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A atividade de andar é tão natural que nem nos apercebemos dos fenómenos envolvidos na sua execução. Andar é a forma fundamental de locomoção para os seres humanos, ainda que seja um padrão de movimento bastante complexo.

Por azar, logo no início do ano letivo um aluno, o André S., contraiu uma lesão numa aula de Educação Física, que de início se pensou tratar de uma rotura muscular (pois o aluno mal conseguia apoiar o pé no chão), mas que depois apenas se confirmou um estiramento muscular que foi resolvido com alguns medicamentos e principalmente repouso durante um mês. Devido a este episódio durante a convalescença, o aluno ficou debilitado na sua forma normal de caminhar com perda parcial do equilíbrio. Este facto acabou por ser usado como mote para a análise física da

55 locomoção humana (Biomecânica), mais propriamente dos fenómenos que a caraterizam e o equilibrio que é necessário manter.

A locomoção é um movimento do corpo ereto para a frente, usando as extremidades inferiores para propulsão (Edwards, 1999). Em suma, andar consiste em levantar um pé do solo para projetá-lo em frente.

Inmann (1981) analisou a atividade de andar observando a posição e o deslocamento do centro de gravidade do corpo e verificou que durante o movimento ocorre uma perda e uma recuperação do equilíbrio, sequencialmente. Concluiu que o andar é uma atividade passiva, dependendo da transferência do peso corporal acima do apoio.

Os movimentos de locomoção variam ligeiramente de indivíduo para indivíduo, por isso, os investigadores criaram o conceito de “posição anatómica de referência”, que inclui um sistema catesiano de coordenadas tridimensional que permite identificar e descrever a posição de qualquer ponto, normalmente o Centro de Massa (CM), no espaço.

Os eixos desse sistema cartesiano incluem os planos de referência indicados na tabela 15.

Eixo

Plano

Descrição

Anterior/posterior Plano sagital Divide a massa do corpo verticalmente, em duas

partes iguais e é responsável pelo movimento para trás e para a frente;

Horizontal Plano transversal Separa o corpo nas metades superior e inferior e é o

plano no qual ocorrem os movimentos horizontais do corpo e dos segmentos corporais quando o corpo se encontra na posição ereta;

Vertical Plano frontal Divide o corpo verticalmente em metades anterior e

posterior com massa igual e é responsável pelos movimentos laterais do corpo.

Tabela 15- Planos cardinais da posição anatómica de referência

Para um individuo de pé os três planos cardinais entrecruzam-se todos num único ponto, o CM (figura 9).

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A locomoção é um processo complexo que necessita de um elaborado controlo do sistema músculo-esquelético e do sistema nervoso. Pela simples visualização, conclui-se que a locomoção não é um fenómeno único, mas sim o resultado de vários fenómenos interligados. O sistema músculo-esquelético responsável pela motricidade do corpo humano é extremamente complexo do ponto de vista biomecânico, por isso somos “obrigados” a recorrer a modelos simplificados para o descrever.

Com isso, podemos caracterizá-lo como uma sequência de apoio simples (um pé) e duplo apoio (Hall, 2000). Existe uma fase em que um dos apoios não está em contacto com o solo, fase esta denominada de oscilação ou balanço.

Convencionou-se descrever o movimento da marcha seguindo a trajetória do membro inferior direito (Adams, 1998). Esse movimento é constituído por uma fase de apoio, no qual os músculos responsáveis pelo equilíbrio dinâmico são solicitados e por uma fase de oscilação, durante a qual o membro inferior flexionado no joelho, avança para atingir o solo mais à frente, esticando a perna. Quando uma perna se desloca para diante, há flexão coordenada do quadril e do joelho, dorsiflexão do pé e uma elevação pouco percetível do quadril, para que o pé se afaste do chão (Adams, 1998).

O ciclo da marcha normal encontra-se esquematizado na (fig. 10) e define-se como o período entre pontos sucessivos nos quais o calcanhar do mesmo pé toca o solo (Viel, 2001).

57 O ciclo é iniciado pelo toque do pé direito no chão. A “fase de apoio”, durante o contacto do pé com o solo demora 60 a 65% do ciclo e corresponde à ação do corpo se equilibrar sobre um único pé.

A “fase de apoio” é subdividida em cinco períodos:

1. Apoio do calcanhar; 2. Alinhamento do pé; 3. Acomodação intermediária; 4. Impulsão do calcanhar; 5. Impulsão dos dedos.

A fase de oscilação, corresponde à atividade de procurar o solo à sua frente e avançar a perna. A atividade muscular é máxima na fase de apoio e mínima na fase de oscilação, sobretudo por uma recuperação de energia cinética.

A “fase de oscilação” é dividida em três períodos:

1. Oscilação inicial (aceleração); 2. Oscilação intermediária;

3. Oscilação terminal (desaceleração).

Conforme o indivíduo oscila, os recetores sensoriais visuais (baseados nas características externas do ambiente), os recetores somatosensoriais (baseados nas informações colhidas através do contacto com o meio) e os recetores vestibulares (baseados nas forças gravitacionais) detetam essas flutuações e geram respostas compensatórias nos músculos adequados de forma a manter o equilíbrio.

O período em que ambos os pés estão em contacto com o solo é chamado de sustentação dupla. A largura do passo corresponde à máxima distância entre o contacto do calcanhar esquerdo e o do calcanhar direito. O comprimento do passo corresponde à distância entre um contacto do calcanhar direito e o próximo contacto do calcanhar direito.

Andar é, antes de tudo manter-se de pé. É deixar-se guiar pelos automatismos adquiridos ao longo do amadurecimento do sistema nervoso e do sistema locomotor.

Adams (1998), concluiu que, quando analisados em maior detalhe, os requisitos necessários à locomoção numa postura bípede e ereta podem ser reduzidos aos seguintes elementos:

1. Sustentação antigravitacional do corpo

É necessário que exista a intervenção do sistema músculo-esquelético de forma coordenada para dar rigidez estrutural ao corpo sem que este se dobre com descontrolo das diferentes

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partes que o constituem. A sustentação do corpo na posição ereta é proporcionada pelos reflexos posturais e antigravitacionais, que permitem que uma pessoa levante de uma posição deitada ou sentada para uma postura bípede ereta e mantenha a firme extensão dos joelhos, quadris e dorso, modificáveis pela posição da cabeça e do pescoço. Estes reflexos dependem dos impulsos tácteis e visuais.

2. A propulsão

A propulsão é fornecida pela inclinação para diante e discretamente para o lado, permitindo que o corpo “caia” uma certa distância, antes de ser reprimido pela perna.

‘A ação de caminhar implica aplicar uma força (com a planta do pé) sobre o solo que garanta a propulsão (3ª Lei de Newton). Daí que, para ser possível andar, é indispensável a existência de atrito suficiente entre a superfície de contacto de quem se move (pé, ou sapato), com a superfície de apoio (Viel, 2001). A Força de atrito, opõe-se ao deslizamento do pé sob o solo e na ausência dela o movimento horizontal é impossível. As superfícies de apoio e do pé ou calçado, têm de proporcionar um coeficiente de atrito (suficientemente alto para permitir ao indivíduo “empurrar” o solo para trás e consequentemente haver lugar à propulsão do seu corpo para a frente. Na figura 11b, mostram-se as forças que atuam, quando cada aluna pousa o pé de apoio e se desloca da direita para a esquerda (figura 11a). A força ⃗ é exercida pela aluna sobre o solo quando esta apoia o pé propulsor, pela 3ª Lei de Newton, o chão empurra a aluna com força igual e oposta, a força ⃗⃗. Essa força decompõe-se em duas componentes, a reação normal ⃗⃗⃗⃗⃗ e a força de atrito ⃗⃗⃗⃗, a reação normal equilibra o peso( ⃗⃗ e a força de atrito impede o pé de deslizar para trás, empurrando-a para a frente, pois opõe-se à tendência de deslizamento entre as superfícies. É ela a responsável pela locomoção ao ter o sentido do movimento do CG do corpo.

Fig. 11a- Alunas a andar Fig 11b- Forças no sistema pé de apoio- Terra na locomoção (Maciel, 2009)

59 Nesta, como noutras situações, ao contrário do que acontece no arrastamento de um objeto pelo solo, a força de atrito, tem a mesma direção e sentido do deslocamento. Essa força de atrito também dependerá da força exercida pelo solo sobre o corpo ⃗⃗⃗⃗⃗⃗⃗⃗ que se relaciona com a resistência do meio que impede o corpo de afundar no solo sob o efeito da força gravitacional. Esta reação do plano tem o mesmo valor das forças verticais descendentes. Sendo a força de atrito:

⃗⃗⃗⃗ ‖ ⃗⃗⃗⃗⃗⃗‖ (1)

3. A manutenção do equilíbrio

Aqui está a chave para manter controlado o corpo em condições estáticas, quase-dinâmicas ou dinâmicas e em graus de apoio muito variáveis (fase unipodal ou bipodal).

Manter o equilíbrio exige coordenação entre postura, equilíbrios e locomoção com adaptação a cada momento e desvio dos obstáculos do mundo externo. No ponto 4.1.2 serão tratadas as principais caraterísticas mecânicas necessárias para que o equilíbrio seja possível.