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AS CHUVAS DE 2013/2014 EM BELO HORIZONTE – MG E SUA RELAÇÃO COM A (SUPOSTA) “CRISE HÍDRICA”

Variação da umidade relativa do ar

AS CHUVAS DE 2013/2014 EM BELO HORIZONTE – MG E SUA RELAÇÃO COM A (SUPOSTA) “CRISE HÍDRICA”

CARLOS HENRIQUE JARDIM

1 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG/IGC/DGEO dxhenrique@gmail.com

Resumo

Este artigo analisa aspectos relativos às causas e impactos das chuvas nos anos de 2013 e 2014 e sua relação com a “crise hídrica” no sudeste brasileiro, considerando os totais de chuva de Belo Horizonte - MG. Os dados meteorológicos foram extraídos dos sites do Instituto Nacional de Meteorologia (www.inmet.gov.br) e da Agência Nacional de Águas (www.ana.gov.br). A análise utilizou a distribuição mensal e anual das chuvas dos anos de 2013 e 2014 em comparação aos dados da Normal Climatológica (1961-90). Os desvios identificados referem-se à variabilidade natural do clima e os impactos produzidos evidenciaram a vulnerabilidade dos sistemas de captação, armazenamento e distribuição de água.

Palavras-chave: Chuvas. Variabilidade climática. Impacto ambiental.

Abstract

This paper analyzes aspects of the causes and impacts of rainfall in the years 2013 and 2014 and its relation to the "water crisis" in southeastern Brazil, considering the rainfall total of Belo Horizonte – MG - Brazil. Meteorological data were extracted from the websites of the National Institute of Meteorology (www.inmet.gov.br) and the National Water Agency (www.ana.gov.br). The analysis used the monthly and annual rainfall distribution of the years 2013 and 2014 compared to the data of the Normal Climatological (1961-90). The identified deviations refer to natural climate variability and impacts produced showed the vulnerability of capture systems, storage and distribution of water.

Keywords: Rain. Climate variability. Environmental impact.

1. Introdução

A definição de períodos secos é alvo de controvérsias uma vez que tal fenômeno se traduz por dinâmica temporal e espacial complexas. A “seca agronômica”, por exemplo, é assinalada pelo “ponto de murcha” da planta e está relacionada tanto à capacidade do solo em suprir as necessidades hídricas do organismo vegetal, sendo variável nos diferentes tipos de solos e

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da própria tolerância do organismo em relação à falta de água. Por outro lado, a “seca climática” define-se a partir de variações dos totais mensais e anuais de chuva em relação às médias climatológicas. É evidente que essa caracterização encerra falhas, uma vez que os valores médios dos atributos climáticos traduzem apenas um referencial numérico e mesmo que os totais situem-se abaixo das médias, a sua distribuição regular durante o ano pode compensar esse desvio e, de forma semelhante, mesmo que os totais coloquem-se acima das médias, a forte concentração de chuvas num dado período ano pode trazer repercussões ambientais típicas de anos mais secos.

Por outro lado, sob a perspectiva geográfico-climatológica, essa questão configura-se em excelente oportunidade para aplicação do conhecimento geográfico, já que envolve relações entre aspectos do meio e da sociedade. Nesse sentido, este artigo analisa a distribuição temporal das chuvas nos anos de 2013/2014 no sudeste brasileiro, ressaltando em particular as causas e repercussões ambientais no estado de Minas Gerais bem como sua suposta contribuição no desencadeamento da “crise hídrica”.

Como fora ressaltado, não há clara definição do que seja um período seco, uma vez que há vários fatores envolvidos, tanto relativos à dinâmica atmosférica quanto em termos de impactos ambientais e sociais. Dentre a diversidade de eventos e fenômenos climáticos, os períodos de estiagem configuram-se por episódios de seca (variando de dias a algumas semanas) dentro de um período habitualmente chuvoso.

A tentativa em se definir e classificar um período de “seca” não é recente e encerra relativo grau de arbitrariedade, haja vista a natureza e características desse fenômeno nos diferentes lugares. Birot (1962) cita, por exemplo, a fórmula definida por Gaussem sobre a intensidade da seca, definida quando a precipitação total do mês for inferior ao dobro da temperatura média desse mês (P<2.T; p: precipitação total do mês em mm; T: temperatura média mensal do ar).

Kobiyama et al. (2006) citando Campos (1997), classifica as secas em “seca climatológica”, quando a pluviosidade é baixa em relação às normais da área, “seca hidrológica”, quando a deficiência ocorre nos estoques de água dos rios e açudes e “seca edáfica” quando é constatado um déficit de umidade no

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solo. Todas essas formas, evidentemente, ligadas por mecanismos de feedback no qual um componente retroage sobre o outro, reforçando e/ou atenuando o impacto.

Cupolillo et al. (2002), apoiado em diversos autores, verifica falta de clareza na definição de eventos associados a períodos de estiagem (caso específico dos “veranicos” no sudeste brasileiro).

Pinto e Aguiar Neto (2008), mais recentemente, fazem breve revisão do assunto enfatizando a importância das chuvas na definição da climatologia dos trópicos, sua importância diante das necessidades hídricas das plantas, e os impactos resultantes da redução e/ou ausência desse atributo por períodos variáveis (diferente de uma condição de aridez ou de seca permanente onde a ocorrência de chuvas é fato episódico).

2. Metodologia de trabalho

Foram consultadas fontes bibliográficas diversas (livros, artigos, textos de jornais e revistas etc.) a fim de conferir suporte à análise, pautada na comparação dos dados de chuva dos anos de 2013 e 2014 com os dados das Normais Climatológicas (1961-90).

Os dados meteorológicos relativos ao período abrangido marcado pela ausência e/ou redução dos totais de chuvas foram obtidos através do site do Instituto Nacional de Meteorologia - INMET (www.inmet.gov.br). Utilizou-se, também, de dados obtidos junto à Agência Nacional de Águas (www.ana.gov.br) referente à estação do Instituto Agronômico, série de 1941- 1970 (Belo Horizonte – 19°55’S e 43°54’W – altitude 850 m), representativa da realidade local de Belo Horizonte – MG.

A configuração dos sistemas atmosféricos atuantes no período marcado pela ausência de chuvas foi inferida a partir de consultas aos boletins meteorológicos e da interpretação de imagens de satélite meteorológico e cartas sinóticas de superfície obtidas nos sites do Instituto de Pesquisas Espaciais (www.cptec.inpe.br) e da Marinha do Brasil (www.mar.mil.br).

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Física Aplicada. Teresina- Piauí. Home: http://www.ojs.ufpi.br/index.php/equador 3. Resultados e Discussão

Conforme discutido anteriormente por Jardim (2012), apoiado em outros autores, o clima em grande parte do centro-oeste e parte do sudeste brasileiro tem origem complexa e o caráter sazonal na distribuição das chuvas é fato bem marcado. De acordo com informações extraídas de Nimer (1989), Vianello e Alves (1991) e Dias e Marengo (2002) as características do clima dessa região deve ser buscada na ação dos sistemas atmosféricos (sistemas frontais, massa equatorial continental, sistema tropical Atlântico etc.) e de mecanismos associados (formação de linhas de instabilidade, atividade convectiva, ação da brisa oceânica etc.). O estabelecimento ocasional (durante a primavera e principalmente no verão) das denominadas Zona de Convergência de Umidade (ZCOU) e Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) garante elevados totais de chuva por vários dias seguidos. Deve-se acrescentar, conforme destaca Tarifa (1994), a participação do relevo como fator de causa e reforço no desenvolvimento de instabilidades (efeito orográfico).

O quadro descrito, acrescido da atuação de mecanismos de larga escala e teleconexão (El Niño/La Niña, Oscilação Decadal do Pacífico, Dipolo do Atlântico, Oscilação Madden-Julian etc.) impõe desvios importantes à variação dos elementos climáticos.

Particularmente no caso das secas, o mecanismo físico básico é resultado da subsidência do ar convergente em altitude acompanhado de aquecimento dinâmico da coluna atmosférica (processo adiabático). O aumento da temperatura implica na redução dos valores de umidade relativa e o aumento da estabilidade estática do ar origina em superfície núcleos de alta pressão que inibe a aproximação de outras massas de ar. A condição descrita é comum e o impacto decorre não da sua ação (frequente), mas da persistência dessa condição pelo período de vários dias e semanas seguidas. Um exame das imagens de satélite e cartas sinóticas do período mostra a ação persistente do Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul (ASAS) por trás das condições descritas caracterizadas pela escassa nebulosidade. A definição de uma situação de “bloqueio atmosférico” ao redor do núcleo de alta pressão ligado a

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ação do ASAS dificulta o avanço dos sistemas frontais em direção a latitudes mais baixas e daqueles ligados à Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), relativo às massas equatoriais, todos associados a produção de chuvas.

Conforme indica análise dos dados de chuva (Fig. 01) o ano de 2013 foi marcado por significativa redução dos totais mensais e anual de chuva (945 mm contra 1463,7 mm indicado pelas médias). Entretanto, a partir da série de dados da estação do antigo Instituto Agronômico de Belo Horizonte (1941- 1970), é visível recorrência desse tipo de situação. No ano de 1951 foram registrados 1057,6 mm, 1954 registrou total de 1007,7 mm, 1946 assinalou 1088,3 mm e 1963 registrou 483,5 mm. Da mesma forma há vários anos com valores acima da média como 1945 com 2234 mm e 1965 com 1955,5 mm.

Fig. 01 – Variação temporal doa totais mensais e anuais de chuvas em 2013 e 2014.

Essas variações não estão presentes apenas no total anual de chuvas. Há, também, a ocorrência de totais mensais abaixo da média que, mesmo não afetando o total anual, desencadeia impactos típicos de períodos de seca de duração temporal menor. O mês de janeiro de 1953, por exemplo, registrou 35,8 mm e janeiro de 1956, 10,8 mm (contra 274,1 mm da média). Entre os meses de janeiro e fevereiro de 1953, houve períodos de uma a duas semanas sem chuva e, para o mesmo período no ano de 1956, houve intervalo de mais de 30 dias sem chuva. O mês de março de 1963 registrou apenas 2,6 mm no segundo dia desse mês (a média em março é de 142,7 mm). Os totais anuais

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de chuva em 1953 e 1956 situaram-se próximos à média histórica de 1463,7 mm (1407,7 mm e 1312,7 mm, respectivamente) e 1963 assinalou 483,5 mm.

Mesmo em anos considerados “atípicos” como o de 1963, deve-se analisar a sequência de anos anteriores e posterior ao evento: no ano anterior, em 1962, foram registrados 1859,8 mm e no ano seguinte, em 1964, 1866,8 mm. O mesmo ocorreu com os anos de 2013, quando choveu 1575 mm e 2014 com 945 mm.

4. Considerações finais

É fato que o ano de 2014 registrou um desvio (negativo) em relação às médias. No entanto, esse valor não atingiu a mesma magnitude daquele de 1963. E por que a crise? Cesar Neto (2014) lembra que em recente entrevista o presidente da ANA, Vicente Andreu, alertou que “o pior ainda está por vir”.

A resposta à questão é óbvia e aponta dois aspectos: (1) o sistema climático prossegue com sua dinâmica e evolução natural e os desvios integram essa dinâmica (padrões de anos secos, anos chuvosos, ou habituais quando se aproxima das médias), independentemente de teorias absurdas sobre aquecimento global e da suposta participação humana nesse processo; (2) os sistemas antrópicos (cidades, agrossistemas etc.) estão cada vez mais vulneráveis ao impacto natural, seja de chuvas em excesso ou da falta dela.

E como se chegou à situação apontada acima? As causas são múltiplas e indicam o seguinte: (1) falta de investimentos na melhoria dos sistemas de captação, armazenamento e distribuição de água. A população brasileira, consumo, produção industrial, serviços etc. aumentou muito desde o “apagão” de 2001-2002. Essas obras já deveriam ter sido realizadas. O governo Alkimin no estado de São Paulo, onde a “crise” é mais grave, aventa agora para a possibilidade de dessalinizar a água do mar. Fala-se até em criar uma empresa de economia mista (estado em parceria com o setor privado) para fazer isso, ou seja, mais uma oportunidade de ingerência do capital no setor público. E o que mudou com as privatizações? A população paga hoje por serviços mais caros com a mesma qualidade daqueles prestados pelas antigas estatais. (2) Mais investimentos em conservação do ambiente, incluindo proteção dos

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cursos d’água e em áreas de captação e armazenamento, ou seja, fazer valer o novo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012) e a Lei das Águas (Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997). O desmatamento na Serra da Cantareira em São Paulo e a ação das mineradoras no quadrilátero ferrífero em Belo Horizonte comprometem, não só os ecossistemas desses ambientes, mas todo o ciclo hidrológico, desfavorecendo a infiltração e maximizando o escoamento da água (a água não é retida no ambiente, é levada embora junto com componentes de solos, desencadeando processos erosivos). (3) Necessidade de instituir planejamentos de médio e longo prazo. No Brasil as crises precisam se instalar para que medidas sejam tomadas. Não se pensa em prevenção, apenas em soluções imediatas para determinados problemas.

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ANÁLISE DAS NORMAIS CLIMATOLÓGICAS DE TEMPERATURAS,