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CAPÍTULO 2 – REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA E REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Ciência Política e Análise de Políticas Públicas

A Análise de Políticas Públicas como área de conhecimento e disciplina acadêmica nasceu no século passado nos Estados Unidos sob o pressuposto teórico- analítico de que, em democracias estáveis, a ação do governo é passível de ser

formulada cientificamente e examinada por pesquisadores independentes. Assim, o campo surge deslocando-se do estudo das instituições e estruturas de governos – tradicionais objetos da Ciência Política – para a tentativa de “procurar descobrir o que os governos fazem, porque fazem e que diferença isto faz” (Dye, 1976).

Segundo Souza (2006), a área foi se constituindo a partir da influência de quatro grandes cientistas sociais, que podem ser vistos como seus “fundadores”: Harold Lasswell (University of Chicago), Herbert Simon (Carnegie Mellon University), Charles Lindblom (Yale University) e David Easton (University of Chicago).

Lasswell, a partir dos anos 30, introduziu as expressões policy science e policy analysis (ciência e análise das políticas públicas, respectivamente) como forma de conciliar conhecimento científico/acadêmico com a produção empírica dos governos e de estabelecer o diálogo entre cientistas sociais, pessoas interessadas em (ou influenciadas por) determinadas políticas e governo. Também é de Lasswell a conhecida afirmação de que decisões e análises sobre políticas públicas implicam responder às questões “quem ganha o quê, quando e como”, conforme indicado no título de sua obra clássica de 1936, Politics: who gets what, when, how.

Simon (1957)27 analisou e discutiu a elaboração das políticas públicas introduzindo a ideia de que embora a racionalidade por parte dos decisores públicos, ou tomadores de decisão (policy makers) possa ser limitada por alguns fatores como informação incompleta ou imperfeita sobre o problema abordado, tempo para a tomada de decisão e auto-interesses, essa racionalidade é passível de ser maximizada até um ponto satisfatório através da criação de estruturas (conjunto de regras e incentivos) que enquadrem o comportamento desses atores, fazendo-os trabalhar em busca de resultados e impedindo a ampliação dos interesses pessoais.

Lindblom (1959; 1979)28 questionou a ênfase no racionalismo por parte de Laswell e de Simon e propôs a consideração de outras variáveis para melhor compreensão e análise das políticas públicas, tais como as relações de poder e a atuação

27 SIMON, H. Comportamento Administrativo. Rio de Janeiro: USAID. 1957, apud SOUZA, 2006. 28 LINDBLOM, C E. The Science of Muddling Through. In: Public Administration Review, vol. 19, 1959, p. 78-88, e Still Muddling, Not Yet Through. In: Public Administration Review, vol.39, nov/dez 1979, p. 517-526, apud Idem, Ibidem.

dos partidos, da burocracia e dos grupos de interesse. O autor enfatizou, ainda, a integração entre as diferentes fases do processo decisório na formulação das políticas públicas, processo esse que, segundo ele, não teria necessariamente um fim ou um princípio claramente demarcados.

Easton (1965)29 definiu a política pública como produto resultante da atividade política e ressaltou a forte relação existente entre formulação, resultados e ambiente. De acordo com esse especialista, o sistema político recebe e processa dois tipos de demandas e apoios: os inputs (provenientes de atores externos ao sistema) e os withinputs (oriundos do próprio sistema político). Ambos influenciam, em maior ou menor grau, de acordo com a pressão que sejam capazes de exercer, a produção de outputs (resultados ou efeitos), que constituem as políticas públicas.

Outros autores, como Dye (1976), Heclo (1972), Ham e Hill (1993),30 sugerem que, além de uma teia de ações ou de tomadas de decisão ao longo do tempo e em um determinado contexto, também pode-se entender como política pública, sujeita, portanto, à análise, uma inação (ou “não ação”) ou uma “não decisão” do governo em relação a determinado problema da esfera pública.

Como definição prática para “problema”, Sjöblom (1984, apud Secchi, 2011) propõe que seja “a diferença entre a situação atual e uma situação ideal possível”. Dentro desse entendimento, um problema existe quando o status quo é considerado inadequado e quando existe a expectativa do alcance de uma situação melhor.

Secchi (op. cit., pág.7) indica, ainda, que, para um problema ser considerado “público”, ele deve ter implicações para uma quantidade ou qualidade notável de pessoas, ou seja, “um problema só se torna público quando os atores políticos intersubjetivamente o consideram problema (situação inadequada) e público (relevante para a comunidade).”

O Estudo de Políticas Públicas, formalmente um ramo da Ciência Política, a ela não está restrito, comportando vários olhares e podendo ser também objeto analítico de

29 EASTON, D. A Framework for Political Analysis. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1965, apud SOUZA, 2006.

30 HECLO, H. Review article: policy analysis. British Journal of Political Science. 1972: HAM, C & HILL, M. The Policy Process in the Modern Capitalist State. Londres, 1993, apud DAGNINO R et al, 2002.

outras áreas do conhecimento. Investigadores e teóricos, de um modo geral, apontam o caráter multidisciplinar da análise política e defendem que, para poder ser feita de forma adequada e o mais completa possível, ela precisa abranger informações e utilizar abordagens e metodologias de áreas e ciências diversas, como a Sociologia, a Economia, a Psicologia, a Filosofia, a Administração, o Direito, a Educação e outras mais (Secchi, 2011, Pedone, 1986, Ball e Mainardes, 2011). Mas o fato de estar envolvida com outros saberes, não significa que a investigação de seu campo seja simplesmente um somatório agregado de outros domínios. Ao invés disso, esse estudo...

...constitui-se numa constelação distinta das demais áreas, delas retirando seletivamente um conjunto peculiar de elementos conceituais e metodológicos, técnicas de análise e práticas dirigidas a uma atividade específica. (PEDONE, 1986, p.11)

Essa atividade permite assumir a visão das Políticas Públicas como um processo, que pode ser examinado no seu todo ou em suas partes, e vai desde a apreciação de o que é possível se configurar como um problema de interesse público até a investigação dos impactos e consequências da implantação de um determinado programa ou de uma ação específica para resolver ou aliviar o problema, neste caso podendo receber a denominação de Avaliação de Políticas Públicas.

Em virtude de sua abrangência, diversas classificações e divisões têm sido feitas em relação ao processo das Políticas Públicas (policy process). Entretanto, parece haver, segundo Pedone (1986), uma concordância de que é possível pensar esse processo como sendo constituído das seguintes fases:

A) Formação de assuntos públicos e de Políticas Públicas (formação da agenda / agenda setting);

B) Formulação de Políticas Públicas (elaboração de políticas no Executivo, no Legislativo e em outras instituições públicas, sob os pontos de vista da racionalidade econômica, da racionalidade político-sistêmica ou da formulação responsável);

D) Implementação das decisões através de ações empreendidas (output), criação de instrumentos jurídicos e de instituições apropriadas, assim como produção de agentes preparados para operacionalizá-las;

E) Avaliação dos efeitos pretendidos e as consequências indesejáveis, bem como dos impactos mais gerais na sociedade (outcome).

Diferentes abordagens têm sido empregadas no estudo das Políticas Públicas. Clemons, Foster & McBeth (2010) chamam a atenção para a existência, nas duas últimas décadas, de forte debate acadêmico entre os estudos de cunho positivista tradicional – quantitativos e baseados na racionalidade, na objetividade e na microeconomia – e as aproximações com um olhar pós-positivista – de caráter qualitativo e interpretativista, fundamentados nos insights políticos, nos conflitos de valores, na subjetividade, na ambiguidade e na construção social da realidade.

A abordagem positivista, derivada dos princípios básicos do Iluminismo europeu, enfatiza a eficiência e procura dirigir aos assuntos que focaliza uma consideração neutra, científica e técnica, podendo se mostrar proveitosa quando o problema abarca, principalmente, questões técnicas passíveis de serem mensuradas através de modelos matemáticos. Já a abordagem pós-positivista parece mais adequada à democracia, uma vez que abrange a crescente participação dos cidadãos – e de suas crenças, seus valores, conflitos, contradições etc. – na definição dos problemas públicos, na geração de políticas alternativas e na determinação da política a ser empregada.31

No mesmo artigo, Clemons et al destacam trabalhos importantes fundamentados nessas duas visões,32 mas também criticam os dois modelos (ainda que o positivista mais duramente), chamando a atenção, por um lado, para o fato de que muito raramente

31 Para uma leitura mais aprofundada sobre o debate em questão, ver FURLONG & MARSH, A Skin not

a Sweater: Ontology and Epistemology in Political Science, In MARSH & STOCKER (2010), p.184-211.

32 CLEMONS et al (2010) citam como obras importantes baseadas na abordagem positivista:

WEIMER, D. L., & VINING, A. R. Policy analysis: concepts and practice (4ª ed.). Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall, 2004;

MUNGER, M. C. Analyzing policy: choices, conflicts, and practices. New York: W. W. Norton, 2000; DUNN, W. N. Public policy analysis (3ª ed.). Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 2004.

Como representantes da visão pós-positivista, os mesmos autores ressaltam:

BIRKLAND, T. A. An introduction to the policy process. Armonk, NY: M. E. Sharpe, 2005; ANDERSON, J. E. Public policymaking (6ª ed.). Boston: Houghton Mifflin, 2006.

questões técnicas podem ser separadas totalmente das questões normativas e políticas e, por outro, para a necessidade de mais objetividade e praticidade nos estudos dessas questões. Propõem, assim, o uso de metodologias mistas que conciliem as duas abordagens, oferecendo ferramentas específicas para análises políticas e apresentando estudos de caso para a formação de graduandos nessa especialidade.

Ham e Hill (1993, apud Dagnino, R., 2002) afirmam que as análises de Políticas Públicas podem ser alocadas em duas grandes categorias:

 As que têm como objetivo desenvolver conhecimentos sobre o processo de elaboração das políticas e que revelam, portanto, uma orientação predominantemente descritiva;

Aquelas voltadas a apoiar os decisores (policy makers), agregando conhecimento ao processo de elaboração de políticas e envolvendo-se diretamente na tomada de decisões, revelando, assim, um caráter mais prescritivo ou propositivo.

Dye (1976), no entanto, já se referia ao tema dizendo que a Análise de Políticas tem um papel importante na ampliação do conhecimento da ação do governo e pode ajudar os elaboradores a melhorar a qualidade das políticas públicas. Sua visão ratifica a de outros autores, como Lasswell (1951) e Dror (1971),33 segundo os quais a Análise de Política tanto precisa ser descritiva, quanto prescritiva.

Dunn (1994) define Análise de Políticas como uma atividade de criação de conhecimento “a respeito de” e também “dentro do” processo de elaboração e aplicação de políticas públicas e programas. O analista, diz o autor, investiga causas, consequências e desempenho (resultados e impacto) dessas políticas, mas esse conhecimento permanece incompleto, a menos que seja disponibilizado aos responsáveis por sua elaboração e ao público a quem elas se destinam. Assim, seu entendimento é que a Análise de Políticas é uma ciência social aplicada que emprega métodos múltiplos de argumentação e debates para criar, avaliar criticamente e comunicar conhecimento sobre políticas públicas, com vistas ao seu aperfeiçoamento.

33 DROR, Y. Design for Policy Sciences. New York: American Elsevier, 1971, apud DAGNINO, R. op.

Tendo em vista as considerações apresentadas, partiu-se, neste estudo, de um olhar multidisciplinar e crítico, incorporando-se o olhar da Sociologia e da Educação a fim de se poder contemplar aspectos mais extensivos do objeto pesquisado, e intencionando-se, de alguma forma, colaborar na ampliação e divulgação de conhecimentos sobre a área que possam contribuir tanto para melhoria do entendimento acerca do processo político como para o aprimoramento das políticas públicas resultantes desse transcurso.

Nesse sentido, elegeu-se, para esta pesquisa e análise, entre os diversos modelos apresentados pela literatura da área, a Abordagem do Ciclo de Políticas (Policy Cycle Approach) formulada a partir dos anos 90 por Stephen Ball e colaboradores, destacando-se entre eles Richard Bowe, e sobre a qual se discorrerá a seguir.

2.2 – ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS E A ABORDAGEM DO CICLO DE