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CAPÍTULO 1. SISTEMA BRASILEIRO DA INOVAÇÃO E POLÍTICA

2.6 Princípio democrático e inovação

O conceito de democracia desenvolveu-se ao longo dos anos, na medida em que os governos assumiam-se como democráticos, sendo uma construção histórica. Desse modo, tem-se procurado refletir considerações sobre o seu significado.

Hélcio de Abreu Dallari Júnior54 reflete sobre quatro pontos da democracia: a) soberania da vontade do povo como fundamento do poder político e organizadora do Estado; b) importância da vontade popular; c) relevância do controle do povo no poder político; e d) caráter fundamental da participação popular.

No que tange às decisões políticas, a participação popular direta nas tomadas decisões deve ser conciliada com a representatividade, afinal no Brasil adota-se uma democracia semidireta, sendo instrumentos de participação popular direta o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.

Por outro lado, atualmente, cada vez mais, com o advento da internet e das redes sociais55, o povo assume uma possibilidade decisória maior, onde a participação política se trata de uma liberdade fundamental inexorável.

       54

JUNIOR DALLARI, H.A. Teoria Geral do Estado Contemporâneo, 4a.ed., 2011, pp.41-42.

55

Sobre o assunto, cabe lembrar que o povo na Islândia debateu sobre a criação de sua nova Constituição pelo

No panorama empresarial, por sua vez, é possível discutir a democracia do ponto de vista da organização chamada de Tecnoestrutura, conforme reflete Galbraith.56

A reflexão envolve a substituição da figura individual e centralizadora do empresário, para todos aqueles que colaboram com conhecimento especializado, talento ou experiência para tomada de decisões pelo grupo – que constitui o cérebro da empresa. O autor afirma que não existe nome para todos os que participam da tomada de decisões em grupo ou para a organização por eles constituída, mas se propõe a denominá-la de Tecnoestrutura.

Tratando-se, por sua vez, de inovação nas instituições democráticas, nota-se certo avanço nos últimos anos. Diversos órgãos dos Poderes encontram-se nas redes sociais, como Facebook, Twitter ou Linkedin.

O dado elencado é positivo, uma vez que permite um contato mais próximo com a população, mesmo sabendo-se que parte do povo brasileiro não se encontre conectado às redes sociais, já que, por outro lado, atinge-se parcela considerável, cumprindo uma função social e de obediência ao principio democrático. Exemplo disso é o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que pelo Facebook leva diversas informações úteis à população, como meio, inclusive, de conscientização; ou, em outro exemplo, em recente divulgação da notícia57 pela rede social de que a vacina contra catapora passa a ser oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Para haver maior aproveitamento deste potencial democrático, acredita-se que a interação das instituições com o povo pela via digital aumentará nos próximos anos, recebendo perguntas, sugestões e críticas, de modo que essas fossem de fato aproveitadas e implementadas na realidade.O marco civil da Internet é exemplo deste fim58.

Por outra perspectiva do assunto, resolveu-se analisar órgãos que atuam na PCT e verificar se estão atuando de acordo com o princípio democrático, com ênfase na Agência Brasileira da Inovação - FINEP, órgão de fomento, como empresa pública vinculada ao MCTI, nos termos do artigo 1º., do seu estatuto que foi aprovado pelo Decreto no 1.808 de 7 de fevereiro de 1996, alterado pelo Decreto no 2.209, de 18 de abril de 1997 e pelo Decreto no        

verdade, ocorreria mais uma ação de marketing do que propriamente a consubstancialização do princípio democrático, o que, no entanto, discorda-se, pois naquele país que dada a sua realidade populacional e o contexto em que se realizou este processo os efeitos foram positivos.

56

Galbraith, J.K. A Fraude Inocente: O crescimento das Grandes Empresas e o Futuro da Democracia, trad. Duarte Souza Tavares, Cascais, 2006, p.88.

57

cf. Notícia do Portal Saúde – SUS: Vacina contra catapora passa a ser ofertada no SUS. 02/09/2013. Com acesso via post do CNJ pelo Facebook.

58 No Brasil, debateu-se de modo aberto ao público, por intermédio da plataforma eletrônica do Congresso

Nacional, pelo Twitter e por meio de postagens em blogs sobre o Marco Civil da Internet, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, tendo seguido para sanção Presidencial.  

2.471, de 26 de janeiro de 1998, pelo Decreto no 3.987, de 29 de outubro de 2001, e pelo Decreto no 7.322, de 30/09/2010.

Com vistas a atingir a sua finalidade, com fulcro no artigo 4º, a Finep poderá:

I - conceder a pessoas jurídicas financiamento sob a forma de mútuo, de abertura de créditos, ou, ainda, de participação no capital respectivo,[...];

II - financiar estudos, projetos e programas de interesse para o desenvolvimento econômico, social, científico e tecnológico do País, promovidos por sociedades nacionais no exterior;

III - conceder aval ou fiança;

IV - contratar serviços de consultoria;

V - celebrar convênios e contratos com entidades nacionais ou estrangeiras, públicas ou privadas, e internacionais;

VI - realizar as operações financeiras autorizadas pelo Conselho Monetário Nacional;

VII - captar recursos no País e no exterior; VIII - conceder subvenções;

IX - conceder a pessoas jurídicas brasileiras, de direito público ou privado, e a pessoas físicas, premiação em dinheiro por concurso que vise ao reconhecimento e ao estímulo das atividades de inovação; e

X - realizar outras operações financeiras.

Nota-se, a partir da leitura dos incisos elencados, as amplas possibilidades de financiamentos que a Finep disponibiliza para atingir seu fim.

Conforme o artigo 10, do seu estatuto, a Finep possui a seguinte estrutura básica: I - órgãos colegiados: a) Conselho de Administração; b) Conselho Consultivo; II - órgão de direção geral: a) Diretoria Executiva; III - órgão de fiscalização: a) Conselho Fiscal.

Ademais, a Finep disponibiliza em seu sítio um Portal de acesso à informação, onde divulga informações: a) institucionais e organizacionais da Finep, compreendendo suas funções, competências, estrutura organizacional, relação de autoridades, agenda de autoridades, horários de atendimento e legislação; b) pertinentes aos programas, ações, projetos e atividades implementadas pela Finep; c) referentes ao resultado de inspeções, auditorias, prestações e tomada de contas realizadas na Finep; d) convênios; e) despesas; f) licitações e contratos; g) empregados e h) dentre outras informações, os dados para contato.

Já os recursos da Finep (2011) para crédito e subvenção econômica passaram de R$ 1 bilhão em 2010 para R$ 5 bilhões em 2011, somada a esta cifra o aporte de R$ 2 bilhões via PSI (Programa de Sustentação ao Investimento).

A partir do exame das possibilidades de financiamentos e dos recursos ofertados pela Finep para o atingimento dos seus fins, bem como do sistema de transparência de suas práticas, verifica-se que esta se trata de uma instituição democrática, uma vez que a renda e a transparência podem ser consideradas como a pedra de toque para que um programa inovador

de uma empresa seja implantado e produza resultados positivos, fornecida de modo transparente.

Uma terceira perspectiva de cunho democrático, além das citadas análises de participação popular no poder e análises de atitude democrática dos órgãos da estrutura de inovação do país, pode ser a questão da transferência de tecnologia entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos e a importância crescente do segredo e reserva no mundo da tecnologia.

Nesse âmbito, Fábio Konder Comparato argumenta que o principio cardeal de política econômica deveria ser a máxima difusão tecnológica possível evitando concentração econômica pelo monopólio da experiência técnica acumulada.

Diante da análise da relação entre democracia e transferência de tecnologia, verifica-se que há espaço para amadurecimento do tema. Ainda existe grande dificuldade na transferência de tecnologia e conhecimento, sendo estes restritos em sua maioria aos países desenvolvidos, que os concentram como instrumento não só do poder econômico, mas também político e estratégico.

Contudo, parece haver sinais em alguns casos de cenário internacional, como exemplo entre Brasil e Estados Unidos de que isso poderá avançar. Em termos preliminares, não descartando maior análise sobre o assunto, a hipótese sugerida aparece à partir da reportagem de Carlos Vasconcellos no jornal Valor:

As chamadas ciências da vida respondem por cerca de 30% da atividade P&D no Brasil. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos respondem por 75% da inovação tecnológica global nessa área. Os números apresentados durante a 3ª Conferência de Inovação Brasil-Estados Unidos dão uma mostra do potencial para parcerias entre instituições públicas, universidades e empresas dos dois países nesse segmento. [...] Já Deborah Wince-Smith, CEO do Conselho de Competitividade dos Estados Unidos, considera que os dois países têm uma tremenda oportunidade de unir seus esforços e ativos para criar algo maior. "Seria interessante desenvolver um projeto- piloto de inovação para testar novos modelos regulatórios", diz. Segundo Norberto Rech, gerente-geral de medicamentos da Anvisa e diretor da Farmacopeia Brasileira (o Código Oficial Farmacêutico seguido no Brasil), a agência reguladora tem adotado uma estratégia de acordos bilaterais e multilaterais para reconhecer a capacidade de órgãos estrangeiros, e ser reconhecida por eles. Isso já acontece em relação ao Food and Drug Administration (FDA) americano: "Não abrimos mão da nossa autonomia, mas podemos trocar informações com outras agências para agilizar os processos de validação de novas drogas ou equipamentos", diz Rech. "Oitenta e cinco por cento da demanda de pesquisa clínica no Brasil, por exemplo, já passaram por aprovação em países com os quais temos convênio. Desse modo, conseguimos reduzir em 70% o tempo para a aprovação desses testes no país", conta.

A partir da leitura do trecho em comento, percebe-se que pode existir parcerias com transferências de informações entre órgãos e instituições dos EUA e do Brasil. Cabe frisar ser válida esta iniciativa, porém se ressalta que, para verdadeiramente atender ao principio

democrático, contribuindo para a redução das desigualdades sociais, bem como da dominação econômica, política e estratégica dos países desenvolvidos, alterando-se as estruturas de poder, deve ocorrer não somente a troca de informações, mas principalmente a transferência da tecnologia envolvida nos processos que abrange parcela substancial da população.

Em síntese, o Brasil parece carregar certo avanço na aproximação de órgãos com o povo, através das redes sociais. Percebe-se que o órgão avaliado Finep por permitir instrumentos de fomento de atividades de inovação, bem como por ser transparente, trata-se de um órgão democrático. Já a avaliação do elo entre a democracia e transferência de tecnologia, constata não se tratar de ambiente propriamente democrático, devido à dificuldade de transferência de tecnologia, que se concentra nos países desenvolvidos, como ferramenta de poder, havendo neste campo uma hipótese para a democracia se entranhar. Trata-se de área que requer investimentos e, que de fato as parcerias que visem o bem comum e o interesse nacional, além do uso mais efetivo de licenças compulsórias e de patentes essenciais, como se verá no capítulo atinente a estes instrumentos.