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CAPÍTULO 5 – CASO Nº 1: ESCOLA INCLUSIVA COMPLEMENTADA POR AEE

5.2 A escolha das escolas

Tendo como objetivo examinar essas circunstâncias mais de perto, procurou-se inicialmente por uma unidade de ensino que ficasse numa área habitada por população de baixa renda, dependente, portanto, dos serviços públicos e das políticas públicas que os determinam para educar seus filhos. Nessa perspectiva, optou-se por pesquisar na Rocinha, grande bairro/favela pacificado a pouco tempo, 148 localizado na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.149

Considerada a maior favela brasileira, a população da Rocinha, segundo o Censo 2010, chegava naquele ano a 69.356 habitantes, embora representantes da Associação de Moradores do local estimem que esse número, na realidade, estivesse entre 180 e 200 mil residentes, entre os quais a maioria teria afirmado, na época, que não teve suas casas acessadas pelos agentes do Censo.

O mesmo levantamento oficial indicava a existência de 17.161 pessoas na comunidade na faixa etária de 0 a 14 anos, mas não há dados disponíveis a respeito da quantidade de residentes surdos no local. Ainda assim, e afim de que se possa ter uma ideia da dimensão da realidade que se decidiu explorar, propõe-se, a seguir, um cálculo hipotético para iniciar e referenciar a argumentação.

148 A “pacificação” do Rio de Janeiro é um programa elaborado pela Secretaria de Estado de Segurança, iniciado em janeiro de 2008, que visa recuperar territórios ocupados há décadas por traficantes e milicianos (grupos quase sempre formados por policiais e ex-policiais, que competem com os traficantes pelo controle do território), expulsar os grupos criminosos e integrar as comunidades à cidade. Através das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), o programa tenta promover a aproximação entre a polícia e a população e afirma a intenção de instalar e fortalecer programas sociais nas comunidades antes negligenciadas.

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De acordo com o Censo 2010 do IBGE, a renda média mensal por habitante da Rocinha naquele ano era de R$ 403,05 – dez vezes menor do que nos bairros vizinhos, predominantemente de classe alta e média alta, na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. A renda familiar na Rocinha, no mesmo ano, era de R$ 1.209,17.

Como visto na seção anterior, os dados do IBGE referentes aos moradores do município do Rio de Janeiro apontaram a ocorrência de surdez ou deficiência auditiva em cerca de 4,8% do total da população (303.705 pessoas no universo de 6.320.446 habitantes), e em torno de 1% na faixa etária de 0 a 14 anos (12.207 entre 1.226.358 residentes). Entre esses últimos, por volta de 24% (2.925 habitantes) foram registrados como surdos profundos ou pessoas com grande dificuldade para ouvir.

Trabalhando-se, então, com esses índices apurados pelo Censo, poder-se-ia supor a existência de cerca de 170 pessoas com surdez ou deficiência auditiva (1% dos 17.161 habitantes do bairro com idades entre 0 e 14 anos), residentes na Rocinha, em idade de frequentar escolas de Educação Infantil e de Ensino Fundamental. Entre elas, de acordo com os mesmos índices e com os critérios do IBGE para a classificação das deficiências, haveria cerca de 40 crianças ou jovens (24% dos 170) que não ouvem nada ou têm grande dificuldade para ouvir.

E considerando-se as estimativas da Associação de Moradores do local, que calcula em pelo menos duas vezes e meia o número real de residentes na comunidade, esse último número subiria para algo próximo a 100 crianças e jovens surdos entre 0 e 14 anos de idade moradores da Rocinha.

Segundo o depoimento de um membro de um grupo religioso que faz trabalho de evangelização de jovens surdos dentro da comunidade,150 essa última estimativa parece não estar muito distante da realidade. De acordo com essa fonte, quase 60 surdos, pré- adolescentes e adolescentes, vêm sendo, nos últimos anos, periodicamente visitados pelo grupo do qual essa pessoa faz parte e, calcula ela, “há muitos outros ainda por serem contatados”. Isso sem falar das crianças da comunidade.

Para atender à população local de 0 a 14 anos, existem na Rocinha seis unidades escolares da rede municipal: duas creches, duas escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, um Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) e um Ginásio Experimental. Há ainda, junto a uma das entradas da favela e no limite com um dos bairros vizinhos, uma unidade que oferece Educação Infantil e classes especiais em horário integral. Além disso, há diversas creches particulares conveniadas com a Prefeitura e outras mais, de caráter informal, organizadas pelos próprios moradores. No

entanto, segundo informações dos órgãos responsáveis pela Educação Especial no município e também dos diretores das unidades, nenhuma das escolas localizadas dentro do bairro registrou oficialmente, em 2012, a matrícula de qualquer aluno surdo.

Após essa constatação, o passo seguinte foi verificar nas escolas municipais localizadas nos bairros contíguos, habitados majoritariamente por famílias da classe média alta, se havia matrículas de alunos surdos, moradores da Rocinha, entre os seus estudantes. Encontrou-se somente uma unidade de ensino nessa situação, e, assim mesmo, com apenas três surdos entre seu corpo discente, composto em 2012 de quase 800 alunos, todos residentes da favela.

Contato feito com a Diretora Geral, ficou-se sabendo que a instituição não tem Sala de Recursos e, por essa razão, esses alunos surdos, assim como os demais que necessitam de Atendimento Educacional Especializado (AEE) frequentam, no contraturno de suas aulas, outra unidade da Prefeitura, localizada a uma distância não muito grande, que oferece AEE para estudantes moradores da região (Rocinha, Vidigal e São Conrado) cujas escolas não dispõem deste serviço. Essa unidade foi escolhida em 2011 e validada em 2012 pela SME-RJ como uma das escolas-polo piloto de Educação Bilingue para Surdos integrantes do projeto monitorado pelo IHA, mencionado anteriormente.

Essa informação foi determinante na decisão de se começar a pesquisa de campo por essas duas escolas, uma vez que se poderia enriquecer a investigação, observando-se tanto o atendimento regular aos surdos quanto o especializado dedicado à sua complementação.

Assim, após serem cumpridos todos os trâmites burocráticos junto aos órgãos oficiais, iniciou-se o primeiro Estudo de Caso nessas duas unidades de ensino que, por exigência da Prefeitura do Rio de Janeiro, não serão identificadas, sendo aqui referidas apenas como Escola 01 e Escola 02.