• Nenhum resultado encontrado

6.2 Análise das crenças políticas

6.2.5 População beneficiada

A discussão sobre população beneficiada também se insere nas preocupações de em qual paradigma de desenvolvimento a obra está inserida. O direcionamento de uma política para atendimento de grupos da população é uma das principais razões para motivação e ação dos atores.

Para a sociedade civil, que se posicionou radicalmente contra o projeto, o público- alvo da obra são políticos e grupos empresariais ligados ao agronegócio. Acreditam que, além de pressupor um falso problema (existência de déficit hídrico), ela é proposta como solução para o desenvolvimento da região, quando, na verdade, reforçaria velhos esquemas de dominação e exclusão.

Parece-nos que a transposição do São Francisco é uma velha falsa solução para um velho falso problema. O consumo humano de água é só fachada; 186 municípios da região do Nordeste Setentrional serem beneficiados por essas águas, qualquer um percebe, sem qualquer cálculo técnico, que é impossível. Por trás disso está o interesse das grandes empresas de irrigação nos solos ainda possíveis de serem irrigados do Vale do Apodi, do Rio do Peixe, do Salgado, do Jaguaribe. Só que se vende isso à população como chance de emprego. E nós conhecemos o custo social e ecológico da irrigação, ainda muito mal-entendida pela própria sociedade brasileira (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA, ASSEMBLEIA DA BAHIA, 2000).

59

“[...] é uma obra onde o Ceará e o Rio Grande do Norte, nós temos dados técnicos, não precisam de água para beber, não precisam de água para beber, nem o Ceará nem o Rio Grande do Norte, está água é para irrigação. E mais uma vez a gente tem que denunciar, não existe outra coisa por trás desta transposição” (DEPUTADO AUGUSTO BEZERRA, PFL/SE, ASSEMBLEIA DO SERGIPE, 2004).

Um número muito utilizado na argumentação é proveniente do próprio estudo de impacto ambiental do projeto. Os opositores ao projeto informam que, no estudo, 70% das águas estão planejadas para uso em projetos de irrigação.

O projeto também é criticado por não priorizar aquelas populações que mais sofrem os impactos da seca. Os atores que fazem a crítica argumentam que as populações residentes em áreas rurais ou em pequenos núcleos urbanos isolados, também denominadas “populações dispersas”, são as mais atingidas pela fragilidade no acesso à água.

Quem estiver pensado que a transposição do São Francisco vai beneficiar o povo mais carente do Nordeste, a população difusa, estará muito enganado. Esta população difusa que hoje está sendo abastecida com frotas de carros-pipa vai continuar sendo abastecida com carros-pipa! Quem vai receber a água do São Francisco é o criador de camarão, o exportador de manga, enfim, aqueles que detêm grande capital (JOÃO SUASSUNA, FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO, AUDIÊNCIA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2007). 

Parte dos defensores do projeto não refuta o atendimento da produção irrigada, mas enfatiza que as águas também atenderão às populações urbanas. A superação de crises de abastecimento em Fortaleza-CE e Campina Grande-PB, por exemplo, é indicado como um dos objetivos da obra. Considerando a entrevista com o ex-coordenador do projeto (1o/10/2010), a construção do Castanhão no Ceará e outras barragens já se constituíam no início da interligação de bacias.

A publicação do Atlas da ANA em 2004 serviu de instrumento para os críticos da obra. As intervenções propostas no Atlas, de acordo com os opositores, custariam R$ 3,5 bilhões e atenderiam 34 milhões de pessoas em áreas urbanas ou municípios com mais de 5 mil habitantes.

A publicação do Atlas levou à modificação no discurso de defesa do Projeto de Interligação a partir de mais ênfase no abastecimento humano. O Ministério da Integração reorientou os argumentos para demonstrar maior concentração urbana da população do semiárido e redução da produção agrícola em favor do setor de serviços.

Os dados do censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 56% da população do semiárido é hoje urbana, reside em pequenas e médias cidades. Na área de atuação da SUDENE, esse percentual sobe para 68%, ficando muito próximo da média brasileira, de 85%. Temos de ter grande cuidado com as cidades do semiárido. A garantia hídrica para essas cidades deve ser objeto da nossa preocupação (JOÃO MENDES SECRETÁRIO EXECUTIVO, MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO, ASSEMBLEIA DE MINAS GERAIS, 2007).

Outra vertente de argumentação contrária à obra é de que esta atenderia a uma população reduzida. A fundamentação, todavia, parte de pontos de vistas diferentes. Um setor critica a obra porque a quantidade de água a ser transportada seria irrisória diante das demandas regionais de abastecimento humano e irrigação. Uma segunda linha de exposição é a de que, geograficamente, os canais passariam por regiões que não são as mais críticas. Observa-se também a percepção de que os benefícios seriam limitados visto que as águas transportadas poderiam ser apropriadas por poucos.

Por que não somos capazes de pensar e amadurecer um projeto maior ou fazer um projeto concomitantemente? Por que nem se conhece o destino social e econômico do projeto que está em estudo hoje? Nesse sentido, gostaria que S.Sa. refletisse um pouco sobre isso, para que também colhêssemos informações a respeito do que é, a seu juízo, uma obra dessa natureza para o desenvolvimento da população de toda essa região. Que não seja apenas algo preocupado com a obra ou com a apropriação das águas ao longo dessa transposição, que se destinaria, afinal, ao consumo, ao abastecimento humano em determinados setores. Que garantias existem de que não haverá apropriações, como é habitual acontecer em nosso Nordeste? (SENADOR WALDIR PIRES – PARTIDO DOS TRABALHADORES - PT/BA, GRUPO DE TRABALHO CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2000).