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Priorização do desenvolvimento da Bacia do Rio São Francisco x priorização

6.2 Análise das crenças políticas

6.2.1 Priorização do desenvolvimento da Bacia do Rio São Francisco x priorização

A defesa de que o Projeto de Interligação de Bacias poderia ser executado sem prejudicar os projetos de desenvolvimento da bacia (em especial os perímetros de irrigação da CODEVASF) é realizada pelos técnicos e políticos do Ministério da Integração. Até a finalização do Plano Decenal, a argumentação utilizada era de divisão do rio em dois: um rio regularizado antes de Sobradinho e outro rio após essa represa da CHESF. Os projetos de irrigação do oeste baiano, Petrolina-PE, Juazeiro-BA e o de Jaíba-MG não seriam comprometidos. Após a conclusão do plano, a justificativa mudou. O Ministério da Integração passou a utilizar os números fornecidos no estudo.

Neste caso, em 2025, se toda essa extrapolação exacerbadamente otimista que não guarda coerência com nossa realidade fosse praticada, o rio estaria pedindo mais 262 metros cúbicos por segundo. Ele tem no Plano de Bacia 360 metros cúbicos por segundo de vazão livre para uso consultivo; ou seja, em 2.025, se tudo acontecer no melhor cenário que nós extrapolamos de propósito para ter segurança, o rio estaria usando 262 e estaria sobrando 98 para uma vazão pedida pelo projeto (CIRO GOMES - MINISTRO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, ASSEMBLEIA DO CEARÁ, 2005).

Alguns deputados dos estados doadores e representantes da CODEVASF aceitavam a realização da obra desde que fossem executadas medidas compensatórias. Informam sobre a pobreza da região e existência de regiões em que a falta de água compromete o desenvolvimento. Todavia, não se posicionam contrários à obra e também não estabelecem que a priorização deva ser a bacia.

Em 2007, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a argumentação do Ministério da Integração era a de que junto com a obra também seriam executadas ações que beneficiariam a bacia. Previa-se a expansão dos perímetros de Salitre-BA, Baixio de Irecê-BA, Pontal-PE, Jaíba-MG e implementação de cisternas, poços e sistemas simplificados até 15 km da margem do rio.

Por outro lado, deputados, membros da academia, de organizações da sociedade civil e do Ministério Público demandavam a realização urgente de políticas públicas para o desenvolvimento da bacia. Argumentavam, em especial, que a discussão do projeto não havia esgotado. Sendo assim, era necessária a execução de projetos direcionados para a região, cujos indicadores sociais e econômicos eram piores do que os da região a ser beneficiada pelo projeto.

Mas grande parte dos que utilizavam este argumento acreditava que priorização do Projeto de Transposição comprometeria o sonho de Geraldo Rocha (1940) para a região. Ou seja, a Califórnia sanfranciscana não se concretizaria. Eles questionavam o fato de se levar água para quilômetros distantes, sendo que na bacia ainda havia considerável potencial de irrigação considerável54 (800.000 hectares totais e 300.000 hectares implementados). Indicavam a contradição de investimento de bilhões no projeto, enquanto na bacia havia perímetros paralisados, como, por exemplo, os de Salitre, Baixio, Iuiu (todos na Bahia) e Pontal-PE.

A imagem de que apenas a existência de água não geraria desenvolvimento também era recorrentemente utilizada. Não chegavam a mencionar a “indústria da seca” ou o uso da água como instrumento de dominação. Apenas argumentavam que a experiência do Vale do São Francisco demonstrava que ao lado do rio populações sofriam de carência de água por falta de estruturas de abastecimento.

O que nós vemos, Sr. Presidente, são pessoas que moram a cinco quilômetros do Rio São Francisco sem água, sem projeto de irrigação, milhares e milhares de ribeirinhos e o Presidente não se move para fazer nada e agora quer levar o nosso rio para outros estados! (DEPUTADA ANTÔNIA PEDROSA - DEMOCRATAS - DEM, ASSEMBLEIA DA BAHIA, 2007).

Membros da academia e de organizações da sociedade civil corroboram a necessidade de priorização da irrigação no Vale.

Retirando água, ameaçarão o desenvolvimento atual e futuro tanto do nosso estado quanto de outros, como a Bahia, abandonando obras inacabadas, onde há milhares de hectares de terra a serem irrigados. Há 33 anos, iniciou-se o projeto Jaíba, com o objetivo de irrigar 100.000 ha; porém, até hoje, irrigaram somente 9.000 ha, gastando US$ 500.000.000,00. Desejam irrigar uma região que possui de 700 a 2.000 km de extensão, perfurando quilômetros de túneis, de montanhas e de aquedutos. Essa é uma aventura irresponsável. Isso não tem cabimento (APOLO LISBOA, PROJETO MANUELZÃO, MINAS GERAIS, 2005).

Avalia-se que a disputa principal entre visões de desenvolvimento assenta-se em competição entre as regiões para o fortalecimento do agronegócio. Ou seja, parte dos envolvidos na discussão é motivada por crenças e objetivos em que a produção irrigada possui papel fundamental.

Como visto no capítulo sobre o histórico das duas regiões, sempre houve aposta na agricultura irrigada como elemento fundamental para o desenvolvimento do semiárido.

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Alguns deputados informam que há potencial de 3 a 6 milhões de hectares que poderiam ser expandidos na bacia. Mas o número recorrente é de 800.000 hectares potenciais com 300.000 hectares já implementados.

Pelo lado da bacia, os escritos de Geraldo Rocha (1940) e a institucionalização dessa aposta com criação da CODEVASF, por exemplo, enraizaram a visão da Califórnia do semiárido brasileiro. Por outro lado, considerando o sertão norte, a fixação da população e a amenização dos impactos da seca passavam por uma política de açudagem, posteriormente associada à construção de perímetros de irrigação.

Pode-se dizer, com base no material analisado, que a imagem de prosperidade criada para as duas regiões consistia em cultivos verdejantes em meio aos mandacarus, favelas, cabeças de frade, a fim de se concretizar essa imagem que o projeto foi visto, por aqueles que o defendiam como a forma. Já os críticos o viam como o meio para alavancar recursos ou chamar atenção pública para o que acreditavam ser o verdadeiro problema.

Conclui-se que uma disputa fundamental na discussão foi entre grupos político- empresariais apoiados por setores da academia. A causa fundamental do conflito é a limitação do recurso natural - água.

A escassez de água para a manutenção e desenvolvimento de projetos irrigados e a projeção de um cenário sombrio em que a água seria o principal motivo das guerras mundiais ensejaram uma corrida para garantia de outorgas e recursos para uso das quantidades outorgadas.

Eles poderão exportar frutas, a partir dos portos do Ceará e do Rio Grande do Norte, mais próximos da Europa e, portanto, muito mais convenientes do ponto de vista econômico, se compararmos aos agricultores posicionados na Bacia do São Francisco, seja em Pernambuco, na Bahia ou em Minas Gerais. Por trás de tudo isso, há uma estratégia. O Ceará sabe muito bem o valor da água e avançou muito no que diz respeito à gestão de água. Esse estado tem o objetivo, de longo prazo, de deter reserva para o futuro, o que foi feito no estado da Califórnia, em relação ao Rio Colorado, nos Estados Unidos. O estado da Califórnia procurou apropriar-se de grande quantidade de água para prover seu desenvolvimento futuro. Estamos diante desse mesmo quadro, em relação ao São Francisco. E o estado de Minas Gerais precisa estar atento a isso, porque detém a maior parte das águas desse rio (LUIZ CARLOS FONTES, UNIVERSIDADE FEDERAL DO SERGIPE, ASSEMBLEIA DE MINAS GERAIS, 2007).