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Comparação dos poderes dos Presidentes austríaco e italiano e respe tivo enquadramento nos sistemas de governo

Os Presidentes Italiano e Austríaco: Dois Sistemas, Um Perfil

I.  Classificação dos sistemas de governo

2.  Comparação dos poderes dos Presidentes austríaco e italiano e respe tivo enquadramento nos sistemas de governo

2.1. Eleição e mandato

O Presidente italiano não é eleito por sufrágio universal e direto, estando o processo de eleição do Presidente da República confiado a uma assembleia especial63, conforme se dispõe no artigo 83.º da Constituição Italiana: o

Presidente é eleito por sessão conjunta das duas Câmaras, com a presença de três delegados por cada região eleitos pelo Conselho Regional. A eleição do Presidente pressupõe uma maioria de dois terços da Assembleia, sendo que, após o terceiro escrutínio sem que a referida maioria seja atingida, basta uma maioria favorável à eleição. Apenas as pessoas com mais de 50 anos podem candidatar-se a Presidente da República e o mandato dura 7 anos.

No caso da Áustria, o Presidente é eleito por sufrágio universal e direto. É necessária a maioria absoluta para uma eleição à primeira volta. Se esta não for atingida, há lugar a segunda volta com os dois candidatos mais votados (art. 60.º). Podem candidatar-se a Presidente as pessoas com mais de 35 anos e o mandato dura 6 anos.

O Presidente austríaco pode ser destituído por referendo promovido pelo Parlamento, mas, caso o resultado do referendo seja desfavorável à destituição do Presidente, este mantém-se no cargo e é o Parlamento que é dissolvido, conforme se dispõe no art. 29.º (6) da Constituição austríaca. Este sistema permite a introdução de um equilíbrio entre o Parlamento e o Presidente, condicionando este poder do Parlamento de destituir

63 De acordo com Marques Guedes a Constituição italiana foi uma das primeiras a adotar este processo, no que terá inspirado idêntico processo de designação na Constituição da Alemanha Ocidental, no ano seguinte, na Constituição francesa em 1958 e, em Portugal, em 1959 (A. Marques Guedes, Ideologias cit., p. 289).

por referendo o Presidente, na medida em que um resultado negativo do referendo conduz à dissolução do próprio Parlamento.

2.2. Os poderes definidos na Constituição

2.2.1. Poderes e condições do respetivo exercício: grelha comparativa

Procede-se, neste ponto, à elaboração de uma grelha comparativa entre os poderes de ambos os Presidentes. Cumpre, todavia, esclarecer alguns aspetos relacionados com a metodologia usada na elaboração da referida grelha.

Em primeiro lugar, a descrição dos poderes que consta da referida grelha respeita aos poderes que são atribuídos aos Presidentes pelas Constituições dos respetivos países. Isto significa que, na elaboração da gelha, não será tomado em consideração o exercício concreto dos poderes pelos Presidentes, uma vez que o objetivo da referida grelha é realizar o retrato jurídico dos poderes dos Presidentes.

Em segundo lugar, tal retrato resultaria incompleto se na grelha com- parativa se enunciassem apenas os poderes dos Presidentes. Na verdade, em muitos casos, os poderes são sujeitos a condições ou são contrapesados por poderes de outros órgãos que lhes limitam o alcance e importância.

Tome-se como exemplo o caso do veto político: o alcance deste poder varia consoante a maioria exigida para a confirmação pelo Parlamento da lei enviada para promulgação. Caso o Parlamento só possa confirmar a lei proposta, votando-a com uma maioria qualificada, o direito de veto do Presidente é muito mais significativo do que naqueles casos em que tal maioria não é exigida para a confirmação.

Assim, a grelha será organizada incluindo uma coluna com a descrição de eventuais condições que relevam para a compreensão do alcance do poder em causa64.

64 No mesmo sentido, pronunciando-se sobre as grelhas comparativas defende J. Novais (Semipresidencialismo cit., p. 154) que “não basta dizer que um determinado Presidente tem este ou aquele poder sem ter em conta a margem efectiva de decisão que o seu exercício comporta. (…) uma coisa é poder demitir o Governo qualquer que seja a razão invocada, outra coisa é só o poder fazer em circunstâncias mais ou menos exactamente tipificadas.”.

Os Presidentes Italiano e Austríaco  179 Por último, uma referência ao critério utilizado para a seleção dos aspetos que constam da grelha. Não se incluiu exaustivamente na grelha todos os poderes ou atribuições dos Presidentes que constam das Constituições dos respetivos países mas somente aqueles que são paradigmáticos da função presidencial e que podem contribuir para retratar o perfil do Presidente, designadamente com o objetivo de caracterizar o sistema de governo em que inserem.

Da grelha precedente resultam alguns aspetos a salientar.

Em primeiro lugar, há que considerar a distinção entre poderes que são próprios – ou seja poderes que os Presidentes exercem autonomamente – e poderes para cujo exercício os Presidentes necessitam do contributo dos demais órgãos, isto é, poderes que só podem ser exercidos mediante proposta de outros órgãos ou que são sujeitos a exigência de referenda65.

No primeiro caso – o dos poderes autónomos – incluem-se, quer no caso do Presidente italiano, quer no caso do Presidente austríaco, os poderes típicos da generalidade dos Chefes de Estado, como são o da representação do país e de Chefia das Forças Armadas.

A regra quanto aos atos praticados pelo Presidente italiano é a de que a sua validade depende de referenda do ministro proponente que assume a responsabilidade pelo ato (art. 89.º da Constituição italiana). Esta regra aplica-se mesmo em relação ao poder de dissolução do Parlamento que o artigo 88.º da Constituição italiana atribui ao Presidente.66

O Presidente italiano dispõe, todavia de um importante poder rela- tivamente à produção legislativa que é o poder de veto, em relação aos diplomas que lhe são submetidos para aprovação. Este poder é atenuado pelo facto de o Parlamento poder confirmar o diploma, sem necessidade de uma maioria diferente daquela que era originariamente exigida. Após essa confirmação, o Presidente é obrigado a promulgar67.

65 No sentido de o aspeto essencial que distingue uns e outros ser a referenda, afirma Cristina Queiroz: “A presença do instituto da referenda delimita os poderes próprios do Presidente da República do exercício dos seus poderes partilhados.” (C. Queiroz, Os poderes cit., p. 261). Não obstante a não exigência de referenda ou de proposta de outro órgão, tal não significa que tais poderes não tenham limitações constitucionais. Nesse sentido, afirma, ainda, Cristina Queiroz: “… os poderes presidenciais, isentos de referenda, não são nem extensivos, nem desprovidos de limitações constitucionais. Apresentam-se, pelo contrário, como o exercício de “competências de atribuição”, compatíveis com uma colaboração de funções no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes do Estado.” (C. Queiroz, Os poderes cit., p. 113).

66 Nesse sentido, Teodosio Marchi, “Il Capo dello Stato”, in Commentario Sistematico

alla Costituzione Italiana, Vol. Secondo (Dir. Piero Calamandrei e Alessandro Levi), Firenze, G. Barbèra Editore, 1950, p. 120.

67 Esta obrigatoriedade de promulgação após confirmação pelo Parlamento parece aplicar-se também aos casos em que o veto do Presidente assenta na desconformidade com a Constituição: nesse sentido T. Marchi, Commentario cit., p. 115.

Os Presidentes Italiano e Austríaco  181 Não existe na Constituição italiana qualquer elenco de razões para a recusa de promulgação pelo Presidente, pelo que esta poderá ter como fun- damento dúvidas quanto à conformidade dos diplomas com a Constituição, discordâncias políticas ou dúvidas jurídicas de outra natureza que não apenas desconformidades constitucionais.

Não obstante inexistir esse elenco de fundamentos para a possibilidade de recusa da promulgação, esta não pode naturalmente ser arbitrária, na medida em que terá de ser exercida no âmbito das funções constitucionais desempenhadas pelo Presidente68.

Apesar do poder do Parlamento de confirmação do diploma, este poder de veto do Presidente italiano não é despiciendo, na medida em que permite que o Presidente incite o Parlamento a refletir sobre a solução legislativa adotada. Este poder evidencia também o papel do Presidente de controlo da conformidade dos atos com a lei e a Constituição69.

Quanto ao Presidente austríaco, resulta também saliente da grelha elaborada que, à semelhança do que sucede com o Presidente italiano, o exercício da maioria dos seus poderes depende de proposta do Governo e os seus atos são, regra geral, sujeitos a referenda, conforme dispõe o artigo 67.º da Constituição austríaca.

Esta exigência de proposta e de referenda aplica-se também, tal como no caso italiano, ao poder de dissolução do Parlamento que o art. 29.º da Constituição austríaca lhe atribui70.

68 Nesse sentido, em comentário a faculdade idêntica prevista na Constituição portuguesa, José Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4ª ed. rev., Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 204.

69 Giuseppe de Vergotinni, Diritto Costituzionale, Padova, Cedam, 1997, pp. 506-507. 70 Este é o entendimento que melhor se adequa à conjugação nas normas constitucionais. R. Elgie (Semi-Presidentialism cit., p. 158) refere-se a um poder unilateral do Presidente austríaco de dissolver o Parlamento, mas, na verdade, a regra geral constante do artigo 67.º da Constituição austríaca não é excecionada no caso do poder de dissolução do Parlamento, como sucede expressamente no art. 70.º (1) para a demissão do governo. Assim, o poder do Presidente austríaco de dissolução do Parlamento está condicionado por essa regra de sujeição de todos os seus atos a proposta do governo e a referenda. Nesse sentido, também M. Duverger, Xeque-mate cit., p. 36; C. Queiroz, Os poderes cit., p. 129 – “Na Áustria o direito de dissolução existe, atribuído ao chefe de Estado, embora sob proposta do chanceler federal, e sujeito a referenda governamental”; T. Marchi, Commentario cit., p. 120.

Ainda assim, o Presidente austríaco detém um poder próprio de enorme relevância: o poder de demissão do Governo. Este poder não está sujeito às mesmas limitações do poder de dissolução do Parlamento, uma vez que não carece, nem de proposta, nem de referenda ministerial e não existe na Constituição austríaca a tipificação de um fundamento que constitua condição para o exercício desse poder71.

Sendo que este poder permite, inclusivamente, ao Presidente contornar a limitação que a Constituição lhe impõe quanto ao poder de dissolução do Parlamento e que é a da aplicação da regra geral contida no artigo 67.º: a necessidade de proposta do Governo. Com efeito, como bem salienta Duverger72, caso o Presidente entenda dever dissolver o Parlamento e o

primeiro-ministro se recuse a tomar a iniciativa de lhe propor essa dissolu- ção, o Presidente pode demitir o Governo, nomear um primeiro-ministro que aceite tomar essa iniciativa e, em seguida, dissolver o Parlamento73.

2.2.2.  Semelhanças no estatuto constitucional dos Presidentes italiano e austríaco

Consultando a grelha elaborada supra, verificamos que os Presidentes italiano e austríaco têm em comum, para além dos poderes autónomos nor- malmente atribuídos ao Chefe de Estado – representação do país, chefia das forças armadas – os seguintes poderes: nomeação de funcionários, convocar referendo, promulgar leis, nomear o Governo e dissolver o Parlamento.

Em ambos os países, os poderes acima enunciados não são poderes ver- dadeiramente autónomos, uma vez que dependem de referenda ministerial e, em alguns casos, até de proposta do Governo74.

71 Diferentemente do que sucede no ordenamento jurídico português, em que o Presidente apenas pode demitir o Governo se estiver em causa o regular funcionamento das instituições democráticas (art. 195.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa).

72 M. Duverger, Xeque-mate cit., p. 36.

73 Contudo, nenhum Governo foi demitido por iniciativa do Presidente (R. Elgie,

Semi-Presidentialism cit., p. 158) e a dissolução do Parlamento só ocorreu uma vez na Áustria, em 1930, por proposta do primeiro-ministro Vaugoin indicado pelo Presidente Miklas. O Primeiro-ministro, ao verificar que não conseguia uma maioria parlamentar de apoio ao seu Governo e para evitar uma moção de censura, propôs ao Presidente a dissolução do Parlamento. Na sequência das eleições realizadas, o partido do Governo perdeu a maioria, o que conduziu à sua demissão (referência colhida em F. Koja, RFDUL, vol. XXV, 1984, p. 236).

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2.2.3. Diferenças no estatuto constitucional dos Presidentes italiano e austríaco

As diferenças mais relevantes entre os poderes dos dois Presidentes são as seguintes:

– O Presidente italiano dispõe de veto político, o que não sucede com o Presidente austríaco que apenas pode verificar a conformidade legal dos diplomas que lhe são apresentados para promulgação75.

– O Presidente austríaco pode demitir livremente o Governo, poder que o Presidente italiano não tem.

– O Presidente austríaco é eleito por sufrágio universal e direto; o Presidente italiano é eleito por uma assembleia especial, composta por três delegados de cada região que são eleitos pelo Conselho Regional.

– As condições do poder de nomeação do Governo são diferentes. Em Itália, após a nomeação, o Governo tem de apresentar-se ao Parlamento no prazo de dez dias para obter a confiança do Parlamento antes de iniciar funções, conforme dispõem os artigos 92.º e 94.º da Constituição italiana. O que não sucede na Áustria, onde o Governo inicia imediatamente funções após a nomeação, sem necessidade de validação pelo Parlamento.

2.2.4.  Enquadramento na classificação de sistemas de governo à luz do estatuto constitu- cional

Perante o estatuto dos Presidentes italiano e austríaco retratado nas semelhanças e diferenças acima elencadas, há que classificar os respetivos sistemas de governo.

Em primeiro lugar, fica, desde logo, afastada a classificação de qual- quer um dos sistemas como presidencialista, uma vez que, em ambos os casos, Governo é responsável perante o Parlamento, de acordo com o que dispõem, respetivamente, os artigos 94.º da Constituição italiana e 74.º da Constituição austríaca. Resta, assim, decidir do respetivo enquadramento nos sistemas de governo parlamentarista e semipresidencialista.

Começando pelo Presidente italiano, verifica-se que este não é eleito por sufrágio universal, detém poucos poderes próprios (atenta a necessidade de a maioria dos seus atos serem referendados) e a sua função é essencialmente de representação nacional.

Com efeito, mesmo a atribuição ao Presidente italiano de um poder que o Presidente austríaco não detém – o veto político – é configurada de um modo que indicia o maior peso do Parlamento típico do sistema parlamentarista, na medida em que o veto político pode ser ultrapassado se o Parlamento repetir a votação com a mesma maioria.

A que acresce o facto de o Governo, presidido por um primeiro-ministro, ser responsável exclusivamente perante o Parlamento e, não obstante a nomeação pelo Presidente, não poder iniciar funções sem obter a confiança do Parlamento.

Estamos, assim, perante um sistema de governo parlamentarista, mas em que o Presidente tem um papel constitucional de algum relevo traduzido na escolha do Governo, no direito de veto e no poder de dissolução do Parlamento (embora sujeito a referenda). Em virtude deste perfil constitu- cional, Jorge Miranda entende que o Presidente italiano tem uma posição reforçada, mas sem quebra do sistema parlamentar76.

De acordo com Vergotinni, o sistema de governo italiano é do tipo par- lamentar racionalizado, uma vez que o processo de decisão política resulta da relação de confiança que liga o Governo e o Parlamento, mas também do equilíbrio das atribuições reconhecidas aos demais órgãos constitucionais, como o Presidente da República77.

Diferentemente do que sucede com o Presidente italiano, o Presidente austríaco é eleito por sufrágio universal (e direto) e tem o poder de auto- nomamente demitir o Governo.

No demais, o acervo dos poderes do Presidente austríaco é muito semelhante ao do Presidente italiano, conforme resulta da grelha compa- rativa elaborada e, tal como em Itália, não se trata de poderes autónomos pois dependem, nos termos do artigo 67.º da Constituição, de referenda

76 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo I,1, 10ª ed. rev., Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 204.

77 Giuseppe de Vergotinni, Diritto Costituzionale Comparato, 9 ed. rev., Padova, Cedam, 2013, pp. 713-714.

Os Presidentes Italiano e Austríaco  185 ministerial (e, até, de proposta do Governo), aqui incluído o poder de dissolução do Parlamento.

A dependência da intervenção de outros órgãos para o exercício dos seus poderes é um indicador de um estatuto menos relevante do Chefe de Estado e normalmente associado a sistemas de cariz parlamentar.

Nesse sentido, afirma Maurice Duverger: “A diferença é essencial especialmente na questão das assinaturas e referendas. Um chefe de Estado parlamentar não tomará nenhuma decisão sem a referenda do primeiro-ministro ou de qualquer outro, e não poderá recusar a sua própria assinatura quando esta é necessária para validar um acto, a menos que a Constituição diga o contrário sobre um ponto preciso, o que quase nunca acontece. Inversamente, o chefe de Estado semi-presidencial pode agir sozinho na maior parte dos casos, sem referenda ministerial.”78.

Mesmo quanto à nomeação do Governo, não obstante a diferença assinalada supra quanto às respetivas condições79, o Parlamento austríaco

mantém a possibilidade de determinar a permanência do Governo. Com efeito, o Parlamento pode, a todo o tempo, tomar a iniciativa de votar uma moção de censura que leva à demissão do Governo (artigo 74.º, n. 1 da Constituição austríaca). Portanto, em ambos os casos, os Presidentes têm de tomar em consideração a composição do Parlamento, quando nomeiam o primeiro-ministro.

Verifica-se, assim, que o poder que verdadeiramente distingue o Presidente austríaco do seu homólogo italiano é o poder de demitir o Governo, que o Presidente austríaco detém autonomamente, sem necessidade de proposta ou referenda de outro órgão e sem que a Constituição restrinja o fundamento dessa iniciativa.

Acima identificaram-se as seguintes três condições como integrado- ras do critério para a identificação de um sistema semipresidencialista: (1) Presidente eleito por sufrágio universal; (2) Presidente com poderes autónomos que lhe permitem intervir na condução da política do país; (3) Governo responsável perante o Parlamento e presidido por um Primeiro- Ministro distinto do Presidente.

78 M. Duverger, Xeque-mate cit., p. 35.

79 Recorde-se que, no caso de Itália, o Governo deverá apresentar-se ao Parlamento no prazo de 10 dias após a sua nomeação para obter a confiança deste órgão, enquanto na Áustria, o Governo entra imediatamente em funções, após a sua nomeação pelo Presidente.

A questão que se coloca, assim, quanto à qualificação do sistema de governo austríaco é a de saber se o poder de demissão do Governo – que é o único que o Presidente pode exercer autonomamente – preenche o critério relativo à existência de poderes autónomos do Presidente que lhe permitem intervir na condução da política do país.

As duas outras condições encontram-se preenchidas, como decorre do estatuto já descrito: o Presidente é eleito por sufrágio universal e existe um Governo, presidido por um primeiro-ministro, que é responsável perante o Parlamento80.

Koja entende que o sistema de governo austríaco se mantém essen- cialmente parlamentarista, reconhecendo embora que os poderes constitucionais do Presidente lhe conferem um papel interventivo que pode ser muito relevante em momentos de crise e que o estatuto que decorre da alteração de 1929 conferiu ao sistema de governo traços presidenciais muito pronunciados. Porém, as características essenciais do sistema con- sistem, para este autor, na ligação entre Governo e Parlamento e no facto de o Presidente necessitar do acordo do Governo na prática da maioria dos atos que a Constituição lhe comete81.

Contudo, o poder de demissão do Governo é, sem dúvida, um poder que permite ao Presidente ter uma palavra efetiva e real sobre o modo de condução da política do país. Com efeito, tal poder constitui um traço diferente dos que caracterizam os sistemas de governo parlamentaristas, na medida em que atinge uma característica essencial destes: a ligação de dependência exclusiva do Governo perante o Parlamento.

Num sistema em que o Governo é simultaneamente responsável perante o Presidente que o pode demitir autonomamente, o equilíbrio de poder entre os órgãos é muito diferente daquele que existe nos sistemas parlamentaristas. O Governo, na condução que faz da política do país terá também de ter em consideração as orientações do Presidente, atento o risco de ser por ele demitido.

Muito sintomaticamente, a Constituição austríaca insere o Presidente no capítulo relativo ao poder executivo, reconhecendo-lhe esse papel interventivo nas decisões políticas.

80 O que, de acordo com a definição de R. Elgie (cfr. supra, p. 9), conduziria à imediata qualificação do sistema como semipresidencialista.

Os Presidentes Italiano e Austríaco  187 Este poder é, aliás, aquele que Duverger considera para considerar a Áustria como um sistema de prerrogativas presidenciais médias, no âmbito de uma classificação em que distingue os sistemas em regimes com prer- rogativas presidenciais fracas, médias e fortes82.

Para a qualificação de um sistema como semipresidencialista não parece ser necessário que os poderes atribuídos ao Presidente o transformem no órgão determinante do poder executivo. Sendo esse o caso, a qualificação que estaria em causa seria, não a de semipresidencialismo, mas a de sistema presidencialista.

O facto de, no sistema austríaco o Governo estar dependente e ligado ao Parlamento é, sem dúvida, um traço de parlamentarismo, mas um poder presidencial autónomo de demissão do Governo, sem vinculação a fundamentos constitucionais específicos, ou seja, podendo ser exercido por discordâncias quanto à orientação da política do país altera profundamente a relação entre os órgãos que é característica de um sistema parlamentarista. Pelo que, perante o equilíbrio de poderes desenhado na Constituição