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PARTE I – POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO

Capítulo 1 – Políticas públicas

2.4. Os sistemas educativos

Importa agora perceber porque é que diferentes países com culturas distintas, níveis de desenvolvimento socioeconómico diferenciados e diferente posicionamento na sociedade e nas questões laborais se aproximaram tanto na forma como organizaram e organizam os seus sistemas educativos. Para Joaquim Azevedo, “são perfeitamente visíveis não só as diferenças, mas também as semelhanças entre os sistemas educativos dos diferentes países da europa e de todo o mundo. As suas características são aliás bastante idênticas em qualquer parte.” (Azevedo, 2007, p.26)

A similitude da retórica utilizada, a simultaneidade da sua enunciação, a exposição dos motivos, a contextualização social e os objetivos, cujos traços principais são cópias de País para País, são fatores que evidenciam, desde logo, não só um relativo consenso ideológico entre políticas educativas de diferentes países, mas também um progressivo grau de padronização de estruturas organizativas (Azevedo, 2007, p.13).

Nos últimos dois séculos, desenvolveu-se um modelo de escola moderna de relevância mundial, um subsistema adotado por qualquer país em processo de modernização, um modelo transnacional e universalmente aplicável (Hufner, Meyer e Naumann, 1992).

As estruturas comuns aos vários sistemas de educação escolar, pelo mundo fora, fazem parte do sistema mundial moderno e seguem basicamente um modelo transnacional global de tipo moderno de educação (Adick, 1993; Hufner, Meyer e Naumann, 1992). Assim, todas as sociedades que se modernizam adotam subsistemas de educação escolar de contornos semelhantes. Adick (1993) verifica a existência de uma tendência, historicamente prolongada, para o desenvolvimento de sistemas escolares nacionais com características estruturais semelhantes, unificados e sistematizados.

Inkeles e Sirowy (1983), citados por Joaquim Azevedo (2007, p.28), sustentam a sua análise nas tendências de convergência e de divergência entre sistemas educativos, na observação dos padrões de mudança, ao longo do tempo, nas suas várias dimensões, verificando que ora a mudança é lenta, ora é rápida, ora ela é convergente, ora divergente.

Jurgen Schriewer, da Universidade de Berlim, citando John Boli e Francisco O. Ramirez, apresenta as características estruturais tendentes à globalização dos processos de ensino, a saber:

- um referencial administrativo geral, comumente criado, controlado e financiado pelo Estado;

- um sistema escolar internamente diferenciado de acordo com os sucessivos níveis, diversos cursos e exames;

- a organização de processos de ensino e aprendizagem na sala de aula de acordo com a idade e unidades de tempo uniformizadas;

- a regulamentação governamental ou pública de tais processos de ensino aprendizagem, mediante requisitos mais ou menos detalhados na forma de ementas, diretrizes e provas;

- o estabelecimento de papéis distintos para professores e alunos e, até certo ponto, a profissionalização dos professores e dos métodos de ensino;

- por fim, o uso de certificados, diplomas e históricos para vincular carreiras escolares às ocupacionais, ligando a seleção escolar à estratificação social (Schriewer, 1995, p.256).

A estas características, Joaquim Azevedo (2007, p.31) junta a disciplinarização dos saberes, a dispersão dos espaços e tempos letivos e a divisão de alunos por turmas.

A convergência, aplicada às relações educacionais internacionais, defende que quanto mais numerosos forem os contactos internacionais entre os vários países, maiores serão as perspetivas de estes virem a cooperar e a consentir abandonar a sua autonomia cultural. Os acordos de cooperação bilateral e multilateral, os tratados e os acordos para o reconhecimento mútuo de diplomas são alguns dos exemplos que ilustram a convergência de interesses e o seu contributo para uma crescente harmonização entre os sistemas educativos dos vários países (Azevedo, 2007, p.33). Esta convergência é favorecida, ainda, para além da imitação e da aprendizagem mútua, pela pressão de outros elementos do sistema social, nomeadamente, pelo desenvolvimento da economia de mercado (Bauman, 1998, p.45).

Apesar da tendência globalizante, Dale e Robertson (2002, p.12) defendem que se mantêm as diferenças nacionais e recusam a ideia de “convergência entre países”.

Boaventura Sousa Santos alerta que:

(…) a inclusão de uma dada sociedade numa categoria transnacional deve acautelar a especificidade do processo histórico de cada sociedade. Pese embora o impacte globalizante da lógica do sistema mundial, as diferentes sociedades evoluem segundo processos históricos diferentes, obedecendo a ritmos e direções também diferentes (Santos, 1985, p.873).

É disto exemplo a formação profissional de base escolar, em França, e da formação profissional dual, na Alemanha.

Apesar das inúmeras diferenças que subsistem de um país para o outro no respeitante à organização dos sistemas educativos, diferenças que tem a ver com a história e as tradições de cada Estado, a tendência geral é para a convergência.

Alex Inkeles e Larry Sirowy (1983) realizaram um estudo sistemático para perceberam até que ponto os sistemas educacionais das nações se estão a tornar cada vez mais parecidos. Os sistemas educacionais podem ser agrupados nos domínios do desenvolvimento económico, ideológico, jurídico, sociocultural, estrutural, demográfico, administrativo e financeiro e, para cada uma destas vertentes, serem avaliados uma série de dimensões, como a relação professor-aluno, a expansão da escola abrangente ou o nível de gastos com a educação, comparando dados históricos com dados atuais para avaliar o padrão de mudança transnacional.

O esmagador peso das evidências, tanto quantitativas como qualitativas, indica que a tendência dos sistemas educacionais nacionais é para fazer convergir para estruturas e práticas comuns, abrangentes, profundas e muitas vezes aceleradas. Essa convergência manifesta-se em todos os níveis dos sistemas educacionais e afeta praticamente todos os aspetos importantes desses sistemas (Inkeles e Sirowy, 1983, p.303).

A introdução de políticas neoliberais na educação refletiu-se numa redução de recursos públicos, numa modernização tendente à privatização, à descentralização, assim como à modificação curricular ao serviço de um mercado escassamente regulado (Alfaro, 2009).

O racional das políticas de índole neoliberal aplicadas aos sistemas educativos foi buscar inspiração nas ideias básicas do fordismo: eficiência, eficácia e qualidade. Estas ideias, logo absorvidas pela pedagogia norte-americana da eficiência industrial, fizeram refletir no campo pedagógico os conceitos industriais. Assim, a educação passou a ser considerada como uma entidade produtora de capital humano, a qual deve ser rentável em termos económicos (Alfaro, 2009).

Foi Theodore Schultz, economista da Universidade de Chicago, mais tarde prémio Nobel da Economia, quem concebeu a educação como um investimento, dado que a educação não proporciona apenas benefícios e satisfação individual, mas proporciona o incremento da qualidade produtiva:

Embora seja óbvio que as pessoas adquiram capacidades úteis e conhecimentos, não é óbvio que essas capacidades e esses conhecimentos sejam uma forma de capital, que esse capital seja, em parte substancial, um produto do investimento deliberado; essas capacidades têm-se desenvolvido no seio das sociedades ocidentais a um índice muito mais rápido do que o capital convencional (não-humano), e o seu crescimento pode muito bem ser a característica mais singular do sistema económico. Observou-se amplamente que os aumentos ocorridos na produção nacional têm sido amplamente comparados aos acréscimos de terra, de homens-hora e de capital físico reproduzível. O investimento no capital humano talvez seja a explicação mais consentânea para esta assinalada diferença. (Schultz, 1973, p.31)

Conclui-se, assim, que o processo educativo favorece a produtividade e, como tal, o crescimento económico. São as pessoas que devem ter a capacidade e oportunidade de investir em si mesmas, de forma a irem formando o seu próprio capital humano.

Alfaro (2009) conjetura que, de acordo com este pressuposto, o desemprego é um problema de oferta mais do que da procura, podendo-se afirmar que, de acordo com esta teoria, existe um mercado de educação.

Neste sentido, cresce uma ideia de escolha – a teoria do capital humano na sua verdadeira força ideológica, em que o trabalhador é um detentor de capital incorporado na sua competência e nos seus conhecimentos e com capacidade para investir em si mesmo. A educação assim adquirida possibilita a melhoria do preço relativo da sua força de trabalho no mercado, pois permitirá maximizar o seu rendimento devido ao investimento realizado na sua educação (Alfaro, 2009).

Para Karabel e Halsey (1986, p.27), o atrativo da teoria do capital humano para as instituições capitalistas encontra-se essencialmente no reconfortante caracter ideológico da sua mensagem. As nações são pobres não por causa da sua estrutura e das relações económicas internacionais, mas sim por razões internas, especialmente a sua carência de capital humano, desviando, assim, a atenção das variáveis estruturais para as individuais.

A tendência atual de convergência na orientação da educação levam-na a sujeitar-se aos jogos e mecanismos de mercado e, com base nesse pressuposto, a ir-se modificando a intervenção do Estado na área educativa, de acordo com as necessidades do sistema económico (primeiro nacional, e agora já global), dos interesses das empresas e dos modelos de acumulação de capital que vigoram. (Alfaro, 2009).

Em pleno seculo XXI, “a doutrina dominante em educação encontra o seu centro da gravidade nas teorias do capital humano. Estas últimas, por muito ideologicamente marcadas que sejam, revelam uma tendência muito real do capitalismo contemporâneo para utilizar saberes cada vez mais numerosos, debaixo do seu duplo aspeto de fatores de produção e de mercadorias” (Laval, 2004, p.60).

2.5. Nota final

Qual o modelo de educação que queremos? A errância pedagógica que estamos hoje a viver colocou uma cobertura ideológica no verdadeiro problema educacional. A escola, enquanto aparelho ideológico do Estado, repassa ideologia em programas educativos. O grande problema da educação, hoje, prende-se com o facto de as grandes linhas estratégicas, quando existem, serem da responsabilidade de pessoas que não têm compromisso com a cultura da formação, em si própria, livre e neutra, mas sim com a cultura ideológica, suportada na ignorância e no partidarismo.

Todos os modelos educativos possuem uma ligação com o Governo, pois quem controla o Estado é que tem condições de agir, fazendo aplicar medidas dominadas pelos aparelhos ideológicos.

O risco é que a escola se torne num campo de discussão ideológica, que deixe de dar resposta à sociedade para apenas responder a grupos de interesse que condicionam o sistema e o Estado, e este continue financiando a baixo custo uma educação classista, ideológica, arcaica e não raro deformadora.

Em jeito de passagem para a próxima Parte deste trabalho, diga-se que as insuficiências do sistema de educação para o turismo são conhecidas e públicas, numa realidade que é bastante coerente em toda a Europa, a começar pelo nível de escolarização da mão-de-obra neste setor, que é inequivocamente baixo: 40% dos trabalhadores são muito pouco qualificados e apenas 1 em cada 10 trabalhadores possui um diploma do ensino superior (Agência Europeia para a Segurança no Trabalho, 2008). Em Portugal, a percentagem de trabalhadores pouco qualificados a trabalhar nesta área é ainda superior à da média europeia, com a agravante de, na última década, não se terem observado melhorias, nem se ter conseguido consolidar uma política pública coerente de educação para o setor.

Como já referimos, a articulação vertical entre os diversos níveis de ensino não existe e o fracionamento horizontal do sistema cria problemas de concentração e continuidade. Com o incentivo ao crescimento do ensino profissional, originou-se uma oferta pouco preparada, pouco focada nas necessidades de instalações ou na capacitação dos recursos humanos a envolver nesta vertente educativa, comprometendo a sua qualidade ou confiando apenas ao tecido empresarial essa missão.

A agravar toda esta problemática, a educação para as áreas técnicas da hotelaria é particularmente dispendiosa, os cortes orçamentais acontecem e a qualidade formativa é abalada, a que se associa um certo silêncio dos empresários que, não estando satisfeitos com os recursos humanos que lhes chegam, não ousam questionar ou confrontar os atores políticos.

A qualificação dos recursos humanos é crucial para o futuro desta atividade, uma vez que é a única em que a relevância do relacionamento interpessoal, a imagem e a cultura dos seus profissionais mais contribui para aumentar o seu valor acrescentado.