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CAPÍTULO 3. SISTEMA JURÍDICO DA INOVAÇÃO E SUA ANÁLISE

3.1 Ciência e Tecnologia na Constituição Federal de 1988

Ciência e tecnologia resultam do conhecimento humano. Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos esclarece:

A ciência volta-se mais para as formulações teóricas e a tecnologia procura extrair rendimento prático desses mesmos princípios. Quase se poderia dizer que a tecnologia é a ciência aplicada.59

Gilberto Bercovici e José Francisco Siqueira Neto, por sua vez, esclarecem sobre os aspectos constitucionais da Ciência e Tecnologia:

A Constituição de 1988 inovou em relação às constituições anteriores por reconhecer de maneira mais enfática a importância da ciência e tecnologia. Essa previsão constitucional está inserida no contexto das relações dialéticas entre Estado e ciência no século XX, que, segundo Peter Michael Huber, se tornaram simbióticas. A necessidade, expressa constitucionalmente, de uma política científica visa também garantir a expansão das forças produtivas e o acesso ao conhecimento para as futuras gerações. 60

Renato Dagnino, por sua vez, ao estudar os elementos para uma teoria crítica da tecnologia, formula um conceito genérico a este respeito:

A consideração desses aspectos leva a entender a tecnologia como o resultado da ação de um ator social sobre um processo de trabalho que ele controla e que, em função das características do contexto socioeconômico, do acordo social, e do ambiente produtivo em que ele atua, permite uma modificação no produto gerado passível de ser apropriada segundo o seu interesse.61

Em seguida, particulariza o conceito genérico para a Tecnologia Capitalista:

Ela é o resultado da ação do empresário sobre um processo de trabalho que, em função de um contexto socioeconômico(que engendra a propriedade privada dos meios de produção) e de um acordo social (que legitima uma coerção ideológica por meio do Estado) que ensejam, no ambiente produtivo, um controle (imposto e assimétrico) e uma cooperação (de tipo taylorista ou toyotista), permite uma modificação no produto gerado passível de ser por ele apropriada.62

E tece uma consideração final sobre o conceito por ele formulado:

O conceito de tecnologia aqui proposto se diferencia do usualmente encontrado em vários sentidos. Em primeiro lugar porque não se refere ao ator que modifica o processo de trabalho e, por isso, não deixa claro que se ele não o controla (no

       59

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 22ª. ed., 2010, p. 676.

60

BERCOVICI, Gilberto. SIQUEIRA NETO, José Francisco. Direito e Inovação Tecnológica. In: SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva; SIQUEIRA NETO, José Francisco. (Orgs.) 60 Desafios do Direito.

Economia, Direito e Desenvolvimento. São Paulo: Atlas, 2013.p. 24. 61

DAGNINO, Renato. Elementos para uma Teoria Crítica da Tecnologia. Revista Brasileira de Ciência, Tecnologia e Sociedade, v. 1, n. 1, p. 3-33, 2jul/dez 009. p. 26.

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sentido “técnico”, do ambiente produtivo) não haverá como efetivar a introdução de conhecimento; por mais interessante, novo, atrativo, ou “científico” que ele seja. Em segundo, porque o conceito usual implicitamente supõe que qualquer conhecimento que permita aumentar a quantidade de produto gerado durante o tempo a ele dedicado poderá ser utilizado pelo ator que controla o processo de trabalho, enquanto que aquele põe em evidência o fato de que isso irá ocorrer somente se o ator tiver a possibilidade de dividir a produção resultante de acordo com seu interesse. Em terceiro lugar porque chama a atenção para o fato de que essa possibilidade é facultada por um acordo social que legitima certa forma de propriedade. E que se este acordo deixar de existir, ainda que o ator siga controlando o processo de trabalho ele não terá interesse em introduzir conhecimento novo no ambiente produtivo.63

Vale salientar que a Constituição vigente procurou promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica, nos termos do artigo 218.

Essas preocupações, evidentes no texto constitucional, ressaltam a importância dessas atividades para o desenvolvimento do Estado e da própria sociedade, que, apesar de não inovadoras em relação às normas constitucionais anteriores, sedimentam-se como um verdadeiro avanço normativo, uma vez que se firma a atenção conferida ao desenvolvimento da ordem social.

A mencionada promoção abrange a atuação direta do Estado, através da criação e manutenção de entidades, assim como a atuação indireta, por entidades “quase estatais” ou por meio da destinação de recursos orçamentários para o fomento dessas atividades.

Já quanto ao incentivo, a lei deve apoiar e estimular as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao país, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho, conforme dispõe o artigo 218, § 4º, da Constituição de 1988.

Além disso, a Lei Suprema vigente determina igualmente que o Estado deve apoiar a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, bem como conceder aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho, nos termos do artigo 218, § 3º. No plano infraconstitucional, a Lei no8.691/93 regulamenta no âmbito federal disposições relacionadas ao artigo mencionado da Constituição.

Da leitura do artigo 218 e 219 da Constituição Federal e seus parágrafos percebe-se a importância e tratamento prioritário do tema “inovação” no país.

Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento cientifico, a

pesquisa e a capacitação tecnológicas:

§1º A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em

vista o bem público e o progresso das ciências;

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§2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos

problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional;

§3º - O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência,

pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho.

§4º - A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de

tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

§5º - É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita

orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica.

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de

modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

Destaca-se ainda que a adoção de um sistema jurídico da inovação incorreto ou sua interpretação restrita podem trazer consequências ao mercado e a autonomia tecnológica do País.

Os objetivos do sistema estão na Constituição Federal, na articulação entre três artigos, 3o, 219 e 218, que, segundo Alessandro Octaviani “estimulam a superação do subdesenvolvimento, com a homogeneização social e a autonomia dos centros decisórios”.

Para alcançar um dos eixos da autonomia dos centros decisórios, a autonomia tecnológica, o Estado “promoverá” e “incentivará”, significando o termo promover “mover em uma dada direção”. O Estado moverá a ciência, a pesquisa e a tecnologia para a direção da autonomia por ação direta ou indireta, auxiliando um particular a concretizar tal objetivo, por meio de incentivos.

Na visão de Alessandro Octaviani64:

A autonomia dos centros decisórios e a homogeneização social são feixes informativos de cada elo da cadeia. A pesquisa cientifica básica “deve ter em vista o bem publico”; a pesquisa tecnológica deve estar voltada “preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros” e “para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional”; a pesquisa e tecnologia que se incentiva sejam buscadas dentro das empresas é aquela que seja “adequada ao País”.

Todas as atividades e atores da produção tecnológica (“a pesquisa cientifica básica”, a “pesquisa tecnológica”, o “apoio do Estado”, as “empresas” integrantes do sistema) estão subordinados ao objetivo de superação do subdesenvolvimento. A atividade de inovação é uma pequena parte dessa cadeia, submetendo- se a tais objetivos constitucionais, sendo a construção do sistema nacional de inovação um importante momento dessa busca, jamais uma estrutura com poder jurídico de contrariá-lá (...)

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OCTAVIANI, Alessandro. O ordenamento da inovação: a economia política da forma jurisdicional, pg.13. Divulgação da pesquisa em andamento realizada no Departamento de Direito Econômico da Universidade de São Paulo, pelo grupo Direito e Subdesenvolvimento: o desafio furtadiano, a respeito do ordenamento da inovação tecnológica e seus efeitos.

A lei da Inovação em seu artigo 1o reforça o mesmo entendimento do autor, juntamente com o artigo 27o que também ressalta o combate às desigualdades regionais, dando validade ao preconizado na Constituição Federal:

Art. 1o. Esta lei estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa cientifica e tecnológica no ambiente produtivo, como vistas à capacitação e ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do País, nos termos do art. 218 e 219 da Constituição.

Art. 27. Na aplicação do disposto nesta Lei, serão observadas as seguintes diretrizes: I - priorizar, nas regiões menos desenvolvidas do País e na Amazônia, ações que visem a dotar a pesquisa e o sistema produtivo regional de maiores recursos humanos e capacitação tecnológica;

II - atender a programas e projetos de estímulo à inovação na indústria de defesa nacional e que ampliem a exploração e o desenvolvimento da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e da Plataforma Continental;

III - assegurar tratamento favorecido a empresas de pequeno porte; e

IV - dar tratamento preferencial, diferenciado e favorecido, na aquisição de bens e serviços pelo poder público e pelas fundações de apoio para a execução de projetos de desenvolvimento institucional da instituição apoiada, nos termos da Lei no 8.958, de 20 de dezembro de 1994, às empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País e às microempresas e empresas de pequeno porte de base tecnológica, criadas no ambiente das atividades de pesquisa das ICTs. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)