• Nenhum resultado encontrado

O desamparo do homem

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 164-167)

7. A EXPERIÊNCIA INTELECTO-EMOCIONAL DO EXÍLIO

7.1. O desamparo do homem

No texto que abre o livro, que a autora considera servir como um prólogo, ela vai relatando a sua saída difícil da Espanha em 1936, no qual representa o desamparo trágico do homem exilado. Ela conta essa passagem da sua vida, a nosso ver, para nos mostrar que assim como ela nascia para uma nova vida no exílio, Filosofía y poesía também nascia, afirma a autora, em um momento em que tudo era adversidade e impossibilidade, ainda mais quando, alguns meses depois, María Zambrano e seu marido, ao regressarem a Espanha, viram derrotadas as causas republicanas pelas quais lutaram com a implantação da ditadura franquista. Isso lhe inspira refletir, por meio da literatura, sobre o fato de que o pensamento e a poesia afrontam-se continuamente ao longo da cultura espanhola e constituem duas partes misteriosas e insuficientes do homem, que são o seu caráter filosófico e poético. Não é possível encontrar inteiramente o homem

na filosofia, tampouco na poesia, ele somente pode ser descoberto na conjugação dessas que seriam suas duas metades em busca de uma união original. Zambrano diz exatamente isso:

[...] es que hoy poesía y pensamiento se nos aparecen como dos formas insuficientes; y se nos antojan dos mitades del hombre: el filósofo y el poeta. No se encuentra el hombre entero en la filosofía; no se encuentra la totalidad de lo humano en la poesía. En la poesía encontramos directamente al hombre concreto, individual. En la filosofía al hombre en su historia universal, en su querer ser. La poesía es encuentro, don, hallazgo por gracia. La filosofía busca, requerimiento guiado por un método. (ZAMBRANO, M., 1987e, p.13)

Parece-nos interessante a análise de Eduardo Subirats no sentido de que, ao mencionar a obra de Miguel de Unamuno, uma das grandes influências de María Zambrano, o autor chama a atenção para o fato de que Unamuno critica a insubstancialidade, a carência de identidade e de profundidade no histórico pertencente ao pensamento cartesiano juntamente à era iluminista dos conhecimentos modernos. Em vista disso, continua Subirats, a obra unamuniana busca o fazer poético como uma reação a um mito construído na modernidade que é o da ausência ou da superficialidade no tratamento das coisas e do espírito. Um pouco mais tarde, Ortega y Gasset recuperará a mesma problemática questionada por Unamuno, que engendrará uma falta com referência a um passado de substância, identitário e com densidade histórica e poética. María Zambrano segue, em outro tempo, o mesmo percurso de seus ídolos escritores.

Y la poesía pura fue a establecer desde el lado opuesto del romanticismo pero con más profundidad, con más derecho, diríamos, el que la poesía lo es todo. Todo, entendamos, en relación con la metafísica; todo, en cuanto al conocimiento, todo en cuanto a la realización esencial del hombre. El poeta se basta con hacer poesía, para existir; es la forma más pura de realización de la esencia humana. (ibidem, p.84)

María Zambrano, em Filosofía y poesía, vai contrapor a razão filosófica a uma necessidade poética urgente dentro dos tempos modernos. Como Unamuno e Ortega, a ensaísta defenderá a necessidade de superar os excessos do ideário racionalista, visto que, com ele, estão afetados os intensos valores religiosos, éticos e mitológicos da cultura tradicional espanhola. A atitude poética atenderá a esse propósito em María Zambrano que se aliará a um pensamento racional de teor filosófico, cujo objetivo será não perder de vista uma série de importantes fatores

subjetivos e religiosos fundamentais para a formação moral, histórica e espiritual da pessoa, que é o que Unamuno, Ortega e, em seu tempo, Zambrano insistem em reivindicar o seu devido lugar, o seu lugar de direito na sociedade moderna. Por isso, é que esses autores, seguindo um parâmetro de análise filosófico-poético, discutem os possíveis motivos da ruptura entre toda uma tradição histórica, sobretudo, espanhola e o advento da modernidade. Conforme afirma Eduardo Subirats, essa é a grande temática que distingue a cultura do século XX e contemporânea. A proposta orteguiana de unir razão e vida, como também a de María Zambrano em sintetizar razão e poesia pretende reconstruir o espaço religioso no complexo contexto cultural do homem moderno. Tentativa filosófica de extrema dificuldade, como é o lugar da filosofia nos tempos mais recentes de avassalador progresso científico-tecnológico, porém, como o intelectual se caracteriza por certa heroicidade trágica, ele luta mesmo de cara à falência contra um cenário que se lhe apresenta totalmente adverso. Pois bem, isso nos faz recordar uma das máximas unamunianas que diz que o importante é lutar, mesmo sem esperança de vencimento. Essa é a função ética, social e histórica da filosofia e da poesia. Juan Fernando Ortega Muñoz (1994) profere que ao mesmo tempo em que na poesia vemos surgir naturalmente o homem concreto ou, como diria Unamuno, de carne e osso no uso da palavra, na filosofia, a razão dispõe organizadamente a realidade dentro de uma estrutura, para que a mesma possa ser entendida de maneira mais lógica e racional. Zambrano coloca que desde Platão, existe esse enfrentamento entre filosofia e poesia, que resultava em uma vitória da filosofia e uma condenação da poesia. Desses dois pólos, ainda nasce um terceiro efeito que seria o da revelação. Em Filosofía y poesía, a autora aborda o livro VII de A República, onde Platão apresenta o mito da caverna e assenta que a filosofia, neste simulacro, origina-se da violência, que, ao lado da admiração, constitui uma dualidade originária de toda a filosofia para Zambrano.

Y ahora ya, sí, admiración y violencia juntas como fuerzas contrarias que no se destruyen, nos explican ese primer momento filosófico en el que encontramos ya una dualidad y, tal vez, el conflicto originario de la filosofía: el ser primeramente pasmo extático ante las cosas y el violentarse en seguida para liberarse de ellas. Diríase que el pensamiento no toma la cosa que ante sí tiene más que como pretexto y que su primitivo pasmo se ve en seguida negado y quién sabe si traicionado, por esta prisa de lanzarse a otras regiones, que le hacen romper su naciente éxtasis. La filosofía es un éxtasis fracasado por un desgarramiento. (ibid., p.16)

Como lemos, a filosofia, pensa María Zambrano, é um êxtase fracassado por esse ‘desgarramento’ da admiração inicial provocado pela posterior brutalida- de da inflexível razão, é como a dor de um nascimento para o novo, basta saber para o que se está nascendo e por que, aí está o espírito de revelação que a filoso- fia e a poesia, tensionadas pela força violenta unificante e segregadora, que busca o descobrimento de uma verdade, suscitam. Todo o interesse de María Zambrano está em, a partir de uma forma de expressão original, cultivar, na meditação filo- sófica, reflexões sobre a realidade do homem que a ciência moderna condenou tra- gicamente à solidão. O caminho a ser percorrido é aquele que o sujeito busca o que não se possui, mas que precisamos como uma necessidade irrenunciável. O homem é um ente inacabado e inconcluso, cuja situação de imperfectibilidade des- de os primeiros tempos faz com que a poesia encontre uma vasta e rica temática, provocadora de fascínios e eternas dúvidas. De fato, o lavor poético é impensável sem a oscilação da presença e da ausência de uma subjetividade que vai organi- zando-se, perdendo-se e reencontrando-se nos labirintos de uma linguagem simbó- lica, que anseia ceder voz ao(s) outro(s), como requisito sine qua non para a des- coberta de si própria.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 164-167)