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7.3 Mudança política de segundo nível

7.3.1 Choque externo e mudança política

Em relação ao Governo Fernando Henrique (1995-2002), o Governo Lula (2003- 2010) gerou um choque externo que modificou os resultados políticos no subsistema da transposição. Desde o Governo FHC, a obra estava praticamente paralisada por liminares concedidas na Bahia devido à tramitação de ações que contestavam, em especial, o processo de licenciamento ambiental da obra. Nessas ações argumenta-se, entre outros, que o Estudo de Impacto Ambiental deveria ter considerado a Bacia do São Francisco e não apenas as áreas de influência direta e influência indireta situadas no Nordeste Setentrional (BRASIL, 2006a; CARITAS, 2010)103.

Além disso, a paralisação pode ser atribuída ao fato de FHC ter cedido às pressões contrárias à obra e apenas esperou o momento certo para retroceder sua decisão (ENTREVISTA 03/12/2010). O adiamento da obra foi formalizado com a publicação do decreto de criação do Comitê de Bacia do Rio São Francisco, de 05/06/2001, por pressão do então Ministro do Meio Ambiente e membro da coalizão político-idealista. A situação econômica e as restrições na produção de energia também impediram uma oportunidade para que a execução da obra fosse retomada.

No Governo Lula, por sua vez, diversas oportunidades políticas foram criadas para a execução da obra. Em entrevista (29/09/2010), foi informado que o Presidente havia tomado conhecimento da obra nas Caravanas da Cidadania104. Em 2003, Lula formalizou a

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Havia diversas ações judiciais promovidas por organizações como o Ministério Público Federal, Ministérios Públicos da Bahia, Sergipe e Minas Gerais, Fórum Permanente de Defesa e por Organizações não Governamentais (ONGs). Essas ações tramitavam em tribunais em vários estados. Em 18/12/2006, o STF, alegando conflito interfederativo, chamou para si a responsabilidade de julgar as ações. O STF liberou o prosseguimento do licenciamento ambiental enquanto as ações fossem julgadas (CARITAS, 2010).

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Lula viajou pelo país na denominada Caravana da Cidadania no primeiro trimestre de 1993. Nessas viagens, ele obteve conhecimento sobre a obra por meio de nota elaborada a pedido do assessor José Graziano a Otamar de Carvalho (ENTREVISTA 29/09/2010). Ainda nesse processo, Lula teria participado de reunião em Sousa, na Paraíba, onde o projeto foi reapresentado pelo técnico José Ribamar Simas. O evento foi liderado pelo Instituto Tancredo Neves ligado ao PFL. Nesse evento, Lula posicionou-se contrário

decisão de retomada da obra e instituiu grupo de trabalho105 para analisar propostas e viabilizar a obra. Os estudos ambientais foram retomados.

A execução da obra tornou-se uma realidade a partir do momento em que foi inserida no Programa de Aceleração do Crescimento. O Programa insere-se na agenda de retomada dos investimentos em infraestrutura e numa concepção de Estado desenvolvimentista. Essa reorientação mais geral sobre políticas públicas e a disponibilidade de orçamento decorrente permitiram o avanço do projeto.

Essa oportunidade política mais ampla e outras características do Governo, como as diversas alianças partidárias e com os movimentos sociais, também determinaram a incorporação de ações que atenderiam aos interesses e ideias que foram defendidos ao longo de todo o processo de discussão.

O PAC de Recursos Hídricos consistiu em uma consolidação das diversas demandas das coalizões. Incorporou também outras ações relacionadas à obra da transposição. O PAC viabilizou politicamente a transposição, atendendo aos interesses, em especial, da coalizão político-materialista.

Todavia, nem todos saíram satisfeitos. Participantes da coalizão político-idealista realizaram acampamentos em Brasília (março de 2010) e no canteiro de obras entre os dias 26/06/2007 e 04/07/2007. O Bispo Dom Cappio iniciou uma segunda greve de fome em 27/11/2007. Estes atos vinculados demonstraram a insatisfação desse segmento e incompatibilidade entre os conceitos da obra e a sua visão sobre o tema.

Apresenta-se a seguir um quadro com ações que podem ser atribuídas ao processo de discussão da transposição e representativas de um processo de aprendizado político ou de barganha para obtenção do apoio das coalizões contrárias.

A tabela foi elaborada considerando-se as ações do Ministério da Integração Nacional e coligadas. Esses órgãos são os principais responsáveis para solucionar o problema da seca na região, assim como elaborar e promover planos de desenvolvimento regionais. Uma primeira versão foi feita a partir da experiência profissional no monitoramento das ações desse Ministério no PAC 2007-2010. A tabela foi então submetida à técnica do Ministério do Planejamento que acompanha o Ministério da

ao projeto e João Alves Filho favorável ao mesmo (ENTREVISTA 03/12/2010). Atualmente, Lula é um ardoroso defensor e João Alves é visceralmente contrário.

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Portaria 15/07/2003 - designou servidores para analisar as propostas existentes e propor medidas para viabilizar a transposição de águas para o semiárido nordestino (Vice-Presidência – José de Alencar; Casa Civil, Ministérios da Fazenda, Planejamento, Meio Ambiente e Integração Nacional).

Integração e que vivenciou alguns anos do embate. E foi submetida ao assessor da Casa Civil que participou das discussões desde o ano de 2005.

QUADRO 9

Avaliação da mudança política de 2º nível

Crença Argumentação Situação Inicial

(Programa 1997-2002) Situação Final (Programa em 2007) Coalizões Predomi- nantes

Avaliação da Mudança Política e outras observações

1.1Desenvolvimento do semiárido x desenvolvimento da Bacia do São Francisco Comprometimento Projetos de Irrigação na Bacia Perímetros de Pontal- PE, Jaíba-MG, Salitre-BA e Baixio de Irecê-BA contavam com R$ 20 milhões/ano no PPA 2000-2003 Alocação expressiva de recursos no PAC para Pontal-PE, Salitre-BA,

Jaíba-MG, Baixio de Irecê-BA

Político-

Materialista Não houve mudança de crenças. Barganha política.

Pobreza e falta de abastecimento

na bacia

Programa Conviver

- Programa Água para Todos (foco no público do Conviver em até 15 km da

margem do rio para implementar abastecimento de água) - Inserção PAC de grandes adutoras e projetos de abastecimento: Proágua Nacional, Canal Adutor

do sertão alagoano

Político- Materialista

Choque externo – visão desenvolvimentista do Governo Lula possibilitou recursos para conclusão de obras vistas como prioritárias para resolver o problema da água no semiárido.

Barganha política – Programa Água para Todos foi criado a partir de intensificação das ações do Programa Conviver para abastecimento da população que reside até 15 km das margens do rio. Avalia-se que sua criação deve-se a acordo político na mudança de Ministro da Integração que passou para o comando de Geddel Vieira, PMDB/BA.

1.2 Uso da água e preservação

ambiental

Reforço da vazão

do rio Não houve ações

Recuperação ambiental Programa de Revitalização criado em 2001 (PPA 2004-2007: R$ 194,7 milhões) Programa de Revitalização foi associado ao Projeto São

Francisco (PPA 2007- 2010: R$ 1, 2 bilhão)106 Político- Materialista e Político- Idealista

Houve mudança de crenças. Revitalização foi incorporada com recursos significativos na ação de governo e permanece como ação prioritária visto que foi mantida no PAC

Entretanto, coalizão político-idealista informa que a revitalização adotada não atende. CODEVASF é a executora do programa, avanços têm sido obtidos na implementação de esgotamento sanitário. Outras ações não obtiveram prosseguimento. Técnicos do Governo argumentam que baixa operacionalização do programa advém de restrições na capacidade de gestão, tanto do MMA quanto do MI/CODEVASF.

106

Valores extraídos de apresentação da gestora do Programa de Revitalização até o ano de 2008. Disponível em: http://www.antaq.gov.br/portal/pdf/Palestras/PalestraKarlaArns.pdf. Acessado em: 12/01/2010.

Continua QUADRO 9

Crença Argumentação Situação Inicial

(Programa 1997-2002) Situação Final (Programa em 2007) Coalizões Predomi- nantes

Avaliação da Mudança Política e outras observações

1.4 Abastecimento humano x Produção

de energia Não houve ações. Vazão comprometida com o projeto não modificou o padrão de priorização no uso das águas do rio.

1.3 Existência de déficit hídrico no semiárido Não há déficit hídrico na região a ser beneficiada pelo projeto Aceitação da existência de déficit hídrico no interior da Paraíba levou à aceitação do Eixo Leste Incorporação efetiva do Eixo Leste no Projeto

Aprendizado político – ainda no Governo FHC, o Eixo Leste foi aceito por todos diante da situação da Paraíba.

No Governo Lula, o Ministro Ciro Gomes aceitou o Eixo Leste desde que não enfraquecesse a decisão pela implementação do Eixo Norte (ENTREVISTA 17/01/2011b) 1.5 População beneficiada Projeto prioriza o agronegócio e não atende à população em geral Mecanismo do projeto era apoiar primordialmente a produção. A partir da geração de empregos, pessoas em áreas urbanas e rurais obteriam melhor qualidade de vida Mecanismo do projeto é assegurar abastecimento em áreas urbanas Político- idealista

Aprendizado político – ênfase na agricultura foi reduzida, apesar de ainda manter-se como objetivo do projeto. Argumentação do Governo foi modificada para defender a importância de segurança hídrica e evitar crises de abastecimento como as ocorridas em Fortaleza-CE e Campina Grande-PB. Entretanto, o MI, de acordo com o seu representante, emite posicionamentos diversos sobre a obra, seu objetivo principal oscila entre irrigação e abastecimento humano. A posição formal do Governo, considerando a outorga emitida pela ANA, é a de que a obra prioriza o abastecimento humano. 1.6 Paradigma de desenvolvimento Iniciativas isoladas não mudarão o quadro socioeconômico da região, necessária à elaboração de um plano de desenvolvimento sustentável

Não havia proposta de um plano de desenvolvimento específico para a

região

Determinada a criação de Grupo de Trabalho para

elaboração de plano de desenvolvimento que integrasse a bacia com as

áreas a serem beneficiadas (não iniciado). Em 2005, foi elaborado o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Semiárido Coalizão político- idealista

Aprendizado político – foi incorporada à fala do Presidente e primeiro escalão a necessidade de um plano de desenvolvimento que compatibilizasse as diferentes necessidades da região. As falas eram para um plano para o Nordeste e não específico para o semiárido. Governo apresentou plano específico para o semiárido em 2005 e em 2009 um levantamento das ações que estavam sendo realizadas na bacia e na área de influência do projeto

Fonte: Elaboração da autora. Conferência por meio de entrevista com técnica do Ministério do Planejamento e assessor da Casa Civil que desde 2005 participou da discussão (ENTREVISTAS REALIZADAS EM 17/01/2011).

7.4 Mudança política de terceiro nível: transformação no pensamento e ação de