecipando a constru-ção de “Por qué se escribe”, cujas ideias irão se transmutando e aperfeiçoando ao longo de sua obra literária ensaística.

Sem lugar a dúvidas, a contribuição de María Zambrano na Revista de Occidente a torna ainda mais conhecida do público leitor e revela uma formação

erudita, na qual já se pressente a constituição de uma filosofia singular em torno do poético, sustentada na reflexão da crise do pensamento ocidental e da política social espanhola.

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vividas pelo seu país de origem a partir da construção de textos que manifestam um olhar filosófico-crítico sobre a história e se apóiam na tradição cultural literária espanhola, que, no nosso caso, de acordo com os textos escolhidos, estará representada pelas figuras de Miguel de Cervantes e Benito Pérez Galdós. Para esses anos específicos de criação estética da autora, selecionaremos os ensaios “La reforma del entendimiento español” (Valência-Barcelona, nº IX, setembro 1937, pp.13-28) e “Misericordia” (Valência-Barcelona, n.º XXI, setembro 1938, pp.29-52) da revista Hora de España. Dentro desse capítulo, ainda, verificaremos a relação entre Benito Pérez Galdós e Luis Buñuel, visto que este cineasta espanhol produziu Nazarín (1958) e Tristana (1970), filmes baseados em duas obras importantes do escritor canário com o mesmo nome.

O sexto capítulo, “Uma fala com a contemporaneidade”, examinará o poema “Díptico español” do poeta sevilhano Luis Cernuda, que compõe a obra Desolación de la Quimera, publicada em 1962. Essa análise servirá como outro

ponto de vista a respeito da figura de Galdós, que além da Espanha, de suas tradições e crenças, aparece, no texto, como um exemplo desse passado de glória espanhol.

O sétimo capítulo irá abordar o ano de 1939, onde María Zambrano

publica Filosofía y poesía, obra que estabelece relações com o exílio voluntário da ensaísta iniciado justamente nessa data, no qual, apesar da distância em sua estada por diversos países da América e da Europa, como México, Porto Rico, Cuba, Roma e Suíça, sempre revelou interesse e preocupação pela terra natal e seu povo, jamais deixando de publicar suas reflexões que, nessa obra, metaforizam essas aflições, por meio de importantes lucubrações sobre a ética, a mística, a metafísica e a poesia na história ocidental da filosofia, polemizada, em seus primórdios, por Sócrates, Platão, Kierkegaard e outros pensadores originários. Daí o fato de que María Zambrano defenda que o pensamento, a filosofia e a poesia amalgamam-se por instituírem diálogos que conformam a realidade ou o simulacro inóspito de toda a nossa cultura ocidental, na proporção em que complementam o estar angustiado do homem no mundo e em si mesmo.

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autobiografia confessional para simbolizar a crise entre a existência e o racionalismo da modernidade. Esse capítulo denuncia que as relações entre a vida e a criação artístico-literária de María Zambrano são muito evidentes e como a sua história foi pautada por uma série de conflitos e crises, essa obra aparece com uma grande ênfase no conhecimento espiritual e no saber da alma, alicerçados, principalmente, nas confissões de São Agostinho e de Jó, a fim de procurar explicar o sentimento angustiante de estar perdido tanto do mundo como também no mundo. O estudo dessa obra parece-nos muito importante no sentido de que anuncia o encaminhamento filo-poético do pensamento zambraniano em direção ao desejo de transcendência, tema do nono capítulo do nosso trabalho. Assim, esse período considerado proeminente e literariamente pleno de María Zambrano, no qual nos deteremos como última etapa do corpus dessa pesquisa dedica-se ao estudo de um dos seus livros mais emblemáticos ou a sua obra fundamental, como ela mesma chega a sugerir, El hombre y lo divino (1955). A partir dessa fase de amadurecimento e apogeu criativo, María Zambrano caminha cada vez mais para um contínuo reconhecimento de sua contribuição à cultura espanhola, o que, por sua vez, afiança a qualidade e a relevância de sua obra no contexto literário espanhol e, em consequência, confere validação ao nosso intuito de trabalho. El

hombre y lo divino, conforme o título, tratará do binômio homem-divino, que,

segundo reconhece a própria autora, na 2ª edição dessa obra, em 1973, poderia representar todo o conjunto da sua criação literária. Na medida em que analisamos a existência humana, é imprescindível meditar sobre a presença do divino, posto que a sensação de elementos preeminentes ao homem ou o seu enigma invade o imaginário coletivo desde tempos muito remotos. A filosofia zambraniana explora essa temática pelo viés de que a não total exclusão de pólos terrenos e divinos na vida do homem levam-no a vivenciar uma multiplicidade de interpretações desses lugares, de acordo com suas experiências históricas, as quais manifestam momentos de notoriedade e obscurecimento com relação a ambos os conceitos.

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Espanha, tomando como farol o pensamento tradicional do ocidente. Esse fato, portanto, realmente, destaca a sua proeminência dentro do ensaísmo espanhol do século XX.

A pesquisa contará com um suporte teórico de autores, que se ocuparam do ensaio, como uma forma de expressão literária subjetiva, moderna, assistemática e híbrida, capaz de conjugar o ficcional e a retórica com a representação da realidade por meio da leitura de uma época e suas tradições. Essa temática conduz a intermediações inseparáveis com a concepção trágica da existência que encontra lugar em uma modernidade, cujos saberes e crenças de gerações anteriores são colocados constantemente em juízo crítico. Assim, como apoio basilar e científico ao trabalho, contemplaremos o gênero ensaístico a partir dos estudos de Georg Lukács (1911; 1975), Luis Gómez Martínez (1992), María Elena Arenas Cruz (1997), Theodor W. Adorno (2003), Belén Hernández (2005) e Alberto Giordano (2006), que afirmam ser o ensaio um gênero moderno atinente à vivência do homem na história, que alimenta a necessidade do sujeito em demarcar uma região ameaçada pela racionalidade e pela industrialização excessiva da sociedade. A ideia do trágico e suas repercussões hodiernas serão discutidas por conceitos de Nietzsche, Rafael Argullol (1990), Peter Szondi

(1994) e Roberto Machado (2006), que irão confirmar o carácter fragmentado e frustrante do indivíduo na modernidade em resposta a uma condição ontológica inerente, que se alia a fatos concretos desencadeadores de um mal-estar no mundo, como certeiramente asseverou Freud. É, precisamente, em virtude dos desastrosos acontecimentos na Espanha a partir, sobretudo, dos anos 30 que María Zambrano instaura as polêmicas que envolverão o homem no seu tempo, como fruto da constatação de suas lutas, mas também de sua impotência com relação a uma modernidade esmagadora, que preconiza o triunfo crescente da ciência, do progresso e da razão.

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crença religiosa e nos desígnios divinos, que lhe conferiam a estabilidade emocio-nal necessária para enfrentar os revesses da história. Na verdade, por que tanto se diz que somos seres trágicos e o nosso tempo se define como uma atualização da tragédia clássica? Porque simplesmente temos dúvida, criticamos e não aceitamos tudo o que é estabelecido, determinado ou canônico. Isso é o que mostra María Zambrano e é o que nos define dentro das contradições modernas. Evidentemente, o ensaio, pelas suas características, surge como um canal de comunicação propí-cio para sedimentar, na eternidade da escritura, os pensamentos contraditórios de um homem aturdido, que segue, contudo, uma linha ascendente de evolução cog-nitiva. Dentro da nossa tragédia da insuficiência moderna, esse é, simultaneamen-te, o nosso desafio, mas também o nosso esplêndido êxito e é exatamente esse percurso de crescimento espiritual e intelectual que a nossa pesquisa intenciona comprovar por meio da análise da obra da ensaísta espanhola. Julgamos que a atu-alidade do texto de María Zambrano insere-se justamente na eleição de um discur-so ensaístico de comunicação com o leitor-autor, que ao mesmo tempo em que de-nuncia o esgotamento do projeto onírico material da modernidade, ade-nuncia a in-surgência de um sentimento trágico humano original, que nos convoca a preen-cher, a partir do ato mágico de escrever-crescer, o doloroso, contudo igualmente

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2. O ENSAIO COMO UMA ESCRITURA DO SÉCULO XX

Na atualidade, o ensaio desfruta da atenção de uma série de estudos que se propõem o árduo objetivo de estabelecer algumas de suas características nucleares, que acabam por colocá-lo em uma posição de destaque no âmbito da escritura moderna do século XX. Afirmamos ser este um trabalho penoso, em razão de que o ensaio tem como traço diferenciador a intenção de manifestar uma perspectiva individual, livre e assistemática sobre um determinado tema e isso, por si só, já dificulta e muito qualquer esforço de classificação ou norma, que pretenda regular ou identificar esse tipo de discurso. Apesar dos fatores complicadores, é justo sustentar que o ensaio pertence a uma peculiar classe de textos, onde existe uma macro-estrutura fundamental, que salienta a presença de um gênero dialógico-argumentativo, dado a partir de variadas possibilidades de

enunciação. Por outro prisma complementar, Lukács assegura que o ensaio é, em essência, uma linguagem que ambiciona questionar conceitos defendidos em uma vigência histórica.

O ensaio sempre fala de algo já formado ou, na melhor das hipóteses, de algo que já tenha existido; é parte de sua essência que ele não destaque coisas novas a partir de um nada vazio, mas se limite a ordenar de uma nova maneira as coisas que em algum momento já foram vivas. E como ele apenas as ordena novamente, sem dar forma a algo novo a partir do que não tem forma, encontra-se vinculado às coisas, tem de sempre dizer ‘a verdade’ sobre elas, encontrar expressão para sua essência. (Lukács, G., 1911, p.23)

Adorno, por sua vez, com outras palavras, corrobora o pensamento de Lukács sobre o ensaio como uma maneira de abordar um assunto específico não inédito sem a obrigação de esmuiçá-lo rigorosa ou exaustivamente ou, ainda, de colocar-lhe um fim último, pois compreender não significa supor haver esgotado um tema, mas sim implica o processo de buscar o seu conhecimento, regido pelos estímulos temporais, espaciais e intrínsecos que influenciam as interpretações únicas do sujeito.

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um lugar entre os despropósitos. Seus conceitos não são construídos a partir de um princípio primeiro, nem convergem para um fim último. Suas interpretações não são filologicamente rígidas e ponderadas, são por princípio superinterpretações [...] Quem interpreta, em vez de simplesmente registrar e classificar, é estigmatizado como alguém que desorienta a inteligência para um devaneio impotente e implica onde não há nada para explicar. (ADORNO, T. W., 2003, pp.16, 17)

A nosso modo de ver, esses conceitos são extremamente pertinentes à pesquisa que realizamos, porque María Zambrano expressa, praticamente em todos os momentos, uma vontade de problematização que, de maneira sedutora, ‘moderniza’ os mecanismos culturais que condicionam a sociedade européia e, sobretudo, espanhola. Além do mais, se aceitarmos o fato de que a escritura, na forma de uma materialização do pensamento, tem o encargo de fazer com que o leitor, por outros fluxos de reflexão, observe de uma maneira diferente o que já se disse antes, poderemos crer que o ensaio é uma modalidade discursiva moderna esclarecedora e abrangente, porém não doutrinária, que acolhe a dúvida e a polêmica como uma certeza dentro de seus principais parâmetros de elaboração.

Desse modo, o ensaio caracteriza-se como uma escritura em constante

avanço ou progressão, que denota uma simbiose com o seu tempo, pelo fato de que a cultura e a comunidade onde surge disponibilizam os instrumentos necessários para o desenvolvimento da reflexão do ensaísta, que colabora com a possibilidade de reforma do pensamento em voga. Esse aspecto errático, descentrado e inespecífico do ensaio, segundo assevera Adorno (ibidem), é o que lhe outorga a se desobrigar de uma habitual noção de verdade, já que a sua forma de expor indica sempre só uma aproximação concludente, que solicita desestabilizar as bases de um mundo exclusivamente lógico.

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mantenham acesas as chamas da argumentação e da força intelectual renovadoras do meio que, mais do que nunca, nossas contingências reclamam.

Seguindo essa linha de exposição, Arenas Cruz (1997, p.27) defende o raciocínio de que os textos relacionados a reflexões não puramente técnicas deveriam ser considerados sob uma perspectiva de orientação mais global que denomina de ‘gênero argumentativo’, diferentemente da nomenclatura de gêneros ensaísticos proposta por Aullón de Haro. Essa tentativa de mudança lexical visa incluir não somente o ensaio, mas também outras classes de textos argumentativos, como a epístola, o diálogo, a glossa e a miscelânia, que, de acordo com a autora, funcionaram, durante muito tempo, como uma forma de reflexão crítica da cultura.

El diálogo, la epístola, la miscelánea, el ensayo, la glosa, el discurso, etc son formas personalizadas de comunicación, donde tanto el yo del autor como el tú del receptor aparecen reflejados, donde el lenguaje está cargado de toda la ambigüedad y riqueza de la lengua normal, donde la razón puede argumentar libremente, en función del aquí y el ahora, sin sujeciones a ningún tipo de lógica formal o de orden en el razonamiento. Sólo estas peculiares condiciones permiten pensar y reflexionar acerca de las cuestiones realmente importantes para la vida, la sociedad y el hombre en su dimensión histórica. (ARENAS CRUZ, 1997, p.45)

Para Arenas Cruz, além do ensaio, todas essas formas discursivas reivindincam um espaço na teoria acerca dos gêneros literários junto aos modos tradicionais de expressão lírica, narrativa e dramática, pois traduzem, igualmente, através dos tempos, a comunicação da consciência humana. Tanto a posição de Aullón de Haro, como a proposta de Arenas Cruz deixam claro a necessidade moderna de, ao lado do relevante estudo científico e técnico, tratar urgentemente de questões antropológicas da existência, que somente esses canais de comunicação são capazes de realizar. Esse movimento expressivo, conforme sentencia Lukács (1975, p.23), é fundamental ao que entendemos também como vivência cognitiva e avanço cultural da sociedade, representante do poder anímico humano, combustível da própria vida.

María Zambrano, em sua produção ensaística ou, digamos agora como Arenas Cruz, argumentativa, sempre escrutou a Espanha como um problema, que

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compila artigos e ensaios que incluem a época da guerra civil espanhola, mostrando uma mulher republicana extremamente compromissada com o seu tempo, onde analisa sóbria e contundentemente a situação do homem espanhol e da Espanha naquele momento. Esse ‘dolorido sentir’, como chegou a dizer Azorín (Epílogo de Las confesiones de un pequeño filósofo, 1904, influenciado por Garcilaso, Égloga I, 1543), permite à autora, assumindo uma atitude filosófica, aprofundar-se na intra-história do seu país, buscando as origens de seus problemas, como a única forma realmente eficaz de levar a cabo o seu pensamento. Desse ângulo de visão, insistimos em afirmar que os escritos zambranianos apóiam-se em pilares de uma estrutura estética ensaística relacionada à modernidade e ao trágico, refletindo recortes temporais que espelham fases da vida da autora dentro de um carácter provisório e real, porém também imaginativo, onde se estabelece como fio condutor a relatividade de tudo o que é considerado definitivo ou absoluto. É justamente nesse aspecto que, para nós, é muito relevante o estudo da obra zambraniana através de uma perspectiva de conjunto, com relação aos seus ensaios, sem congelar o nosso olhar em uma etapa específica, pois o que queremos é apreender a sua forma de pensar durante o percurso de uma vida literária. Na verdade, é interessante meditar sobre até que

ponto os sucessos concretos favorecem certas mudanças no pensamento zambraniano, na sua maneira de tratar questões éticas no ensaio ou no seu modo de construir o próprio ensaio.

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particular, que, em geral, é antagônico às perspectivas assentadas pelas crenças de toda uma herança tradicional. Esse fato, mais uma vez, justifica a defesa do ensaio como uma forma estética moderna, cuja agudeza crítica e o fortalecimento da primeira pessoa do sujeito, em contraste com suas variadas tentativas de obscurecimento na modernidade, encontram-se em franca linha de ascensão em nossos tempos mais recentes. Segundo José Luis Gómez-Martínez (1992), na Espanha, se o século XIX marcou brilhantemente a produção do romance, o século XX foi a idade de ouro do ensaio, apesar de que, no final do século XIX, o ensaio já mostrava uma presença significativa em diversos círculos intelectuais. Esse período de opulência do gênero ensaístico no século XX deveu-se, em parte, na Espanha, à grata influência de certos autores como Miguel de Unamuno e Ortega y Gasset, que reiteraram e divulgaram, em suas obras, os pressupostos referentes à essência do ensaio manifestados por Montaigne há três séculos.

A modernidade do ensaio consiste exatamente na dificuldade de sua classificação, no entanto, este obstáculo não é uma peculiaridade sua, já que são geralmente frustrantes as tentativas de categorização principalmente no âmbito ficcional e subjetivo dos gêneros literários, como o romance, a poesia e o drama. Contudo, essas avaliações são fundamentais, para que possamos trabalhar a partir

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uma ‘autofiguração subjetiva’, que leva ao que se ensaia a esquecer ou a se desviar do curso das estratégias que prevêm a construção da imagem do escritor, distanciando-o, cada vez mais, da capacidade de se reconhecer com motivo da identificação que realizaria das outras faces diferentes dele mesmo. No ensaio, de alguma maneira, o outro não constituiria um simulacro alheio de algum nome da realidade ou de um personagem tradicional, porém anseia consolidar um sujeito sui generis que se manifesta na subjetividade da figura do escritor. Dentro da

instância individual, o escritor cede à tentação de divulgar uma personalidade discordante da do ensaísta propriamente dito, com o objetivo de apontar uma enunciação do saber única, cuja origem está especificada com um nome ficcional propagador da assinatura de um nome idiossincrático, cuja maior aspiração é ocupar um espaço de realce também na dimensão da realidade.

(...) cada ensayo es un acto único, un paso de polémica que se ejecuta de acuerdo con condicionantes únicas, para conseguir un efecto disolvente también único. Y lo que haya de verdad en cada caso (la verdad que el ensayo produce en el acto de la polémica, no una verdad a la que se representa, a la que se obedece) vale, en principio, sólo para él. (GIODARNO, A., 2006, p.35)

Alberto Giordano (2006), em seus estudos, profere que a posição subjetiva do ensaísta edifica-se na sua própria decisão ética de escrever, ato que não intenciona puramente unir-se ao leque de interpretações diversas sobre algum autor, tema ou obra, a fim de se alcançar êxito ou insucesso entre a intelectualidade de uma época todavia nasce, como diria Borges, de uma voluptuosidade ‘íntima’. Essa ânsia individual, de alguma forma, pretende esclarecer o sujeito escrevente e satisfazer a sedução que o feito de criar exerce sobre ele. Essa opinião também é declarada por María Zambrano na obra La confesión: género literario y método, quando enuncia que:

No se escribe ciertamente por necesidades literarias, sino por necesidad que la vida tiene de expresarse. Y en el origen común y más hondo de los géneros literarios está la necesidad que la vida tiene de expresarse o la que el hombre tiene de dibujar seres diferentes de sí o la de apresar criaturas huidizas. (ZAMBRANO, M., 1995, p.25)

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necessário em relação a uma subjetividade em crescente exposição, cuja intenção seria conseguir uma liberdade do escritor favorável à criação de uma metáfora autorreferencial de si mesmo. A literatura, explica Alberto Giordano (2006, p.62), pode ser entendida essencialmente como um exercício imaginativo, que possui o desejo de ver a realidade com olhos singulares. Esse mirar especial sugere que a importante função desempenhada pela razão está submetida, ou melhor, está aliada a uma forte vontade de reinventar identidades, espaços e tempos pelo enfoque do sujeito que medita. Os aspectos culturais da realidade espanhola e européia foram observados desde a interpretação teórica e vivencial de María Zambrano, que, inegavelmente, nos permite construir, como leitores, a nossa própria visão, conformando, assim, a maior esperança didática da filosofia: a independência emancipativa da consciência e do verbo. Nas palavras de Wittgenstein, podemos ler: “no quisiera con mi escrito ahorrarles a otros el pensar, sino, si fuera posible, estimular a alguien a tener pensamientos propios.” (WITTGENSTEIN, L., 1988, p.13) Utilizando as ideias de Concha Fernández Martorell (2004), julgamos que as interpretações possíveis dos ensaios zambranianos pelas referências concretas à sua obra conduzem o leitor a entender o texto como uma oportunidade de conhecer um pouco mais o ser humano e suas

condicionantes históricas, tendo como ponto pendular dinamizador os elementos culturais que o próprio autor e a crítica são capazes de produzir. Eticamente, portanto, o ensaio, como uma obra de arte da modernidade que se afirma e se nega constantemente, notifica, além de valores referentes ao estilo e à tentativa de uma forma peculiar, atributos que afetam a subjetividade tanto do escritor, como também do leitor. Tanto um como outro são incitados, pela pujança da criação estética, a pensar, a imaginar e, consequentemente, a escrever e a ler algo que valha por si só, na medida em que há a representação de um sujeito autor e leitor, que possui a característica de ser único, especial e irrepetível.

2.1. A modernidade em crise e o discurso ensaístico

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sofrer as suas consequências positivas e negativas até hoje. Alguns admitem e outros rechazam a ideia de uma modernidade eterna, porém, de qualquer maneira e fora as opulentas críticas, é fato que, cambaleante e um pouco instável, ela ainda se encontra em curso, embora saibamos, com Octavio Paz (1990, p.31), que o termo perde a sua significação assim que acabamos de produzí-lo. Em vista disso, Octavio Paz (ibidem) afirma que o moderno é tão difícil de discutir dado o seu caráter efêmero e cambiante. Na verdade, vivemos vários momentos de modernidade ao longo dos tempos. Ora, o moderno é o que experimentamos em nossa circunstância atual. Pensando dessa forma, realmente seria possível falar de uma eterna condição moderna. Octavio Paz sustenta que “La Edad Moderna no tardará en ser la Antigüedad de mañana. Pero, por ahora, tenemos que resignarnos y aceptar que vivimos en la Edad Moderna, a sabiendas que se trata de una designación equívoca y provisional.” (ibid., pp.31, 32) A reflexão filosófica, fruto de todas as transformações havidas na sociedade moderna, consistiu justamente na negação do racionalismo, que havia impregnado a existência humana desde a segunda metade do século XIX, estendendo-se no século XX. Vários pensadores do século XX, entre eles, María Zambrano, considerarão a razão como uma ferramenta insuficiente para explicar, com certa plausibilidade, o nosso mundo.

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assim é viável ter uma compreensão mais coerente dessa problemática. Acreditamos ser esse pensamento extremamente óbvio, visto que a modernidade não se caracteriza por um ou outro acontecimento isolado. Como explica Paz (ibid., p.33), isso ocorre, porque a modernidade é por si só o espelho do não completo ou se distinguiria por ser um híbrido histórico. Na verdade, ela foi semeada a partir de uma série de fatores, acontecimentos e descobertas importantes que vieram a consolidar a ideia de que tudo é transitório e possivelmente não de todo correto ou incorreto. Se tudo é relativo e cambiante, o que devemos pensar? Pensar mudando, pensar duvidando, pensar polemizando assim como faz o ensaio que não pretende esgotar nenhum tema pelo suposto primordial de que nenhum conhecimento é defintivo. A completude do pensar é impossível em qualquer espaço de tempo. Isso já muito bem defendia Montaigne:

Reflexiono sobre las cosas, no con amplitud sino con toda la profundidad de que soy capaz, y las más de las veces me gusta examinarlas por su aspecto más inusitado. Me atrevería a tratar a fondo alguna materia si me conociera menos y me engañara sobre mi impotencia. Soltando aquí una frase, allá otra, como partes separadas del conjunto, desviadas, sin designio ni plan, no se espera de mí que lo haga bien ni que me concentre en mí mismo. Varío cuando me place y me entrego a la duda y a la incertidumbre, y a mi manera habitual que es la ignorancia. (MONTAIGNE, M., 1962, p.303)

A teoria de Montaigne sobre o ensaio confirma a crise do domínio do saber técnico na modernidade, pois todas as circunstâncias estão sujeitas ao olhar daquele que vê e como cada indivíduo vê de um jeito, toda e qualquer observação sempre modificará as condições do que é visto. Embora a fugacidade dos conceitos presente no pensamento do século XX seja muito salutar, lançou-nos em um abismo do nada. Se tudo em que acreditamos pode mudar a qualquer momento, desfazer-se como pó, então nós não temos, em realidade, nada, todas as nossas crenças são tão fortes como um castelo de areia. Esse é todo o nosso fascínio e todo o nosso drama até os dias atuais. A filosofia comprova que os tempos mais recentes definem-se a partir de uma preemência para desfigurar ideias e projetos, enfim o conhecimento. Mais do que nunca, temos a consciência de que a evolução cognoscitiva está não exatamente em descartar, mas em

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a não ser isso, alinhando-se, desse modo, a toda uma vigorosa forma de pensamento relacionada principalmente aos nossos dois últimos séculos.

A utopia é uma questão importante da modernidade debatida por Octavio Paz. Para o autor (1990, p.33), as grandes revoluções que propiciaram o surgimento da história moderna encontraram inspiração no pensamento do século XVIII, porque essa centúria foi próspera em uma série de projetos de reforma social e também em utopias. Não podemos negar que a racionalização da vida foi, sem dúvida alguma, um projeto utópico. É certo que, pelas utopias, o mundo cometeu várias injustiças, mas, de qualquer forma, a utopia, mal ou bem, nos trouxe ao lugar em que estamos agora. Foi, graças à utopia, que foram realizadas as ações e os sonhos ambiciosos da modernidade. Paz (ibidem) acredita que as utopias do século XVIII foram o grande estímulo que conduziu os rumos da história dos séculos XIX, XX e, por que não dizer, também entusiasma as aspirações do século XXI, já que, sem algum tipo utopia, não é possível existir. A utopia tem tudo a ver com a crítica; ela é, na realidade, a sua outra face. Assim sendo, para Octavio Paz (ibid.), quem elabora uma crítica está propondo alguma esperança utópica; somente uma idade crítica tem condições de idealizar utopias. Como sonhos ativos da razão, as utopias pretendem e, algumas vezes, conseguem

transformar-se em revoluções que mudam o caminho da história de nações e povos. A utopia, para Paz (ibid., p.34), é outro traço característico da Idade Moderna, que denota a importância que o futuro ocupa na vida do homem. O melhor não se encontraria no passado tampouco no presente, ainda estaria por vir no porvir.

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e o homem avançaram, mudaram e, em um e em outro ponto, evoluíram significativamente. No entanto, o problema é que essas transformações em lugar de nos conceder o sentimento do otimismo, acabaram legando-nos enormes preocupações, na medida em que não conseguimos confiar nelas plenamente. Por exemplo, o que devemos pensar da engenharia genética, da energia atômica, da informática e da tecnologia? Essas áreas do conhecimento, junto à uma série de esperanças e utopias, causam e ainda vão nos provocar inumeráveis angústias e perturbações que muitos escritores estão discutindo nas diversas obras artísticas e filosóficas de nosso tempo.

2.1.1. A recepção da época moderna na cultura espanhola

A modernidade, como um fenônemo abrangente que vai influenciar toda a Europa, tem semelhantes reflexos na história social e cultural espanhola. Dizemos semelhantes, visto que, de acordo com Eduardo Subirats (1987, p.94), desde o século XV, a Espanha não acompanhou diretamente os fenônemos culturais, entre eles as correntes religiosas e filosóficas, que desaguaram na cultura moderna. A modernidade filosófica de teor humanista e os desejos de liberdade e autonomia do sujeito foram experimentados, por grande parte da cultura espanhola, como

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3. UM CONCEITO DIFERENTE DO TRÁGICO

Em determinados momentos de impotência e angústia diante da implacabilidade da existência, a crença espiritual torna-se cada vez mais apremiante na vida do homem e o faz dar-se conta de que a ciência e o pensamento racionalista não são suficientemente competentes para sanar as suas mais íntimas necessidades. O político e ensaísta peruano José Carlos Mariátegui profere que:

Ni la razón ni la Ciencia pueden satisfacer toda la necesidad de infinito que hay en el hombre... No se vive fecundamente sin una concepción metafísica de la vida. El mito mueve al hombre en la historia... La historia la hacen los hombres poseídos e iluminados por una creencia superior, por una esperanza superhumana... Los motivos religiosos se han desplazado del cielo, a la tierra. No son divinos, son humanos, son sociales. (MARIÁTEGUI, J. C., In: SKIRIUS, J., 1994, p.22)

Indissociavelmente à ideia da modernidade e dos limites do racionalismo, aparece o conceito do trágico que, tendo suas origens milenares evidentemente na tragédia, desfrutou dentro da história de momentos de clímax e opacidade. Ao lado das incertezas de uma definição ocidental com respeito à tragédia como uma emoção, uma atitude ou um gênero, existe a forte crença de que o estado trágico surge na representação de uma vivência histórica muito particular, na qual provavelmente uma fragilidade religiosa, social, política e cultural estão acentuadas.

Com base nos estudos de Peter Szondi (1994, p.175), podemos afirmar que Aristóteles pensou em uma poética da tragédia, mas foi Schelling, no final do século XVIII, quem idealizou uma filosofia do trágico. A partir dessa constatação, é possível inferir que a filosofia do trágico nasceu de uma recepção da poética de Aristóteles e, reinventando um processo originário de transformações, ela vai se modificando ao longo do tempo, sempre adquirindo uma nova representatividade, em um movimento mimético de abstração do conhecimento, que legará sempre o aprendizado prazeroso da descoberta reveladora. De acordo com Szondi (ibidem, pp.175-178), portanto, a tragédia possui dois pontos de vista diferentes: a poética da tragédia e a filosofia do trágico. Em Aristóteles, funda-se uma tradição de

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favorecendo, na verdade, o estudo da técnica poética em geral. O que nos interessa nesse trabalho, entretanto, é justamente a filosofia do trágico como uma manifestação de uma determinada sabedoria ou perspectiva do mundo que a modernidade vai preferir chamar de trágica.

Dessa maneira, nos últimos dois séculos, mas, sobretudo, no século XX, sob os efeitos de uma construção moderna, a noção do trágico sofreu reajustes no panorama da cultura ocidental, sendo alvo da atenção de filósofos, escritores literários e pensadores em geral. No bojo dessa reformulação, é evidente que se mantiveram peculiaridades intrinsecamente ligadas ao vocábulo original em questão, em que se sublinha a sua relação com uma imagem de perigo, ameaça, violência, além da sensação da iminência de um destino fatal inevitável, de uma derrota implacável e da própria morte, ou seja, existe uma conexão com uma efetiva visão trágica do mundo, a qual é negociada constantemente a partir de uma contingencialidade. A percepção trágica do homem com respeito à sua mortalidade é um sentimento que o aflige sobremaneira justamente pela consciência da impossibilidade de reverter tal situação escatológica. De modo assustador, talvez a morte seja realmente a única barreira trágica que o homem ainda não conseguiu transpor verdadeiramente e talvez, enfim, esse seja o motivo

pelo qual o tema provoque tanto encantamento na esfera filosófica, literária e em outros campos do saber. O trágico é potencializado a um patamar de procedimento estético na literatura, colaborando com a construção de um ideário metafísico, que pretende estabelecer determinadas reflexões sobre a condição humana, sobre o espaço que ocupamos no mundo.

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ser, ou a totalidade dos entes, a totalidade do que existe.” (MACHADO, R., 2006, p.44) Essa impressão resultante das consequências da modernidade apresenta conexões com o advento da secularização e da decepção do homem em relação ao mundo e aos rumos seguidos pela civilização, corroborada pela crescente mecanização da natureza e pela minimilização do ser humano.

3.1. A representação do herói trágico no mito do escritor

No âmbito literário espanhol, ao lado de outros nomes de vulto no espaço europeu como Shakespeare e Racine, o sentimento trágico apresentou uma profícua substantividade com as obras de Cervantes (1547-1616), Lope de Vega (1562-1635), Calderón de la Barca (1600-1681), Galdós (1843-1920), Unamuno (1864-1936) e García Lorca (1898-1936), só para citar cronologicamente alguns dos ícones da cultura literária à qual pertence María Zambrano. Importante é salientar que, sob outra óptica histórica, os alicerces que motivaram a criação literária européia romântica e pós-romântica revelaram que o século XIX e o século XX continuaram com uma tendência de perspectiva trágica tanto na Europa como na Espanha, seguindo uma forte herança deixada por escritores precedentes. Na realidade, esses dois séculos também foram tragicofílicos. Enfim,

indubitavelmente, os termos ‘tragédia’ e ‘trágico’, com o passar dos tempos e das experiências do homem em seu contexto, resignificaram-se em diversos panoramas cotidianos da existência, recebendo, desse modo, interpretações distintas conforme os momentos históricos vivenciados, sem se relacionar precipuamente com as suas remotas procedências. Com outras leituras, na modernidade, o conceito do trágico foi revitalizado e utilizado como indício sintomático da problematização do homem. O escritor, no papel de um intelectual que pensa sobre a sociedade, a história e a cultura, muitas vezes, aparecerá como um herói que buscará compreender as opções que fizeram o homem, quiçá, inevitavelmente, trilhar certos caminhos e não outros, respondendo às necessidades da condição humana dentro dessas respectivas ‘atualidades’, melhor ainda, em consonância com o tempo a partir do qual se reflexiona.

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discurso, em que irrefutavelmente aparece, como já abordamos antes, a poética do eu heróico. Rafael Argullol (1990, p.13) anuncia que o trágico implica uma contemplação heróica do homem, pois esse difícil entendimento da limitação da existência humana somente poderia provocar um sentimento de resignação, caso não estivesse acompanhada de uma ‘vontade heróica’ em relação àquilo que, em princípio, não se poderia ter em relação ao que se acredita ilimitado. Essa identificação do artista com a figura do herói trágico é o que confere maior veracidade e caráter moderno ao texto e cria uma consciência nova e revolucionária da concepção do mundo. Para Argullol (ibidem, pp.17, 21, 22, 23), o pensamento trágico moderno é desenvolvido desde o movimento romântico, no qual a revitalização do sujeito tem a intenção de indicar a retomada de uma ideia renascentista, que vislumbrava ilusoriamente o homem como unidade de poder, de conhecimento e de subjetividade contrastadas tragicamente com as frustrações da impotência, do mistério e da natureza não domesticada. Em sua obra, María Zambrano não deixa de responder aos critérios estéticos de uma intelectual moderna, que autoprojeta, no século XX, a figura do herói trágico dentro da representação de um mito de escritor, a fim de expressar as suas vivências pessoais, o seu país e a Europa, a partir de um testemunho particular sob a forma

de ensaio, capaz de exprimir as suas reflexões originadas de um caudaloso e rico conjunto de leituras filosófico-literárias.

3.2. A razão poética como método de reconciliação

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transcendê-la, posto que a existência compõe um universo desejoso por confidenciar infinitas e insuspeitadas revelações. Em contraposição aos presságios de guerras na Europa e de difíceis tempos de ditadura, a linguagem artística, a razão poética de María Zambrano ocupa um lugar privilegiado ao oferecer explicações da realidade em uma relação de significado diferenciada. Dentro de um contexto ocidental, a opção estética zambraniana denota uma leitura política, ética e social de seu país, que necessita urgentemente exteriorizar-se por meio de uma liberdade enunciativa da escritura ensaística, crítica e poética, como um modo de reforçar os seus questionamentos com referência à história.

María Zambrano, em “Adsum” (1955, In: ZAMBRANO, M., 1987a, pp.3-7), exibe uma experiência de declaração do eu, a partir da exposição da sua criação literária, que conjuga pensamento-conhecimento e invenção-teatralização da referencialidade escritural ao dissertar sobre a sua profunda vocação filosófica, onde a morte e o nascimento metaforizam o signo trágico da existência oriunda do desejo divino.

Había querido morir, no al modo en que se quiere cuando se está lejos de la muerte, sino yendo hacia ella. No la había llamado, simplemente debió de ponerse en marcha por el camino que a ella lleva o quizá equivocarse; quizá fue que cayó en una trampa o que se fió de un espejismo; un error. Y el error se paga con la muerte. Por eso es inexorable morir para todos. También porque nunca se ha estado vivo del todo ni sea posible estarlo. [...] La tragedia única es haber nacido. Pues nacer es pretender hacer real el sueño. Nacer es realizar o pretender realizar el sueño de nuestros padres; el sueño de Dios inicialmente. (ZAMBRANO, M., 1987a, pp.3, 4)

Em “Adsum”, a autora comenta alguns de seus escritos, à primeira vista mais sobressalentes, na Revista de Occidente. O primeiro texto que menciona é

Referências

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