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PARTE I – POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO

Capítulo 1 – Políticas públicas

1.6. Ciclo de política pública

No complexo processo de estudo das políticas públicas, Harold Lasswell apresentou um modelo suportado num conceito de ciclo, dividido em sete estágios (Lasswell, 1958). Contudo, o seu modelo original foi largamente criticado, tendo Jack Barkenbus (1998, p.1) apresentado um modelo simplificado em que apresenta apenas quatro estágios: agenda, formulação, implementação e avaliação.

Figura 2: Modelo simplificado de ciclo

Fonte: Barkenbus (1998)

Howlett, Ramesh e Perl apresentam o que designam por “Improved model”, onde defendem cinco etapas nas fases de construção da política pública (Howlett, Ramesh e Perl, 2009, p.13). Hoje, este é provavelmente o modelo mais consensual entre os investigadores, sendo constituído por: agenda, formulação da política, decisão, implementação e avaliação.

Figura 3: Ciclo político

Fonte: Adaptado de Howlett, Ramesh e Perl (2009)

Jean-François Savard considera três destas fases essenciais para se entender o conceito de ciclo de política pública: agenda, formulação e implementação (Savard, 2012, p.1). A agenda, a primeira etapa do ciclo, cuja noção podemos definir como “l’ensemble des problèmes faisant l’objet d’un traitement, sous quelque forme que ce soit, de la part des

autorités publiques et donc susceptibles de faire l’objet d’une ou plusieurs décisions” (Garraud, 1990, p. 27), é a fase em que um assunto sai de uma esfera restrita e se torna tema de debate e de controvérsia mediática e política (Garraud, 2014). Normalmente, trata-se de um facto social que é reconhecido e considerado como “problema público”. É fundamental, nesta fase, a participação dos diversos atores da sociedade civil, pois são eles que determinam os assuntos ou elencam os problemas que requerem ação por parte dos Governos.

Depois de reconhecida a existência de um problema e da necessidade de o ultrapassar, a etapa seguinte é a formulação da política, que servirá para definir opções, analisar vantagens e inconvenientes e, por fim, aceitá-los ou rejeitá-los (Howlett, Ramesh e Perl, 2009). Nesta perspetiva, a relação entre o Governo e os atores sociais é um elemento fundamental de influência na formulação das políticas públicas (Megie, 2004, p.283-289).

A terceira etapa é a implementação, ou o processo de colocar uma política pública em vigor. Isto é, quando uma decisão é realizada através da aplicação de diretrizes do governo e é confrontada com a realidade. Geralmente, há uma discrepância entre a intenção de uma política e o seu resultado. Tradicionalmente, o estudo da implementação permite trabalhar sobre o confronto entre as decisões nacionais e a sua implicação local (Megie, 2004).

As discrepâncias decorrem do papel desempenhado pelos seus atores, em particular os funcionários públicos encarregados da sua execução, cujas tendências pessoais (ideologias, interesses, pensamentos, etc.) podem influenciar as suas perceções e até mesmo as suas intenções quando se trata de implementar uma política (Savard, 2012, p.2). No entanto, parece que o principal fator a influenciar o comportamento dos funcionários públicos é a sua pertença a uma organização (Brooks, 1998, apud, Savard, 2012, p.2). A este respeito, a cultura organizacional tem uma influência decisiva, uma vez que transmite normas ideológicas e profissionais, bem como técnicas específicas que podem influenciar o processo de implementação (Brooks, 1998, apud, Savard, 2012, p.2).

Os atores externos podem, igualmente, contribuir para superar o desfasamento entre as intenções governamentais e os resultados observáveis. Por exemplo, grupos de pressão ou parceiros externos com interesses precisos na operacionalização de uma política podem influenciar a forma como os funcionários podem vir a assegurar a operacionalização de uma política, operacionalização essa que pode levar a que algumas políticas resultem e outras não. Cumpre reconhecer que o modelo de ciclo político não é imune a críticas; a criação de uma falsa impressão de linearidade é, desde logo, a crítica apresentada com maior

frequência, muito por causa de cada etapa do ciclo ser aplicada numa ordem pré-determinada, o que está longe da prática.

Os estudos da implementação de políticas públicas estão normalmente associados a duas correntes de pensamento, que desenvolveram diferentes métodos de análise: o modelo “top-down” e o modelo “bottom-up” (Matland, 1995, p.146). Foi Paul Sabatier quem, nos anos 80, desenvolveu os primeiros estudos na perspetiva destas duas abordagens (Sabatier, 1986, p.22), tornando-se mesmo um reconhecido especialista no modelo “top-down”. A característica principal do modelo “top-down” é que ele estabelece uma separação rígida entre a fase de tomada de decisão e de implementação, entendendo os decisores políticos como atores centrais e a implementação como um esforço administrativo banal (Raeder, 2014, p.134). O modelo começa com uma análise da decisão política por parte do Governo e depois examina o grau em que os seus objetivos foram alcançados, o tempo que a ação levou e quem a executou (Vaquero, 2007, p.145). Esta análise compreende: (1) objetivos claros e consistentes; (2) teoria causa-efeito adequada; (3) processo de implementação legalmente estruturado, de forma a reforçar o cumprimento através dos decisores e grupos- alvo; (4) decisores políticos comprometidos e hábeis; (5) apoio de grupos de interesse e sociedade; e (6) mudanças nas condições socioeconómicas que não enfraqueçam o apoio político ou a teoria causa efeito (Matland, 1995, p.147-148).

Este enfoque foi criticado, pois contém limitações em relação à ideia da existência de um controlo hierárquico da programação; no entanto, diversos estudos documentaram as possíveis desvinculações causadas pelos burocratas de primeiro nível (Vaquero, 2007, p.145).

Paul Sabatier refere que:

“ […] a falha fundamental em modelos “top-down” é que eles se começam a formar numa perspetiva (central) de fazedores de decisão e, portanto, tendem a negligenciar outros atores. [...] Uma segunda, e relacionada com a crítica dos modelos “top-down”, é que eles são difíceis de utilizar em situações onde não há política dominante (estatuto) ou agência, mas sim uma multiplicidade de diretivas governamentais e atores, nenhum deles proeminentes. [...] Uma terceira crítica do modelo “top-down” é que ele tende a ignorar, ou pelo menos a subestimar, as estratégias utilizadas pelos burocratas locais e grupos-alvo para mexer a política (central) e/ou para desviá-la para seus próprios fins” (Sabatier, 1986, p. 30).

Perante as fraquezas metodológicas da abordagem “top-down”, e também como séria crítica à sua abordagem, surge o modelo “bottom-up”. Assim, este modelo “bottom-up” começa com outros atores ou grupos-alvo, num nível bastante mais baixo do processo de implementação. Aqui, o enfoque é na análise que ocorre na relação entre os burocratas administrativos e aqueles que recebem a política que, percecionando problemas, desenvolvem os ajustes necessários para alcançarem as metas delineadas (Raeder, 2014, p.134).

Benny Hjern e Chris Hull (1982) apresentaram um modelo de análise com forte rigor metodológico, considerando três aspetos: o primeiro, é a conceptualização da unidade de análise, a qual deve ser considerada sujeita a falsificações; o segundo, tenta construir a unidade dissecando os atores que nela participam, assim como os seus objetivos, estratégias e recursos; finalmente, numa perspetiva avaliativa, cumpre decidir se se deve construir uma rede analítica que permita provar as hipóteses acerca de como funciona o sistema político.

Por fim, Paul Sabatier destaca que os “top-downers” e os “bottom-uppers” movem- se por diferentes preocupações e, como tal, naturalmente desenvolveram abordagens diversas (Sabatier, 1986, p.39).

Não se restringindo a avaliação nem aos resultados da política, nem à etapa final do processo, torna-se importante compreender algumas características das avaliações respeitantes aos seus diferentes instrumentos, recursos e tempos de operação.

A avaliação, como fase específica do ciclo da política, tem sido utilizada desde o pós- Segunda Guerra Mundial, especialmente nos EUA e no Reino Unido, dentro dos modelos que adotam esta perspetiva, como um instrumento destinado a reduzir riscos e ampliar certezas e apoiar a tomada de decisão nos mais variados momentos que ocorrem ao longo das diversas fases do ciclo (Baptista e Rezende, 2011, p.139). O momento do ciclo da política ao qual a avaliação se remete é um elemento determinante dos diferentes tipos de avaliação. Tatiana Baptista e Mónica Rezende diferenciam a avaliação normativa da pesquisa avaliativa. Por avaliação normativa consideram aquela que resulta da aplicação de critérios e normas bem definidos, e por pesquisa avaliativa a que é elaborada a partir de um procedimento científico (Baptista e Rezende, 2011, p.153), caracterizando-se como uma pesquisa e analisando-se também a pertinência, os fundamentos teóricos e as relações existentes entre a intervenção e o contexto no qual ela se situa.

Outra diferenciação encontrada é a que se faz entre avaliação sumativa e formativa, a qual está relacionada com as funções que a avaliação deve cumprir: a avaliação sumativa,

aplicada com frequência a programas e projetos de longa duração para estudar a efetividade e ponderar os benefícios, trabalha com dados relativos aos resultados, procurando a análise de informações que tenham por interesse apoiar decisões relativas à continuidade dos programas, ao seu encerramento, à sua ampliação e mesmo à sua adoção por outros, fundamentando-se na especificação de até que ponto os objetivos propostos foram cumpridos. A objetividade e a credibilidade da avaliação sumativa são mais importantes do que a aplicabilidade direta dos resultados (Silva e Costa, 2002, p.20).

Por outro lado, a avaliação formativa, promovida durante o período de implementação dos programas e projetos, visa fornecer informação para adequar e corrigir aspetos da política durante a fase de implementação; é particularmente útil se o objetivo for apoiar e fortalecer o desenvolvimento e a gestão de programas e projetos; os principais contributos dessa opção, ao monitorizar os acontecimentos, são a identificação de questões operacionais e a compreensão dos possíveis resultados associados.

A necessidade de cruzar os dois modelos avaliativos é apontada por diversos autores (Vaquero,2007, p.148). As avaliações sumativas necessitam de informações sobre a formação e o processo de implementação e, neste sentido, dependem de informações de natureza formativa. Por outro lado, quando se opta pela continuidade de uma política após um estudo de avaliação sumativa, os resultados deste estudo podem ser utilizados, mais adiante, para uma avaliação formativa. Além disso, em políticas amplas, a avaliação sumativa de um componente da política pode desempenhar função formativa no processo de implementação da política como um todo.

Para Worthen, Sanders e Fitzpatrick, é fundamental que a avaliação seja ”estruturada, formal e pública, em que as opções se baseiam em esforços sistemáticos para definir critérios explícitos e obter informações acuradas sobre as alternativas” (Worthen, Sanders, e Fitzpatrick, 2004, p.38).

Maria José Aguilar e Ezequiel Ander-Egg tentam agregar definindo:

A avaliação é uma forma de investigação social aplicada, sistemática, planeada e dirigida; encaminhada para identificar, obter e proporcionar de maneira válida e fiável dados e informação suficiente e relevante para apoiar um juízo acerca do mérito e o valor das diferentes componentes de um programa (tanto na fase de diagnóstico, programação ou execução), ou de um conjunto de atividades específicas que se realizam, tenham realizado ou realizarão, com o propósito de produzir efeitos e resultados concretos; comprovando a extensão e o grau em que os ditos resultados se

tenham dado, de forma tal que sirva de base ou guia para uma tomada de decisão racional e inteligente entre cursos de ação, ou para solucionar problemas e promover o conhecimento e a compreensão dos fatores associados ao êxito ou fracasso dos seus resultados (Aguilar e Ander-Egg, 1992, p.18).

Outra distinção utilizada é entre a avaliação “ex-ante” e “ex-post”. As avaliações “ex- ante”, também designadas por avaliações-diagnóstico, consistem no levantamento das necessidades e estudos que irão orientar a formulação e a tomada de decisão para uma política; pretendem produzir parâmetros e indicadores que se incorporem no projeto, melhorando as suas estratégias metodológicas e fixando pontos que permitam futuras comparações.

Por outro lado, as “avaliações ex-post” são aquelas que ocorrem concomitantemente ou após a implementação da política e se distinguem, quanto à natureza, em avaliação de processo e avaliação de resultados, sendo esta última subdividida em três tipos: resultados antecipados, aqueles que se esperam atingir com a sua implementação; resultados não- antecipados, os que efetivamente se alcançaram, e, por último, a avaliação do impacto, que permite aferir se a ação produziu realmente os benefícios que se esperava, e em que período de tempo (Baptista e Rezende, 2011, p.154).

Sónia Draibe (2001) alerta para o uso pouco preciso da noção de resultados e diferencia neles várias tipologias, que podem ser avaliadas simultaneamente:

a) desempenho – refere-se aos pontos do programa, previstos nas suas metas e derivados do seu processo particular de “produção”;

b) impactos – são as mudanças efetivas na realidade sobre a qual o programa intervém e por ele são provocadas;

c) efeitos – contabilizam outros impactos do programa, esperados ou não, que afetam o meio social e institucional no qual foi realizado.

Marta Arretche, por seu lado, distingue a avaliação de uma dada política pública de outras modalidades de avaliação: avaliação política e análise de políticas públicas (Arretche, 1998, p.1).

A avaliação política é entendida como “a análise e elucidação do critério ou critérios que fundamentam determinada política: as razões que a tornam preferível a qualquer outra” (Figueiredo e Figueiredo, 1986, citado por, Arretche, 1998, p.1-2).

Segundo Marta Arretche, pode ressaltar tanto o caráter político do processo decisório que implicou a adoção de uma determinada política como os valores e critérios políticos

nelas identificáveis; examina os pressupostos e fundamentos políticos de um determinado curso de ação pública, independentemente da sua engenharia institucional e dos seus prováveis resultados (Arretche, 1998, p.2).

A análise de políticas públicas visa examinar a engenharia institucional e os traços constitutivos dos programas que podem ser formulados e implementados de diversos modos; busca reconstituir as suas características, de forma a apreendê-las num todo coerente e compreensível, dando sentido e entendimento às ambiguidades, incoerências e incertezas presentes em todos os momentos e estágios da ação pública; ainda que possa atribuir a um determinado desenho institucional alguns resultados prováveis, não ambiciona atribuir uma relação de causalidade entre o programa e um resultado.

Por último, a avaliação de políticas públicas atribui à relação de causalidade o seu objetivo; a sua particularidade consiste na adoção de métodos e técnicas de pesquisa que permitam estabelecer tal relação, ou ainda que, na ausência de um determinado programa, não haveria o resultado mencionado.

Na relação entre processos e resultados surge uma outra classificação para os estudos avaliativos das políticas públicas: a avaliação da eficácia, da eficiência e da efetividade (Draibe, 2001).

A avaliação da eficácia baseia-se em aferir se os processos e sistemas de implementação são adequados para produzir os seus resultados no menor tempo e com a maior qualidade. Este tipo de avaliação pode ser feito entre as metas propostas e as metas alcançadas, ou entre os instrumentos previstos para a sua implementação e aqueles efetivamente utilizados. A maior dificuldade para este tipo de avaliação é a sua obtenção e o grau de confiança da informação recolhida (Arretche, 1998, p.5).

A avaliação da eficiência baseia-se na relação entre o esforço empregue na implementação e os resultados alcançados. Esta avaliação questiona se as atividades ou os processos se organizam tecnicamente da maneira mais apropriada, se se realizam com os menores custos e se produzem os resultados esperados no menor tempo (Arretche, 1998, p.7).

A avaliação da efetividade aplica-se entre objetivos e metas e entre impactos e efeitos, sendo que o grau de efetividade se mede pela quantidade e nível de qualidade com que se realizam as alterações introduzidas na realidade sobre a qual se pretende incidir (Arretche, 1998, p.3).

Importa, contudo, destacar que o tipo de avaliação mais adequado é sempre determinado pelos objetivos e questões colocadas em relação às políticas.