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Chefe de Estado, Responsabilidade Criminal e Imunidades

Uma Análise do Ponto de Vista do Direito Comparado

II. O Chefe de Estado no Presidencialismo Brasileiro e Norte Americano

5.  Chefe de Estado, Responsabilidade Criminal e Imunidades

No Brasil, a caracterização e os limites da responsabilidade criminal do Chefe de Estado foram previstos pelo texto constitucional, que reconheceu a possibilidade de o Presidente responder por crimes comuns, ou seja, por condutas tipificadas pela legislação penal nacional, desde que: 1) sejam cometidos durante o mandato e com ele possuam ligação2829, nos termos

do art. 86, §4º, CF/88; 2) seja o recebimento da denúncia ou queixa-crime autorizado por 2/3 dos membros da Câmara dos Deputados (art. 86, caput, CF/88) e 3) seja o processo iniciado perante o Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “b”, CF/88).

Uma vez recebida a denúncia pelo STF, o Presidente será afastado de seu cargo por 180 (cento e oitenta dias) – art. 86, §1º, I e §2º, CF/88 – a fim de permitir a conclusão do julgamento que, se não chegar a termo ao final deste prazo, autoriza o retorno do Chefe de Estado à função presidencial. Havendo condenação ao final do processo, o Presidente somente poderá ser preso após o trânsito em julgado da decisão que decretar sua prisão (art. 86, §3º).

28 Essa limitação ficou conhecida pela doutrina como “irresponsabilidade penal relativa” por impedir que, durante o mandato, seja o Presidente processado por atos estranhos ao exercício de suas funções. Pedro Lenza. Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2011; Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2011 and Marcelo Novelino. Direito Constitucional. São Paulo: Método, 2012. Ela é denominada “relativa”, pois, após o fim do mandato, o então presidente poderá responder normalmente pelos crimes comuns que praticou antes ou durante o mandato, mas que com ele não possuíam conexão, mesmo porque, suspenso, durante o mandato, o prazo prescricional da conduta penal. 29 Alexandre de Moraes ao descrever essa hipótese, sustenta, portanto, que o crime precisa ser cometido in officio ou propter oficio.Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2011, p. 514.

Os Poderes do Chefe de Estado nas Ordens Jurídicas Brasileira e Norte-Americana  103 Neste aspecto, a doutrina reconhece a atribuição pelo texto constitucional ao Chefe de Estado da chamada “imunidade formal relativa à prisão”30

uma vez que somente após o trânsito em julgado poderá ser o Presidente preso (evitando-se, portanto, prisões cautelares diversas) –, bem como da denominada “imunidade penal relativa”, que consiste na impossibilidade de responsabilização do Presidente por crimes comuns não relacionados ao mandato enquanto estiver no exercício do cargo.

Assim, verificamos que as hipóteses de responsabilização do Chefe de Estado brasileiro durante o exercício do mandato são extremamente reduzidas.

Para além da responsabilidade criminal, a CF/88 também regulamentou a responsabilidade político-administrativa do Presidente da República nos casos em que “crimes de responsabilidade”31 forem cometidos, punindo-

-os com a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de outra função pública por 8 anos (artigo 52, parágrafo único, CF/88).

Estas penalidades político-criminais32 resultarão de um processo de

impeachment iniciado perante a Câmara dos Deputados que, autorizando a instauração do processo por 2/3 de seus membros (art. 86, caput), suspen- derá o Presidente de suas funções por 180 dias (art. 86, §1º, II, CF/88) e permitirá o início do processo de impedimento junto ao Senado Federal. Este, por sua vez, atuará como Tribunal Político (art. 52, I), receberá o Presidente do Supremo Tribunal Federal para a condução do processo e decidirá pela condenação ou absolvição do Presidente, sempre por 2/3 de seus membros (art. 52, parágrafo único).

Nos Estados Unidos, a Constituição silenciou-se sobre a possibilidade de responsabilização criminal do Presidente e foi bastante mais sucinta ao prever a possibilidade de impeachment do Chefe de Estado, deixando às Cortes e às Casas Legislativas a fixação das especificidades de seu procedimento.

30 . Pedro Lenza. Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 610. 31 Em que pese a utilização da expressão “crime”, as condutas que a eles correspondem possuem natureza político-administrativa e estão elencadas tanto no rol exemplificativo do art. 85 da Constituição Federal, quanto em Lei ordinária (Lei 1079/50).

32 A natureza do processo de impeachment e, consequentemente, da pena dele decorrente são objeto de discussão doutrinária ainda não pacificada. Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2011, p. 504.

Além de abranger o Presidente, o impeachment, segundo o texto cons- titucional ianque, também se mostra aplicável a seu Vice e aos demais oficiais civis33 do país, podendo ser iniciado nos casos de traição (descrita

no artigo 3º seção 3 da Constituição), suborno e outros crimes ou delitos graves34.

Em decorrência de seu processamento e reconhecendo sua natureza eminentemente política (e não criminal), as únicas penas aplicáveis aos investigados, tal como previsto no texto constitucional brasileiro, são a remoção do cargo ocupado e a proibição de exercício de cargos honorífi- cos, de confiança ou remunerados nos Estados Unidos (artigo 1º, seção 3, cláusula 7, CNA).

Conforme determinado pelo artigo 1º, seção 2, cláusula 5, em conjunto com o mesmo artigo, seção 3, cláusula 6 da Constituição norte-americana, à Casa de Representantes caberá o início do processo de impedimento, enquanto ao Senado, presidido pelo Chief Justice, caberá o seu julgamento (exceção à regra do júri prevista no artigo 3º, seção 2, cláusula 3 da CNA) que, caso conte com 2/3 de votos dos membros da Casa, poderá ensejar a remoção do agente de seu cargo.

Note-se, portanto, a semelhança na condução do processo de impedi- mento do Chefe de Estado em ambos os países que envolvem tanto suas casas legislativas, quanto seu Poder Judiciário em sua realização e preveem quóruns similares para o seu processamento e penas idênticas como con- sequência de eventual condenação.

Apontamos, contudo, para a diferença de que enquanto no Brasil é possível o afastamento – ainda que temporário – do Chefe de Estado de suas funções em razão da instauração do processo de impedimento, nos

33 Esse termo compreende juízes, mas não abarca militares ou membros do Congresso. Apontamos também o fato de que essa possibilidade é aplicável no sistema jurídico brasileiro. – Government Publishing Office USA, Comentários à Constituição dos Estados Unidos – Article II – Executive Department Contents” , 2004, pp. 427–632

34 Apesar da expressão vaga utilizada pela Constituição, os juristas entendem que ela compreende “commissions or omissions in office which were not criminally cognizable” – Government Publishing Office USA, Comentários à Constituição dos Estados Unidos – Article II – Executive Department Contents”, 2004, p. 650. Disponível em: https:// www.gpo.gov/fdsys/pkg/GPO-CONAN-REV-2015/pdf/GPO-CONAN-REV-2015-9-3.pdf. Acesso em 10 jul. 2017.

Os Poderes do Chefe de Estado nas Ordens Jurídicas Brasileira e Norte-Americana  105 Estados Unidos, essa hipótese somente é permitida pelo texto constitucional após e caso haja condenação pelas Casas Legislativas.35

No âmbito da possibilidade de responsabilização penal do Chefe de Estado, a Constituição norte-americana foi omissa, diferenciando-se da brasileira. Contudo, as Cortes estadunidenses reconhecem a existência de imunidade ao Presidente enquanto ocupante do cargo. Anello36 confirma

esse posicionamento ao alegar que

“Attorney General’s Office of Legal Counsel has considered this issue in depth twice in the past half-century – in 1973, in connection with President Richard Nixon’s role in Watergate, and again in 2000, after President Bill Clinton was acquitted of impeachment charges. On both occasions, federal lawyers in the Attorney General’s office apparently determined that the indictment or criminal prosecution of a sitting President was impermissible and unconstitutional because it would undermine the capacity of the executive branch to perform its constitutionally assigned functions.”

Entretanto, considerando que o estudo comparado aqui realizado adotou como parâmetro os textos constitucionais de cada país, maiores considerações acerca do assunto não serão aqui abordadas.