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Episódio 01: Construção dos combinados – 2ª sessão de leitura (28/10/10)

P. T.: Se o colega daqui está falando, eu vou ter que estar escutando

3. A CHAVE HISTÓRICA DA LEITURA, DA LITERATURA E DO LIVRO

3.3 A CHAVE DO FUTURO DA LEITURA, DA LITERATURA E DO LIVRO

A leitura do futuro está sendo construída desde o momento em que a invenção da escrita encaminhou o encontro do leitor com um texto materializado em palavras. Embora as práticas leitoras tenham se transformado de modo significativo, a essência do ato de ler continua a mesma, ou seja, trata-se de mais uma história sobre a necessidade do homem de interagir e de buscar realizações na linguagem verbal e visual.

Apesar disso, é relevante perguntarmo-nos sobre o futuro da leitura, dos leitores, dos livros e, é claro, da literatura. Sobreviverão estes frente às novas tecnologias? Que projeções futuras podemos fazer, considerando as transformações que vêm ocorrendo em torno das práticas leitoras?

Na sociedade atual, dita a era da informação, temos testemunhado muitas inquietações por parte dos pesquisadores e estudiosos, que lançam previsões apocalípticas e preocupantes acerca da persistência da leitura, da durabilidade do livro e da literatura, em meio às concorrências virtuais, digitais e tecnológicas que se apresentam.

Contudo, a história do ato de ler nos ensina que leitura e informação sempre conviveram de forma harmônica, com vistas à comunicação. A diferença que presenciamos hoje é que essa comunicação está mais rápida, ao ponto de ser instantânea, relativamente mais confiável, barata, irrestrita e acessível a todos que possam acessar a internet. Com o amplo uso do computador para a produção e a recepção das informações, crescem as publicações virtuais e impressas e surgem

novas bibliotecas, comparáveis à de Alexandria, e livrarias no universo digital da rede.

Todos que utilizam um PC podem acessar o mundo de casa ou da escola, quase sempre fazendo algum tipo de uso da leitura e da escrita. Essa novidade permite a existência de uma comunidade universal de leitores com interesses e opiniões semelhantes. Quem sabe vivemos afogados numa maré de informações, mas desde que nos sintamos “conectados” como cidadãos da rede, já não parece mais que estamos navegando sozinhos (FISCHER, 2006, p. 281).

Diante do excesso de informações, impõe-se o desafio mais angustiante da pós-modernidade: a formação crítica de um leitor com capacidade para administrar, selecionar, analisar e compreender as palavras acessadas em nome de uma liberdade indiscriminada. Esse fato aumenta a responsabilidade dos formadores de leitores, uma vez que, com o aumento dos índices mundiais e internacionais de alfabetização (PISA, 2011; MEC, 2011), “a escrita nunca teve um público tão numeroso. E será ainda maior no futuro” (FISCHER, 2006, p. 282).

Com as drásticas mudanças no contexto leitor, importa-nos relembrar que a leitura está na origem da linguagem que, por sua vez, está na constituição da capacidade humana de se comunicar e de interagir com o mundo. Essa afirmativa remete-nos a uma situação de paradoxo, em que constatamos, de um lado, a valorização da leitura e o crescimento de leitores, com o registro de formas inovadoras e variadas de ler e, de outro, a provável fragilidade da leitura, na perda de suas referências convencionais e na ameaça do fim da era do livro e da literatura. Os diagnósticos são tão pessimistas que chegam mesmo a anunciar “sua substituição por equipamentos mais desenvolvidos tecnologicamente e a soberania de formas de comunicação eletrônicas, capitaneadas pelo uso do computador e o fascínio exercido pela internet” (ZILBERMAN, 2001, p. 16).

Nessa situação paradoxal, molda-se, em um futuro já presente, um acordo tácito e um “padrão virtual” entre os leitores que compartilham das novas tecnologias em uma realidade sistêmica e comum a todas as sociedades do mundo pós- moderno. A leitura, por sua vez, como ato de compreensão, continua central, intacta e constante, sendo que

as concepções de que é objeto e a valorização que seu exercício recebe modificam-se por razões de ordem teórica e ideológica. [...] Por sua vez, as práticas de leitura estão em permanente transformação, variando com os grupos sociais, as faixas etárias, os gêneros. As mudanças, por que passam os suportes de escrita determinam igualmente alterações nos modos de leitura dos textos, que podem variar da leitura silenciosa à leitura em voz alta e, neste caso, da leitura tartamudeante à leitura corrente e expressiva do bom leitor (LAJOLO; ZILBERMAN, 2009, p. 29).

Sendo assim, o procedimento inaugurado há milhões de anos, em uma antiguidade do ato de ler, vê-se diante de transformações que culminam com revoluções no texto e nos suportes que o carregam e que definem sua silhueta, no sujeito leitor e no próprio ato, que reúne em sua constituição histórica, presente, passado e futuro, pois, afinal, as previsões futurísticas também têm produzido alterações determinantes nas práticas leitoras.

Pondera-se, então, sobre a necessidade de um conceito de leitura que possa abarcar as novas exigências e a variabilidade do que significa ler, em um tempo no qual o texto “ataca” o leitor, “engolindo-o” e modificando-se, antes mesmo que esse leitor possa atualizá-lo e compreendê-lo. Na tentativa de explicar esse “potencial eclético” da leitura do futuro, teóricos desdobram-se em criar subcategorias de leitura e múltiplos perfis de leitores, tais como a leitura informativa, a leitura profissional, externa, pessoal, cultural, literária, virtual, religiosa, ritualística, dentre outras (FISCHER, 2006).

Na tentativa de construir um conceito de leitura, em uma perspectiva contemporânea, os teóricos dividem-se. De um lado, há aqueles que consideram toda a abrangência desse ato, demarcando-o como um processo discursivo, resultante de uma construção social, histórica e ideológica, o que significa que o ato de ler, em si, está amplamente modificado pela globalização, pelo consumismo desenfreado e pelo bombardeio multimidiático (CORACINI, 2005). De outro lado, temos os teóricos que enxergam com otimismo os novos modos de ler, assumindo a leitura como um processo virtual e “mutante”, com variações necessárias aos novos tempos, tais como Hayles (2009) e Santaella (2004).

Em nossa proposição de diálogo entre a leitura, a literatura e a multimídia, apostamos na convivência entre uma perspectiva histórica e atual do ato de ler, pois sua constituição e o modo como esta se apresenta, hoje, revela uma essência

complexa e aplicável a diferentes épocas; qual seja um ato de pensamento e um exercício de compreensão, um convite à desautomatização do cotidiano e do pensamento vigente, independente do suporte que carrega o texto e do leitor que o realiza.

Com essa base, é muito conveniente para o leitor e para o formador desta época que leitura, multimídia e informação convivam harmonicamente, pois, afinal, a leitura religa o homem ao seu passado histórico, ao mesmo tempo em que revitaliza a escrita, reafirma o propósito da linguagem verbal materializada em texto escrito, viabiliza e amplia os processos de comunicação e, principalmente por meio da literatura, conecta o homem à sua dimensão humana, acionando-a em um tempo em que ela se faz mais necessária.

Essa concepção não reflete um princípio inovador, mas sim um eco de conceituações apontadas como relevantes, ao longo dessa arqueologia da leitura, tais como a concepção de leitura de Smith (2003) e a de Yunes (2002). O que fica evidente é que a leitura, de certa forma, continua a desafiar o leitor em um convite de parceria, em uma relação de codependência, já que o texto continua a precisar do leitor para ganhar existência e movimento.

Frente à constância da dimensão colaborativa do ato de ler, cabe-nos perguntar o que verdadeiramente tem se modificado nessas práticas e o que se tem mantido permanente. Assim, é relevante indagar: o que podemos anunciar para o futuro da leitura, diante do prenúncio de que o livro e a literatura serão extintos?

As profundas mudanças nas práticas leitoras marcam, definitivamente, o fim de uma civilização tipográfica, que acontecia de maneira linear e progressiva, e o início da civilização eletrônica, a qual cria uma cultura dominada e conceituada pelo avanço tecnológico, de modo instantâneo e circular (MARTINS, 1996).

Na civilização eletrônica, com as novas técnicas de impressão e a adesão aos meios tecnológicos, surgem novos tipos de livros, tais como os e-books, audio- books, dentre outros, com recursos que possibilitam a leitura ágil e confortável que os aproximam do suporte impresso.

Assim como os livros não terão uma forma padronizada, a biblioteca dos leitores dos novos tempos será um dispositivo variável, com capacidade para o armazenamento de uma grande quantidade de livros, ou seja, uma biblioteca portátil e disponível para o download de mais de 500 volumes, que os torna acessíveis e duráveis. Com isso, prevemos uma mudança radical no conceito de biblioteca

(desde que a Biblioteca de Alexandria foi queimada) uma vez que ela passa de instituição social de uso coletivo para “um objeto de uso pessoal”, com significativas mudanças em sua disposição espacial.

Figura 15: livro eletrônico de baixa luminosidade (Fonte: internet. Acesso: Mar.;

2010)

Figura 16: livro eletrônico que funciona como uma biblioteca virtual, com capacidade para

500 títulos (Fonte: internet. Acesso: Mar.; 2010).

Partindo desse preâmbulo e de toda discussão história já desenvolvida, podemos afirmar que os livros não serão extintos, mas sim passarão por transformações com vistas ao atendimento de uma civilização que busca a rapidez na comunicação e a acessibilidade em um lugar comum a todos pertencentes a uma “aldeia global”.

Sobre o suposto fim do livro, Umberto Eco e Jean-Claude Carrière (2010) afirmam que os leitores do futuro não devem contar com esse fim, pois

de duas, uma: ou o livro permanecerá o suporte da leitura, ou existirá alguma coisa similar ao que o livro nunca deixou de ser, mesmo antes da invenção da tipografia. As variações em torno do objeto livro não modificaram sua função, nem sua sintaxe, em mais de quinhentos anos. O livro é como a colher, o martelo, a roda ou a tesoura. Uma vez inventados, não podem ser aprimorados. [...]. O livro venceu seus desafios e não vemos como, para o mesmo uso, poderíamos fazer algo melhor que o próprio livro. Talvez ele evolua em seus componentes, talvez as páginas não sejam mais de papel. Mas ele permanecerá o que é (ECO; CARRIÈRE, 2010, p. 17).

Com esse veredicto, os autores atestam a superioridade do livro na coexistência entre os usos e costumes de leitores de outras civilizações e da civilização eletrônica, em situações nas quais se alargam as possibilidades de

leitura, em acessos às telas que se abrem para bibliotecas universais e digitalizadas. Além disso, confirmam que o livro, em seu modo convencional, é o suporte que melhor atende às exigências dos leitores do futuro, visto que não é efêmero, não necessita de conexão ou de eletricidade, não corre o risco de se tornar obsoleto, isto é, já se reafirmou como a invenção perfeita e imutável para o ato de ler, de modo que não é possível ir mais longe.

Isso reforça o fato de que o livro não morrerá e a leitura, por sua vez, não está no fim de sua história, mas no começo de uma era em que nunca tivemos tanta necessidade de ler e de escrever, e em que nunca vivenciamos práticas de leitura e de escrita tão complexas e expandidas. Nesse contexto, o ato de ler é determinado por seu passado e por sua constituição histórica, diante de uma nova configuração socioeconômica que a lança em um sistema que, ao invés de o substituir, reafirma- o, colocando-o na centralidade das novas culturas porque

se a leitura corresponde a um universo que envolve um sistema econômico e um processo de comunicação, de que participam pessoas (escritores e leitores), classes sociais (capitalistas e trabalhadores), categorias profissionais (impressores, editores, publicitários), tecnologias e objetos, o livro equivale a sua faceta material. Dada sua natureza, ele outorga materialidade às ações que faculta, de que se contaminam a escrita e também a leitura, como se retornasse ao início do caminho, desenhando uma circunferência. [...]. A lógica do capitalismo, fundada na obsolecência programada, sugere que o livro não vai desaparecer, porque encontrará seu nicho no sistema (ZILBERMAN, 2001, p. 113).

Frente a essa perpetuação do livro, Martins (1996, p. 259) traça um comparativo entre a leitura em meios impressos e em meios eletrônicos. A leitura impressa requer habilidade para ler, é experimentada individualmente, é absorvida em pequenas doses, tem difusão relativamente lenta, pode ser relida e verificada, tem produção relativamente barata (mas cara para o consumidor) e criada para as minorias. Em confronto, a leitura eletrônica não requer informação especial, é experimentada usualmente em companhia, é absorvida em altas doses, tem difusão rapidíssima, é geralmente indisponível para a reobservação; tem produção caríssima (mas é relativamente barata para o consumidor) e é criada para as massas.

Com base nesse comparativo, compreendemos que o leitor dos tempos que ainda não chegaram modificará o campo da leitura e será modificado por ele. Como consequência dos estudos na área da leitura e da literatura, o leitor do futuro será mais considerado em sua atividade de ler, pois

graças a esse esforço, o leitor alcança o estatuto de proprietário. [...] Com isso, equipara-se ao autor, até então detentor único dos direitos sobre a criação artística; e, quando isso acontece, faculta-se a permissividade, e o leitor pode intervir o que lhe estava vetado. O fato ocorre, quando a leitura parece condenada a desaparecer, e da era do livro anuncia-se o fim. A até então desprestigiada figura, embora majoritária e dona dos meios de produção que lhe permitem consumir bens circulantes por meio da palavra e designados artísticos, alcançou a posição de destaque que lhe era vedada (ZILBERMAN, 2001, p. 104).

Assim, ao assumir a centralidade do ato de ler, como sujeito que o torna possível e que produz os seus meios, o leitor, ao exercer seu papel, amplia as possibilidades de leitura, inaugurando novos modos, construindo e recebendo novos suportes e interagindo com o texto em um novo tempo e em um novo lugar, de modo que, ao ser percebido como protagonista, não contribui para o fim do livro e para a fragilidade da leitura; pelo contrário, fortalece-o em novas experiências e ressignificações.

Dentre as caracterizações do leitor dos tempos que virão, os autores convergem para um novo modelo, resultante de um posicionamento assumido pela estética da recepção, a qual rompeu com um leitor padrão e delineado pelos autores e pelos críticos das obras para oferecer às teorizações um leitor real e contemporâneo, que embora esteja implícito nas estruturas do texto, é sujeito de uma construção determinada por sua carga pessoal (ISER, 1996).

Nessa lógica, Santaella (2004) chama a atenção para o fato de que o leitor da atualidade modifica seu modo de ler, conforme os protótipos que suportam os textos e as experiências que vivenciam na civilização eletrônica. Assim, ele lê de modo diferente porque, em si, ele é diferente, com aptidões e habilidades próprias dos modos de interação vigentes, assim como interage com suportes diferentes dos livros de outras épocas, o que define, de modo significativo, a relação e o desempenho do seu papel. Trata-se, portanto, de um produtor nômade, que “perambula”, que busca interesses e recolhe fragmentos em uma composição híbrida e autoral.

Roger Chartier (1998), ao situar a revolução do livro, com o surgimento do texto eletrônico, também aponta para as mudanças dos leitores, com base na forma como os textos se apresentam em suas possibilidades pragmáticas, já que o leitor de hoje e de amanhã recorre muito à tela, e “a inscrição do texto na tela cria [...] uma estruturação do texto que não é de modo algum a mesma com a qual se defrontava o leitor em rolo, da antiguidade, ou o leitor medieval, moderno e contemporâneo do livro manuscrito ou impresso” (CHARTIER, 1998, p. 12).

Nessa visão, o leitor de hoje é mais livre e mais distanciado da materialidade do escrito, devido à mediação da tela e de outros periféricos integrados. A despeito dessa distância mediada, ele reage ao texto como receptor singular, como crítico e como autor, com amplas possibilidades de expressar sua recepção aos textos e de intervir no espaço do texto e das discussões que o circundam e, assim, “cada leitor, cada espectador, cada ouvinte produz uma apropriação inventiva da obra ou do texto que recebe” (CHARTIER, 1998, p. 19).

Miguel Rettenmaier (2009) descreve o leitor como um hiperescritor, o homo zappiens, que dispõe de habilidades específicas, decorrentes das vivências na era da informação fragmentada e dispersante, as quais possibilitam não apenas que ele tome posse do texto, mas que também o constitua em novas articulações e ressignificações.

De modo simples, poderíamos definir o leitor do futuro como o internauta, cujo número no Brasil aumentou para 12 milhões, somente em 2009 (IBGE, 2012); aquele que navega pela rede e realiza a leitura flutuante e híbrida, em uma composição pessoal, no tráfego por hipertextos e hiperlinks que abrem novas telas e vão construindo um texto de acesso particularizado, conforme os interesses desse leitor. São formas de ler adequadas aos novos suportes.

Em meio a tantas definições que buscam compreender os leitores pós- modernos, contemporâneos, os chamados neoleitores, o importante é ter em vista que esses sujeitos foram constituídos na história do ato de ler, conforme o valor e a concepção do que representa a prática leitora, o livro, o texto e o próprio leitor. Dessa maneira, a história dos leitores e de suas recepções ao texto versa sobre a história da leitura e reafirma que o papel do leitor é variável e circunstancial, como admite Chartier (1998, p. 71):

Todo leitor diante de uma obra a recebe em um momento, uma circunstância, uma forma específica e, mesmo quando não tem consciência disso, o investimento afetivo ou intelectual que ele nela deposita está ligado a este objeto e a esta circunstância. Vemos, portanto que, de um lado, há um processo de desmaterialização que cria uma categoria abstrata de valor e validade transcendentes, e que, de outro, há múltiplas experiências que são diretamente ligadas à situação do leitor e ao objeto no qual o texto é lido.

Nesse sentido, os textos ou objetos de leitura sofrem mutações, intervêm na forma de ler e no exercício do papel do leitor. Essas obras que durante muito tempo eram organizadas em códices e em pergaminhos reunidos pelo dorso, passam a ser constituídas por materiais permanentes e de natureza essencialmente eletrônica.

Dada a necessidade de energia elétrica dos novos meios de leitura, muitos teóricos, dentre os quais destacamos Eco e Carrière (2010), consideram-nos obsoletos e frágeis para a substituição de um objeto que convive com o homem por cerca de quinhentos anos, dominando as práticas leitoras. Na verdade,

nem temos certeza de que no futuro disporemos de energia suficiente para fazer funcionar todas as nossas máquinas [...]. Sem eletricidade, está tudo irremediavelmente perdido. Em contrapartida, ainda podemos ler livros, durante o dia, ou à noite à luz de vela, quando toda herança audiovisual tiver desaparecido. [...] Sempre nos restará o livro (ECO; CARRIÈRE, 2010, p. 31).

Outro fator que pode desfavorecer os novos suportes de leitura refere-se às constantes mutações a que as obras são submetidas, as quais já são previstas em contratos no ato de suas publicações. Assim, o texto é lançado em forma de impresso, mas se pode transformar em audiobook, cd-rom, livro eletrônico e até vídeo adaptado para cinema. Com isso, perde a identidade e sua marca de suporte constituído em uma silhueta, lançando-se como produto de linguagem verbal e visual multiforme ou disforme, em um processo “de englobar todas essas formas para unificá-las ainda que as desmaterializando” (CHARTIER, 1998, p. 71).

Nesse contexto de mudanças futuristas, também não temos a convicção de que as novas técnicas de produção, que tornam os livros mais atrativos e aparentemente mais interativos, sobrepujarão as técnicas que revogaram no surgimento das obras do passado. Diferentemente, elas ainda parecem instáveis e inviáveis, visto que não são automaticamente absorvidas pelo nosso cotidiano, com

economia de recursos materiais e de aprendizagens, pois “cada nova técnica exige uma longa iniciação numa nova linguagem, ainda mais longa na medida em que nosso espírito é formatado pela utilização das linguagens que precederam o nascimento dessa recém-chegada” (ECO, CARRIÈRE, 2010, p. 39).

Os livros eletrônicos de hoje buscam, em sua essência e em sua funcionalidade, o resgate do livro do passado, em um processo de imitação de sua opacidade, contra a luminosidade inerente às telas digitais, do movimento de folhear as páginas, do som desse folhear e, inclusive, dos formatos com capas e encadernações. A essas características tomadas de empréstimo ao livro convencional, agregam-se outras que são apresentadas como promissoras para os novos usuários, tais como a capacidade de armazenamento, a portabilidade, a durabilidade e o desenvolvimento de novas habilidades que transformam em analfabetos quaisquer leitores que ousarem repelir os novos suportes.

Figura 17: Flipbook ou Flipalbum (Fonte: adaptação da pesquisadora)

A exemplo, temos o flipbook ou flipalbum, que, embora busque uma aproximação com o livro e com outras formas de e-books, ainda conta com a