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CAPÍTULO 4 DOMÍNIO ECONÔMICO E INOVAÇÃO

4.1 Ordem Econômica na Constituição de 1988

O Direito Econômico a ser estudado neste capítulo é o vinculado a superação do subdesenvolvimento por intermédio da inovação. As relações entre direito e desenvolvimento são objeto de estudo de diversos autores, tendo aqui no Brasil destaque o estruturalismo econômico utilizado, como exemplo, por Eros Grau, Fábio Konder Comparato, Celso Furtado.

Em termos iniciais, como esclarecimento, neste capítulo procura-se investigar hipóteses, sem contudo se afastar dos autores selecionados que permitem indicar caminhos para os modos de produção e domínio em que se espelharam suas reflexões. Não se buscou apresentar uma nova ordem de pensamento para a questão da convergência tecnológica de ponta do conhecimento humano e do cerceamento de bens comuns a um grupo vinculado ao poder econômico, mas foi possível trazer uma síntese das principais reflexões atinentes, sempre com apoio da obra “Recursos Genéticos e Desenvolvimento”, de Alessandro Octaviani, e, principalmente, na medida do possível, houve preocupação na presente pesquisa em trazer dados e informações concretas e atualizadas a todos estes pensamentos, como exemplo do caso das patentes essenciais em recente lide entre empresas do setor de tecnologia da informação e comunicação.

Ao analisar a obra de Alessandro Octaviani70 que primeiramente tece comentários sobre “Law and Development”, encontra-se síntese do impacto de Comparato, Eros Graus e de Gilberto Bercovici sobre questões de direito e desenvolvimento, nos seguintes termos:

“Avalio possível apresentar a contribuição de Comparato para a tessitura de uma tradição jurídica brasileira preocupada com a superação do subdesenvolvimento costurando sua produção teórica em direito privado, suas sugestões de reorganização constitucional e a postulação de um indispensável direito econômico, a partir da necessidade apontada pelo autor de construir a capacidade de governar. Suas reflexões sobre os institutos privados é preocupada em coloca-los sob o alcance de um controle público, que transcenda o individualismo e o formalismo jurídico do liberalismo do século XIX; suas propostas de reorganização constitucional e institucional são vertidas `a superação do subdesenvolvimento, postulando uma forte participação popular; e o direito econômico, me parece, instrumento para a organização da capacidade de governar para superar o subdesenvolvimento(...)

Na menção a Eros Grau, o autor cita trecho que comenta a finalidade que cerca o desenvolvimento nacional pelo crescimento econômico:

       70

“Outro dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é o de garantir o desenvolvimento nacional (art. 3, II). (...) Não me deterei, neste passo, em digressões cuja obviedade, pode ser sumariada na distinção entre o qualitativo – o desenvolvimento – e o quantitativo – o crescimento econômico. Importa incisivamente considerar que, como anotei em outra oportunidade “a ideia de desenvolvimento supõe dinâmicas mutações e importa que esteja a realizar, na sociedade por ela abrangida, um processo de mobilidade social contínuo e intermitente. O processo de desenvolvimento deve levar a um salto, de uma estrutura social para outra, acompanhado da elevação do nível econômico e do nível cultural- intelectual comunitário” (...)

No caso de Gilberto Bercovici, ao citá-lo o autor reforça a indispensabilidade do direito econômico:

“Para repensar as bases e a estrutura do Estado brasileiro não se pode deixar de levar em consideração a questão central da atualidade: a prevalência das instituições democráticas sobre o mercado e a independência política do Estado em relação ao poder econômico privado, ou seja, a necessidade de o Estado ser dotado de uma sólida base de poder econômico próprio. O fundamento dessa visão é o de que não pode existir um Estado democrático forte sem que sua força também seja ampliada do ponto de vista econômico, para que ele possa enfrentar os detentores do poder econômico privado(...)”

Em linhas próprias, conclui Alessandro Octaviani:

“A sumária apresentação das reflexões de Fábio Konder Comparato, Eros Grau e Gilberto Bercovici me permite afirmar que estamos diante de uma tradição que incorporou o estruturalismo econômico dentro de nossa cultura jurídica. (...)

Nesta tradição que o problema do presente trabalho será pensado: como a regulação brasileira de um assunto (no caso recurso genético) deve ser organizada e interpretada para que o subdesenvolvimento possa ser superado, ou, nos termos que tenho avençado, possamos confrontar, na particularidade dos arranjos jurídicos específicos, as condições periféricas e subalterna, apontando para a construção de um sistema nacional de inovação distributivo e de uma democracia participativa quente?”

No campo normativo, de acordo com o artigo 170, da Constituição Federal, a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, de acordo com os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional; II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Nota-se a partir da leitura do caput do dispositivo que dois são os fundamentos estruturantes da ordem econômica: a) valorização do trabalho humano; e b) livre iniciativa. Além disso, extrai-se sua finalidade: a dignidade humana, conforme a justiça social.

Partindo da análise de seus princípios, por sua vez, percebe-se que estes enquanto bases, alicerces da ordem econômica, sustentam-na impondo-lhe limites.

Assim, a soberania nacional trata-se de fundamento último que não admite autoridade externa na ordem interna, inclusive, nos aspectos econômicos, o que, na realidade, atualmente, como consequência inevitável da globalização encontra-se relativizado.

Enquanto isso, a propriedade privada, além de estar assegurada como um direito fundamental no artigo 5º, encontra-se novamente prevista no artigo 170, neste ponto inserida no contexto da ordem econômica e, ressalte-se, limitada por sua função social, que deverá atender sob pena de sanções e, até mesmo, desapropriação.

A livre concorrência, por sua vez, vincula-se a uma manifestação decorrente da livre iniciativa, de modo que seja limitada, por exemplo, pela defesa do consumidor e pela existência de um meio ambiente equilibrado, que existem como balizas para sua atuação.

Da mesma forma, a redução das desigualdades sociais e regionais é mais que um princípio da ordem econômica, sendo um fim a ser constantemente perseguido, embora sua plenitude dificilmente será atingida.

Igualmente, o pleno emprego deve ser buscado no contexto da ordem econômica, apesar de ser dificilmente alcançado mesmo em tempos de crescimento econômico.

As empresas de pequeno e médio porte são vinculadas a tratamento diferenciado, o que remete a política de incentivos para concorrer em melhores condições em um ambiente econômico altamente competitivo.

Analisando a Ordem Econômica vigente com base na Constituição Federal, Eros Grau71, sintetiza:

a ordem econômica na Constituição de 1988 consagra um regime de mercado organizado, entendido como tal aquele afetado pelos preceitos da ordem pública clássica (Geraldo Vidigal); opta pelo tipo liberal do processo econômico, que só admite a intervenção do Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do próprio Estado, que do embate econômico que pode levar à formação de monopólios e ao abuso do poder econômico visando aumento arbitrário dos lucros - mas sua posição corresponde ao do neoliberalismo ou social- liberalismo, como a defesa da livre iniciativa (Miguel Reale); ;a ordem econômica na Constituição de 1988 contempla a economia de mercado, distanciada porém do modelo liberal puro e ajustada à ideologia neoliberal (Washington Peluso Albino de Souza); a Constituição repudia o dirigismo, porém acolhe o intervencionismo

       71

GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 1998, pp. 212-213

econômico, que não se faz contra o mercado, mas a seu favor (Tércio Sampaio Ferraz Júnior); a Constituição é capitalista, mas a liberdade apenas é admitida enquanto exercida no interesse da justiça social e confere prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado (José Afonso da Silva)

Visto sob o ângulo objetivo, o direito econômico consiste na positivação das opções de políticas econômicas estabelecidas pelo Estado. Fábio Konder Comparato comenta que o direito econômico “é uma espécie de ordenamento constitucional da economia, no qual se situariam os princípios básicos que devem reger as instituições econômicas” 72

O autor citado define o direito econômico como “um conjunto de técnicas jurídicas de que lança mão o Estado contemporâneo na realização de sua política econômica”. Trata-se, em síntese, portanto, de um sistema normativo de ação estatal sobre as estruturas do sistema econômico.