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Da eleição, mandato, reeleição e resignação

Dos Poderes dos Chefes de Estado na Argentina e na Colômbia: Uma Análise Comparativa

III. Da eleição, mandato, reeleição e resignação

Nas constituições da Argentina e da Colômbia, o Chefe de Estado, enquanto órgão representativo supremo é designado por eleição, através de sufrágio universal7. Atendendo aos contextos histórico-políticos dos

dois países, nomeadamente o passado marcado pelas ditaduras e regimes de caráter autoritário, a eleição e a reeleição têm regimes constitucionais dotados de normas rígidas, que estabelecem condições restritivas ao exer- cício do cargo de Presidente. Historicamente, as transições democráticas na América Latina foram marcadas pela impossibilidade de reeleição com vista a garantir a alternância do poder político e evitar exercício prolon- gado dos poderes executivos conferidos ao Presidente8. A partir dos anos

90, assiste-se uma nova alteração e as reformas constitucionais realizadas neste período passam a consagrar a possibilidade de reeleição. Iniciada pela Argentina e pelo Brasil, a reforma constitucional foi seguida pelo Perú, Venezuela, Equador, Nicarágua, Colômbia, Bolívia e República Dominicana. A reforma e a consagração da possibilidade de reeleição pautaram-se, numa fase posterior por regimes de reeleição que passaram a ser muito amplos, como a Venezuela e aquelas onde tentativas semelhantes de consagrar tal amplitude foram bloqueadas pelas forças políticas e pela intervenção dos órgãos judiciais, como a Argentina e a Colômbia9.

7 Marcello Caetano, Manual de Ciência Política E Direito Constitucional, Reimp. (Coimbra: Almedina, 2003), 209.

8 Michael Penfold, Javier Corrales, and Gonzalo Hernández, “Los Invencibles: La Reelección Presidencial Y Los Cambios Constitucionales En América Latina,” Revista de Ciencia Política (Santiago) 34, no. 3 (2014): 537, doi:10.4067/S0718-090X2014000300002.

9 Nos termos do art.230º da Constituição da República Bolivariana da Venezuela, o mandato presidencial é de seis anos com possibilidade de reeleição imediata.

Argentina

A CNA garante o exercício pleno dos direitos políticos e prevê o sufrágio universal, igual, secreto e obrigatório (art. 37º). Para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da Nação, a eleição é feita diretamente pelo povo, à segunda volta (art. 94º) e deverá ter lugar nos dois meses anteriores ao fim do mandato do Presidente em exercício (art.95º). O art. 89º da Lei Fundamental prevê como condição para ser eleito Presidente ou Vice- Presidente da Nação, o nascimento em território argentino ou, no caso de ter nascido num país estrangeiro, que seja filho de um cidadão nativo. No que respeita aos requisitos, a norma exige que sejam os aplicáveis à eleição para o cargo de senador que, nos termos do art.55º, exige que tenha atingido a idade de 30 anos, que tenha cidadania Argentina há mais de seis anos, que tenha um rendimento anual de dois mil pesos fuertes ou rendimentos semelhantes e que seja nativo da província que o elege, ou que nela resida há mais de dois anos. O exercício do mandato quer de Presidente como Vice-Presidente tem a duração de quatro anos, admitindo-se a reeleição ou sucessão por um único termo consecutivo. Em caso de reeleição ou sucessão entre ambos os cargos, só poderão ser eleitos novamente com o intervalo de duração de um mandato (art. 90º). No que respeita à resignação, a CNA admite-a, nos termos do art. 88º, sendo que nessa circunstância, o poder executivo passa a ser exercido pelo Vice-Presidente.

Na versão originária da Constituição de 1853, o Presidente e Vice- -Presidente eram eleitos indiretamente através do colégio eleitoral para cumprir mandatos de seis anos sem possibilidade de reeleição. Na reforma de 1949, o texto constitucional passou a permitir reeleições ilimitadas, mas a ditadura militar repôs em vigor as bases constitucionais de 1853 pelo que tal regime de reeleição nunca foi aplicado. Em 1966 ficou consagrado o mandato presidencial por um período de quatro anos de duração. A reforma de 1994 substituiu o colégio eleitoral com a eleição à segunda volta, passou a permitir uma única reeleição e criou a figura do Chefe de Gabinete de Ministros, regime que vigora atualmente10, seguindo os esforços 10 Na sua origem, os regimes constitucionais da América Latina não previam a reeleição e só a partir dos anos 90 do século XX se verificou a sua admissibilidade com a alteração das constituições originárias. O primeiro país a admitir a reeleição foi o Peru, em 1993, aquando a presidência de Alberto Fujimori. Seguiu-se a Argentina, em 1994 e o Brasil em 1997.

Dos Poderes dos Chefes de Estado na Argentina e na Colômbia  57 pela redemocratização iniciada nos anos 80, após a Ditadura Militar11, na

procura simultânea da legitimidade popular na eleição do Presidente da Nação, a estabilidade do mandato e o reforço dos poderes presidenciais perante o cenário de transição económica e das crises híper-inflacionistas12.

Colômbia

A CPA consagra, nos termos do art. 260º a eleição direta e por sufrágio universal do Presidente Colombiano, sendo que o voto é facultativo e é consagrado constitucionalmente como um direito e dever de cidadania (art. 258º). As condições necessárias para o exercício do cargo da Presidência da Colômbia contêm, a par dos requisitos da nacionalidade e cidadania colombiana e do limite mínimo de 30 anos de idade (art. 191º), limites rígidos à eleição, ao mesmo tempo que proíbe a reeleição. Nos termos do art. 197º não poderá ser eleito Presidente da República quem tenha exercido a Presidência e, no caso de ter sido Vice-Presidente, apenas se a substituição tenha tido uma duração inferior a três meses, sendo que esta proibição só pode ser derrogada por referendo. Do mesmo modo, não pode ser eleito Presidente ou Vice-presidente quem alguma vez tenha incorrido nas vio- lações do disposto no art. 197º nº 1, 4 e 7 da CPC, nem o cidadão que um ano antes da investidura como vice-presidente tenha tido um dos seguintes cargos: Ministro, Diretor de departamento administrativo, magistrado do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Constitucional, do Conselho de Estado, da Comissão Nacional de Disciplina Judicial, membro da comissão de aforados ou do conselho nacional eleitoral, Procurador-Geral da Nação, Defensor do Povo, Controlador Geral da República, Fiscal Geral da Nação, Conservador Nacional do estado civil, Comandante das forças militares, Auditor geral da república, Diretor geral da política, governador de depar- tamento ou alcaide. Quanto à resignação, a CPC prevê a possibilidade de o

11 Fabiano Engelmann and Luciana Rodrigues Penna, “Constitucionalismo E Batalhas Políticas Na Argentina: Elementos Para Uma História Social,” Estudos Históricos 29, no. 58: p. 517, accessed August 28, 2017, doi:10.1590/S2178-14942016000200010.

12 Neste sentido, Graciela Hopstein, A Rebelião Argentina: Assembleias de Bairro, Piqueteros

Presidente renunciar ao cargo, cabendo ao Congresso pronunciar-se, nos termos art. 173º nº 1 sobre a sua admissibilidade.

Historicamente, a Constituição colombiana não acolhe a reeleição. A CPC originária, de 1991, não permitia a reeleição do Presidente13 e só em

2004, a partir de uma reforma constitucional conduzida pelo Congresso ficou consagrada tal possibilidade14. Em 2009, o Congresso aprovou uma

convocação de referendo para permitir uma nova reforma constitucional que permitia a possibilidade de uma segunda reeleição e que veio a ser chumbada pelo Tribunal Constitucional com argumentos baseados na violação do princípio da separação de poderes, da igualdade, da alter- nância democrática e no sistema de checks and balances que a Constituição prevê15. O regime que vigora atualmente, com limites agravados à eleição

e a impossibilidade de reeleição ficaram consagrados constitucionalmente com vista a assegurar o equilíbrio e a alternância no exercício dos poderes de Chefe de Estado16.

A impossibilidade da reeleição para o mandato presidencial no direito constitucional colombiano constitui uma demonstração do imperativo da temporalidade do exercício das funções executivas e que é, em larga medida, defendido como condição à democracia. Tal fundamento esteve na base da discussão da “Reforma pelo equilíbrio de poderes” que teve lugar na Colômbia, em 2015. De iniciativa governamental, a reforma foi aprovada pelo Ato Legislativo 02 de 201517 e levou a cabo importantes

alterações à Constituição Colombiana que demonstram a necessidade da consagração da temporalidade de uma forma transversal ao exercício dos

13 Artº. 197º na versão originária da CPC de 1991: “Artículo 197. No podrá ser elegido Presidente de la República el ciudadano que a cualquier titulo hubiere ejercido la Presidencia. Esta prohibición no cobija alVicepresidente cuando la ha e jercido por menos de tres meses, en forma continua o discontinua, durante el cuatrienio.”

14 Acto Legislativo 02 de 2004 disponivel em: http://www.alcaldiabogota.gov.co/sisjur/ normas/Norma1.jsp?i=15519 [acesso em 22/1/2018].

15 Texto do TC da Colômbia – Sentencia C-141/10 disponível em http://www.cortecons- titucional.gov.co/relatoria/2010/C-141-10.htm [acesso em 22/1/2018].

16 Ato Legislativo nº 2 de 2015, de 1 de Julho art. 9° disponível em: https://www.redjurista. com/Documents/acto_legislativo_2_de_2015_.aspx#/ [acesso em 5/1/2018].

17 Disponível em: http://wp.presidencia.gov.co/sitios/normativa/actoslegislativos/ ACTO%20LEGISLATIVO%2002%20DEL%2001%20JULIO%20DE%202015.pdf [acesso em 29/1/2017].

Dos Poderes dos Chefes de Estado na Argentina e na Colômbia  59 principais cargos políticos, porque além da impossibilidade de reeleição do presidente, o exercício do cargo de senador ficou também limitado a três legislaturas de quatro anos, limite que não existia até à reforma, que permitia uma reeleição ilimitada para o cargo.

IV.  Dos poderes de dissolução e de nomeação e destituição de