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O conceito de política pública

PARTE I – POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO

Capítulo 1 – Políticas públicas

1.4. O conceito de política pública

Importa agora referir que, quando falamos de “política”, não nos referimos necessariamente ao mesmo de quando falamos de “política pública”, isto apesar de a língua portuguesa utilizar a mesma palavra para se referir às duas distintas coisas: a política e a política publica (Rua, 2012, p.16). Quando recorremos à língua inglesa fica mais fácil perceber as diferenças. Segundo Klaus Frey:

A literatura sobre “policy analisis” diferencia três dimensões da política. Para a ilustração dessas dimensões tem-se adotado, na ciência política, o emprego dos conceitos em inglês de “polity” para denominar as instituições políticas, “politics” para os processos políticos e, por fim, “policy” para os conteúdos da política.

A dimensão material “policy” refere-se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões politicas; no quadro da dimensão processual “politics” tem em vista o processo politico, frequentemente de caracter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição; a dimensão institucional “polity” refere-se à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo (Frey, 2000, p.216).

Os estudos pioneiros sobre políticas públicas terão sido realizados por Woodrow Wilson, professor de Ciência Política da Universidade de Princeton e, posteriormente, presidente dos Estados Unidos da América (Oszlak, 1982, p.18), com a publicação, em 1887, do seu ensaio “The study of administration”, na revista “Political Science Quarterly”

(Saravia e Ferrarezi, 2007, p.22). A sua preocupação foi, na altura, “a criação de uma classe administrativa apartidária, selecionada com base no mérito, de forma a neutralizar o nepotismo e o favoritismo que então dominava a administração pública norte-americana” (Saravia e Ferrarezi, 2007, p.22).

Assim, não é de estranhar que a política pública, enquanto área de conhecimento e disciplina académica, tenha precisamente nascido nos Estados Unidos da América, na década de 1930, procurando analisar a ação dos governos e compreendê-la de forma científica. Harold D. Lasswell, Herbert Simon, Charles Lindblom e David Easton são considerados os fundadores da política pública enquanto área autónoma da ciência politica (Souza, 2006, p.23). Lawrence Mead define-a, contudo, como “um campo dentro do estudo

da Ciência Política, que analisa o Governo à luz de grandes questões públicas” (Mead, 1995, p.1).

Na década de 1950, o estudo da política pública consolidou-se como área do conhecimento, a que não foi alheia a publicação dos livros “The governamental process”, de David B. Truman, e “The policys sciences”, de Daniel Lerner e Harold D. Lasswell (Frey, 2000, p.214).

Thomas Dye definiu que “política pública é tudo aquilo que o Governo escolhe fazer ou não fazer” (Dye, 1984, p.4). Guy Peters reforça esta linha de pensamento, ao afirmar que “política pública é a soma da atividade do Governo, agindo diretamente ou por delegação, de forma a influenciar a vida dos cidadãos” (Peters, 1986, p.4). Mais amplo, Robert Eyestone define política pública como o “relacionamento entre o Governo e o seu ambiente envolvente” (Eyestone, 1971, p.18), não atribuindo ao Governo toda a responsabilidade na condução política. Kevin Smith e Christopher Larimer defendem mesmo que as políticas públicas são formalmente produzidas pelos Governos, mas envolvem um conjunto alargado de agentes governamentais e não-governamentais (Smith e Larimer, 2009, p.2). William Jenkis defende, na mesma linha, que “política pública é um conjunto de decisões tomadas por agentes políticos ou grupos de agentes em relação a metas e recursos para se atingir um determinado objetivo” (Jenkins, 1978, p.15). Harold Lasswell refere que “o estudo das políticas públicas é o estudo das influências e dos influentes” (Laswell, 1958, p.295).

James Anderson acrescenta que não apenas os problemas públicos ou sociais se tornam objeto de decisões governamentais, já que “a tendência é cada vez mais converter problemas privados em problemas sociais pela ação governativa” (Anderson, 2003, p.9). Herbert Simon, citado por Souza (2006, p.23), introduz o conceito da racionalidade limitada dos decisores públicos, pois, entre outros fatores, estes encontram-se sempre limitados por possuírem informação incompleta ou imperfeita, por terem pouco tempo para tomarem decisões ou o seu próprio interesse ser reduzido.

Para Vincent Lemieux, as políticas públicas “podem ser definidas como tentativas de regular situações que se apresentem como problemas públicos, numa comunidade ou entre comunidades” (Lemieux, 1989, p.41), definindo política como a regulação do que é público, isto é, o que os reguladores consideram como público ou, ainda, o que um público interpretado acredita dever ser regulamentado. Os sistemas de relações de poder são problemas para os reguladores e para o público, regulados por um outro sistema de relações de poder, o sistema de governo. Por outras palavras, o sistema político, quando é governado,

inclui dois subsistemas articulados entre si, o sistema de governo e o sistema público (Lemieux, 1989, p.41). Ernesto Cohen e Rolando Franco (1993) definem política como um composto de ações que se inserem entre uma situação existente e uma situação desejada, transformando a situação problemática numa situação desejável pelo “Estado”.

David Easton (1965) define política pública como um sistema, ou seja, uma relação entre formulação, resultados e ambiente, e Celina Souza resume o conceito da seguinte forma:

“A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz; a política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também importantes; a política pública é abrangente e não se limita a leis e regras; a política pública é uma ação intencional, com objetivos a serem alcançados; a política pública, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo; a política pública envolve processos subsequentes após sua decisão e proposição, ou seja, implica também implementação, execução e avaliação” (Souza, 2006, p.26).

A política pública não emerge, pois, do vazio, mas sim da interação de um grande número de forças com os desejos e decisões daqueles que fazem a política. As diferentes definições apontam para o cerne principal da questão – os Governos –, tendo a maioria dos autores uma visão holística do tema, “uma perspetiva de que o todo é mais importante do que a soma das partes, e que indivíduos, instituições, ideologias e interesses realmente contam, mesmo que existam diferenças sobre a importância relativa desses fatores” (Souza, 2003, p.13).