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Estudo de caso: o impeachment e o malabarismo do Chefe de Estado

Uma Análise do Ponto de Vista do Direito Comparado

II. O Chefe de Estado no Presidencialismo Brasileiro e Norte Americano

10.  Estudo de caso: o impeachment e o malabarismo do Chefe de Estado

A atuação do Chefe de Estado possui limites e parâmetros previstos pela Constituição. Contudo, a prática evidencia que a personalidade daquele que exerce a função pode influenciar os resultados dela decorrente.

Exemplo que demonstra esta constatação está no modo como os Chefes de Estado nos EUA e no Brasil afetaram a (não) consumação do instituto do impeachment.

No Brasil, em 2014, a Presidente Dilma Rousseff foi eleita para o seu segundo mandato (com margem pequena de diferença do segundo can- didato) após ter finalizado, de forma conturbada, seu primeiro governo em outubro de 2013. Com a situação econômica do país se deteriorando de forma rápida, o apoio popular que herdara de Lula (Presidente que a antecedera) progressivamente diminuía.

Em 2015, em meio à crise econômica que batia recordes experimentados em 199647, a Presidente, já conhecida por sua falta de habilidade negocial,

por seu jeito autoritário e centralizador e por sua predileção pela gover- nança de gabinete48, restringiu ainda mais o seu convívio político e viu

sua base partidária se desmantelar – seja em razão das prisões realizadas

47 Anay Cury and Cristiane Caoli, “Economia – Inflação de Janeiro a Outubro É a Maior Desde 1996, Diz IBGE,” G1, 2015, http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/11/ inflacao-fica-em-082-em-outubro-diz-ibge.html. Acesso em 15. Set. 2017.

48 A. De Oliveira , “Desconstruindo Dilma”. Disponível em: <http://alias.estadao.com. br/noticias/geral,desconstruindo-dilma,10000000301>. acesso em: 15 set. 2017.

Os Poderes do Chefe de Estado nas Ordens Jurídicas Brasileira e Norte-Americana  113 pela operação “Lava Jato” da Polícia Federal49, seja em razão da perda de

apoio parlamentar em decorrência de seus altos níveis de impopularidade. Sem apoio de seu Vice50 (e de sua respectiva base de apoio desde julho

de 2015)51 e de seu próprio partido político, Dilma deixou transparecer a

dureza de sua personalidade e não conseguiu mais “tomar emprestado” os efeitos positivos políticos decorrentes do sorriso, da malemolência e da habilidade de negociar de seu antecessor.

A fim de conter a inflação e as taxas de desemprego que atingiram índices somente vistos na década de 90, a Presidente tomou medidas e, sem dialogar com o povo que a tinha elegido justamente com o intuito de não ver práticas daquela natureza implementadas, conseguiu atrair para si, altos índices de rejeição popular52.

Ao final do mesmo ano, a Presidente viu seu pedido de impeachment ser aceito na Câmara dos Deputados.

No ano seguinte, confrontada com um rombo de R$ 114,9 bilhões nos cofres públicos53 e com a rejeição das contas de seu governo pelo Tribunal

49 Apenas no ano de 2015 foram presos: João Vaccari (tesoureiro do PT), Marcelo Odebrecht (empresário acusado de envolvimento em esquemas de corrupção envolvendo contratos firmados em diversas obras pelo país) e Delcídio do Amaral (senador e líder do governo no Senado).

50 Emblemático foi a divulgação, em 07 dezembro de 2015, de carta redigida pelo então vice-presidente, Michel Temer, em que expressa sua insatisfação na ocupação da posição de “vice decorativo” e na perda de “todo protagonismo político” que teve no passado. O Vice ainda lamentou ser convocado pela Presidente apenas “para resolver as votações do PMDB e as crises políticas. Andréia Sadi. “Leia a Íntegra Da Carta Enviada Pelo Vice Michel Temer a Dilma – Notícias Em Política.” G1, 2015. http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/12/ leia-integra-da-carta-enviada-pelo-vice-michel-temer-dilma.html. Acesso em 17 set. 2017.

51 Aqui nos referimos à manifestação pública feita pelo recém-eleito Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha em que declarou o seu rompimento com o governo. M. Haubert “Sou oposição ao governo”, diz Eduardo Cunha após ser citado por delator – 17/07/2015 – Poder – Folha de S. Paulo. Disponível em: <http://www.folha.uol.com.br/ poder/2015/07/1657020-eduardo-cunha-anuncia-que-agora-e-oposicao-ao-o-governo. shtml>;. Acesso em 15 set. 2017.

52  Jefferson Puff, “‘Faltou Mea Culpa. Agora É Tarde Demais’, Diz Ex-Ministro de Dilma Que Alertou Para ‘comunicação Errática’” in BBC Brasil, 2016, http://www.bbc.com/ portuguese/noticias/2016/04/160418_ping_thomas_traumann_jp. Acesso em: 15 set. 2017. 53 A. Martello. Economia – Contas do governo têm rombo recorde de R$ 114,9 bilhões em 2015. Disponível em:http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/01/contas-do-governo- -tem-rombo-recorde-de-r-1149-bilhoes-em-2015.html. Acesso em 15 set. 2017.

de Contas da União, Dilma enfrentou a perda de praticamente todo apoio político que possuía no Congresso54. Ciente de que não detinha habilidades

para lidar com a situação, tentou se socorrer de Lula, que assumiu a frente das negociações com os parlamentares e buscou alianças políticas a fim de impedir o prosseguimento do processo de impeachment, mas não conseguiu evitar sua condenação política pelo Congresso.

Sua personalidade forte e sua inabilidade na negociação de apoio político, certamente influenciaram para a ocorrência destes desfecho.

Michel Temer – sucessor e responsável por parte da perda de apoio partidário de Dilma – também enfrenta processos de impedimentos no Congresso Brasileiro55, mas tem mostrado deter maior habilidade política

na articulação de interesses entre Executivo e Legislativo.

Com personalidade mais amena, ainda que conte com baixíssimos índices de aprovação popular, Temer integra o partido que possui a maioria dos assentos em ambas as Casas do Congresso. Neste cenário, o Presidente já conseguiu se livrar de um dos vários pedidos de impedimento que contra ele foram ajuizados através de negociações políticas que envolveram a promessa de cargos públicos, “liberação de emendas (verbas federais que os deputados podem usar em suas bases)” e o perdão de dívidas àqueles que o apoiassem56.

Donald Trump, por sua vez, também foi eleito com estreita margem de vitória em face de Hillary Clinton e iniciou seu mandato de forma conturbada em razão das notícias que alertavam para a existência de laços estreitos entre o candidato republicano e o governo Russo durante todo processo eleitoral.

54 Em 2016, o maior partido aliado da Presidente (PP – Partido Progressista) decide deixar sua base e se filiar ao partido do então vice-presidente, Michel Temer (PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro), no que foi seguido pelo próprio PMDB meses depois. 55 Ao todo são mais de 24 pedidos de impedimento direcionados contra Temer. E. Conteúdo. Brecha trava 24 pedidos de impeachment contra Temer na Câmara| Exame. Disponível em:<http://exame.abril.com.br/brasil/brecha-trava-24-pedidos-de-impeachment- -contra-temer-na-camara/. Acesso em: 15 set 2017.

56 Gabriela Fujita, “Salvação de Temer É &quot;ataque Frontal À Lava Jato&quot;, Diz Transparência Internacional – Notícias – Política,” in Uol Notícias, 2017, https://noticias. uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/08/03/resultado-a-favor-de-temer-e-ataque-frontal- -a-lava-jato-diz-transparencia-internacional.htm. Acesso em: 15 set. 2017.

Os Poderes do Chefe de Estado nas Ordens Jurídicas Brasileira e Norte-Americana  115 Também dotado de personalidade forte e de um autoritarismo peculiar, Trump tem se destacado de forma nada positiva por suas manifestações polêmicas e frequentes nas redes sociais e por sua dificuldade em se comunicar com os demais Poderes de Estado.

Com ego inflado, o presidente, ainda que agraciado com maioria republicana em ambas as Casas do Congresso, vem amargando derrotas significativas na aprovação de medidas que integraram suas promessas de campanha57.

Sua relação com o Judiciário também não tem se desenvolvido de forma muito pacífica, tal como foi possível observar no episódio da executive order 13769 em Janeiro de 2017 (e da executive order que a seguiu), que foi suspensa por um juiz federal em fevereiro do mesmo ano58.

Com declarações provocativas, Trump iniciou seu governo atacando os Poderes que decidiram influenciar sua forma de condução do governo.

Mais recentemente, Trump se envolveu em polêmicas mais sérias, que culminaram na edição das resoluções n. 438 (junho de 2017)59, n.621 e

n. 646 (Novembro e Dezembro de 2017), todas voltas à sua remoção da função de Presidente.

Dentre as mencionadas resoluções, duas não foram ainda votadas e uma já foi rejeitada pelo Congresso norte-americano. Contudo, ao que tudo indica, ainda que desprovido de grande capacidade de negociação, a

57 Dentre elas elencamos a dificuldade do Presidente em discutir a instituição do Trumpcare e a divergência de posicionamentos verificada com relação à lei que visou impor sanções à Rússia e que, em que pese ter sido aprovada de forma quase unânime pelo Congresso, foi sancionada “à força” pelo Presidente. Reuters. “Trump culpa Congresso dos EUA por piora na Relação com Rússia| Exame. Disponível em:http://exame.abril.com.br/mundo/trump-culpa- -congresso-dos-eua-por-piora-na-relacao-com-russia/> Aceso em: 15 set. 2017.

58 Neste caso, a reversão judicial da suspensão não foi possível, tendo sido editada novo documento (Executive Order 13780) com o objetivo de tratar do mesmo assunto, mas de forma mais amena. Contudo, esta última ordem também foi suspensa por várias cortes do país e foi, por fim, parcialmente autorizada pela Suprema Corte. M. A. A. Kelsey Mcgraw and M. Keneally. “A Timeline of Trump’s immigration executive order and legal challenges”, ABC News. Disponível em:http://abcnews.go.com/Politics/timeline-president-trump-immigration- -executive-order-legal-challenges/story?id=45332741. Acesso em 15 set. 2017..

59  Brad Sherman And Al Green, “H. Resolutioin 438,” 2017 § (2017). Disponível em https://sherman.house.gov/sites/sherman.house.gov/files/FINAL%20Article%20of%20 Impeachment.pdf. Acesso em 10 set. 2017., esta referência precisa de ser mais detalhada.

maioria republicana em ambas as Casas Legislativas confere ao Presidente certa tranquilidade com relação à possibilidade de perda de mandato.

A análise dos cenários brasileiro e norte-americano demonstra que, ao contrário de seus antecessores que parecem ter dominado com mais habilidade a arte da negociação política e do diálogo com os Poderes de Estado e que podiam ser identificados por sua “acessibilidade popular” e por sua interação flexível com as forças sociais que os elegeram, tanto Dilma quanto Trump, em razão de sua personalidade, dificultaram a fluidez de interesses necessária ao equilíbrio do estado presidencialista.

Ao fazê-lo, a primeira não conseguiu o apoio suficiente à sua manutenção no Poder. Por sua vez, o segundo vem percorrendo caminhos já vislumbra- dos na política brasileira e que parecem não tê-lo levado à saída do cargo em razão do suporte, ao menos formal – que possui junto ao Congresso.

De qualquer forma, percebemos que a personalidade do Chefe de Estado pode influenciar o modo como as relações entre o Poder Executivo e os demais Poderes de Estado se desenvolvem. Quanto mais abertos à nego- ciação, mais fluídas se tornam as relações e mais fácil se torna a prática de atos conjuntos em prol da estabilidade política no país.