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Condição subalterna por Gramsci e possibilidade de alteração pela inovação

CAPÍTULO 4 DOMÍNIO ECONÔMICO E INOVAÇÃO

4.3 Reflexão doutrinária sobre Domínio Econômico e Inovação

4.3.2 Condição subalterna por Gramsci e possibilidade de alteração pela inovação

A reflexão sobre o desafio gramsciano para a atualidade inicia-se com a questão: “quem são eles que ousam querer nivelar?”. Segundo Alessandro Octaviani:

“perceber as próprias possibilidades em uma relação de poder já é uma alteração das condições do jogo, pois convencer o outro de que ele não tem sequer possibilidades faz uma relação congelar em uma posição francamente favorável ao que conseguir instalar a crença”.

Não adentrando no campo da filosofia de poder, explicada por clássicos como Maquiavel, Lá Boétie e Weber, cada um em seu tempo e crença, aprofunda-se no desafio gramsciano e sua visão “realista da existência de dirigentes e dirigidos”.89 Segundo o autor os grupos subalternos sempre sofrem os efeitos das iniciativas dos grupos dominantes, mesmo quando se rebelam. Gramsci ressalta que a “unidade histórica das classes dirigentes acontece no Estado sem que as classes subalternas consigam ter a mesma unidade e força suficiente para implementar uma nova economia política”.

O autor traz a seguinte reflexão:

“A formação objetiva dos grupos sociais subalternos, através do desenvolvimento e das transformações que se verificam no mundo na produção econômica, assim como sua difusão quantitativa e sua origem a partir dos grupos sociais preexistentes, cuja mentalidade, ideologia e fins conservaram por um certo tempo; sua adesão ativa ou passiva `as formações políticas dominantes, as tentativas de influir sobre os programas destas formações para impor reivindicações próprias e as consequências que tais tentativas têm na determinação de processos de decomposição e de renovamento ou de nova formação; o nascimento de novos partidos dos grupos dominantes; as formações próprias dos grupos subalternos para reivindicações de caráter restrito e parcial; as novas formações que afirmam a autonomia dos grupos subalternos, mas nos velhos quadros; as formações que afirmam a autonomia integral” (...)

Poder é a capacidade de impor a vontade a outrem, independentemente de resistência oferecida; dominação legítima é a aceitação porque sempre houve aquela situação. Hegemonia não é apenas dominação legítima, mas é uma ação por parte do hegemonizado que enxerga uma criação sua, da qual tirará amplo proveito90.

       89

GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere, trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, v.4, p.241

90

O que é relevante no contexto da inovação são os instrumentos que permitem hegemonia baseados em domínio intelectual e produção econômica. Os intelectuais podem traduzir conceitos, programas e projetos vinculados aos interesses hegemônicos, havendo dificuldade dos grupos subalternos utilizarem-se desta mesma ferramenta, captando o perfil de homem social (intelectual) a moldar o mundo para os seus interesses; a outra esfera é a fábrica, que na ótica de Alessandro Octaviani:

“cria uma programação que aceita horários, necessidade de maior especialização, distinção social entre os mais graduados, os maiores salários para quem domina as tecnologias avançadas e idiomas estrangeiros, sendo todas questões coaguladas no dia a dia da produção, que se impõem com violência simbólica, sem a necessidade de mediação do intelectual, inscrevendo-se no corpo”.

Parece que toda a mudança de poder deve envolver aspectos de democracia, com a participação maior do grupo subalterno no poder, inclusive em relação a tecno-ciência, seja pela proposta de institucionalização do contrapoder popular, de Fábio Konder Comparato91; seja pela democracia mobilizadora articulada por Mangabeira Unger92 ou na cidadania cognitiva de Boaventura de Souza Santos, Maria Paula Meneses e João Arriscado Nunes93.

Fábio Konder Comparato, comenta que “a democracia autêntica(...) deve ser exercitada diretamente pelo próprio povo, perante todos os órgãos do Estado, não só para fiscalizá-los, denunciar os crimes, desvios, imoralidades e omissões, mas também para que o povo tome por si, e não por meio de representantes, as grandes decisões políticas”. Aqui a ideia é “criar um consórcio das organizações não governamentais dedicadas, exclusivamente, à tarefa de atuar como agentes desse contrapoder popular”.

Mangabeira Unger, atuando contra as “falsas necessidades” afirmando que “todo país precisa dizer não às ideias e aos interesses dominantes no mundo e na época em que emerge. Assim fizeram os países que hoje nos esmeramos em imitar”. Na sua visão “para se energizar a política, devem ser adotados arranjos e modelos que mantenham a sociedade civil em um alto nível de engajamento cívico, favorecendo-se uma solução rápida para impasses que surjam entre ramos do governo, a par de repetidas práticas de reformas estruturais”.

Para Boaventura, Maria Paula Meneses e João Arriscado Nunes, a cidadania cognitiva envolve um mapeamento de experiências em que o cidadão leigo fique à vontade para exercer a gestão sobre temas complexos como “1. Os exercícios de consulta aos cidadãos e de antevisão tecnológica, tais como a consulta pública sobre biociências no Reino Unido, os       

91

COMPARATO, Fábio Konder. A participação popular no exercício das funções públicas.

92

UNGER, Roberto Mangabeira. O direito e o futuro da democracia.

93

SANTOS, Boaventura de Souza, e outros. Introdução: para ampliar o cânone da ciência: a diversidade

exercícios de technology foresight, o debate público sobre biotecnologia na Holanda ou o uso de focusgroups na definição de políticas públicas; 2. A avaliação participativa de tecnologias, sob a forma de conferências de consensos ou de cidadãos, fóruns de discussão ou juris de cidadão; 3. O desenvolvimento participativo de tecnologias, incluindo a avaliação construtiva de tecnologias, bem como iniciativas nos domínios das tecnologias apropriadas, de energias alternativas, do acesso a água potável e saneamento básico, do desenvolvimento de novos materiais, dos usos das tecnologias da comunicação e informação para cidadania ativa; 4. A investigação participativa (science shops, community-based research, investigação-ação participativa, epidemiologia popular). 5. A estas formas podemos acrescentar a ação coletiva e o ativismo técnico-científico, incluindo o ativismo terapêutico, o ativismo ambiental, as mobilizações coletivas com base no lugar ou a organização de movimentos sociais e de iniciativas de cidadãos em torno de problemas específicos, não necessariamente de âmbito local”. 94

Essas ações relacionadas a maior participação popular, também discutidas no capítulo II ao avaliar o princípio democrático, remetem a uma proposição de que a regulação do Sistema Brasileiro da Inovação precisa expor mais os seus desafios e clamar por mais sugestões, ideias e contribuições da população, com posterior fiscalização coletiva de sua operacionalidade.