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2.1.4 Trabalho Prático nas escolas portuguesas

Dos estudos realizados em Portugal ao nível da caracterização do ensino experimental das ciências (Cachapuz et al., 1989, Miguéns, 1991, Valente et al., 1989, Almeida, 1995) evidenciava-se, por um lado, a fraca utilização de trabalho experimental nas aulas de ciências e, por outro, quando este ocorria, a predominância de demonstrações e verificações experimentais. O mesmo pode ser evidenciado por Martins et al. (2002) nas tabelas 4 e 5:

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Tabela 4- Situações de ensino na sala de aula (Martins et al., 2002)

Nesse estudo, os autores constataram que apenas cerca de ¼ dos 1354 professores de Física e Química de que era constituída a amostra, realizava regularmente atividades experimentais (tabela 4). De entre estes, as atividades experimentais realizadas eram viradas principalmente para a verificação de leis, fenómenos e teorias, quase não explorando a formulação e verificação de hipóteses pelos alunos e a resolução de problemas abertos (tabela5):

Tabela 5- Atividades e metodologias de trabalho em aulas experimentais (Martins et al., 2002)

Pode, assim, notar-se que este tipo de atividades, a par das designadas atividades de “descoberta”, corresponde à conceção e prática corrente do trabalho experimental enquadrado numa abordagem da educação em ciências centrado somente nos conteúdos.

De acordo com o Livro Branco da Física e da Química (Martins et al., 2002), a avaliação que se pratica nas nossas escolas está muito centrada em testes escritos, com um peso médio de 68% na classificação final. Para as atitudes e valores sobra um peso variável entre 5% e 15%. A percentagem referente às atividades experimentais era, para a esmagadora maioria dos professores envolvidos,

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menor do que 10%. A amostra a que dizem respeito estes resultados foi composta com 501 professores (tabela 6):

Tabela 6- Percentagem dos diferentes processos na avaliação final dos alunos em Portugal- ano 2000 (Martins et al., 2002)

Isto mostrou inequivocamente que alguma coisa teria de ser feita, pois não estávamos a aproveitar os benefícios do ensino experimental. Na tentativa de alterar isto, começaram a ser trabalhados estes temas na formação de professores e também houve algum reapetrechamento dos laboratórios escolares. De facto, quando se analisam os recheios laboratoriais das escolas mais antigas em comparação com aquelas que foram construídas nos anos 70/80 do século passado, verifica-se facilmente que houve uma inversão na utilização de trabalhos práticos ao serviço do ensino. A discrepância entre as orientações programáticas em vigor e a aplicação em sala de aula, destacada por estudos já realizados noutros países (Cachapuz, 1989, Miguéns, 1999) também existia em Portugal. Estes estudos, para além de salientarem uma fraca utilização do trabalho experimental nas aulas de Ciências, sublinhavam também a prevalência de uma postura diretiva dos professores, tal como já foi referido, na condução de atividades experimentais, no âmbito do ensino da Física e Química, em qualquer nível de ensino.

Com a consciência da importância do trabalho prático/experimental procurou-se efetuar uma renovação curricular. Com a reforma curricular de 1989 (Decreto-Lei n.º 286/89), as escolas viram melhorar quer as infraestruturas, quer os equipamentos. Houve uma evolução muito tímida no caso do ensino básico, mas essa evolução foi muito maior no ensino secundário. Efetivamente, a perceção da importância do trabalho prático/laboratorial, levou a criar disciplinas específicas de Técnicas Laboratoriais das diferentes Ciências (no Curso de Carácter Geral do Agrupamento 1 – Científico e Natural). Contudo essas disciplinas eram opcionais e para além das Técnicas Laboratoriais de Física, ainda havia as de Química, de Biologia, de Geologia e outras disciplinas como a Introdução às Tecnologias de Informação. Deste leque alargado os alunos deveriam escolher duas, o que na prática significou que só um número muito reduzido escolheu Técnicas Laboratoriais de Física.

15 Os projetos Ciência Viva foram uma grande ajuda na demanda do apetrechamento dos laboratórios escolares durante esses anos.

A 18 de Janeiro de 2001 foi publicado o Decreto-Lei n.º 6/2001, regulando uma nova reforma do ensino básico, defendendo-se a necessidade da reconceptualização do trabalho experimental (de modo a que reflita as características do trabalho científico) e da reavaliação do seu papel e estatuto, no contexto da educação em Ciência. Pelo menos em termos de legislação, foi dado um papel de destaque ao trabalho experimental. Este passou a ser perspetivado como uma atividade de natureza investigativa de modo a que, fazendo uso dos métodos e processos de trabalho em Física e Química, habilite os alunos para a resolução de problemas abertos. Na alínea e) do artigo 3.º do referido documento, referia como princípios orientadores dos processos de ensino e de aprendizagem, a “valorização das aprendizagens experimentais nas diferentes áreas e disciplinas (…) promovendo a integração das dimensões teórica e prática”.

Em Março de 2004, surgiu a reforma do ensino secundário (Decreto-Lei 74/2004), que mantinha e amplificava, a referência à importância do trabalho experimental, embora tenha havido uma alteração com a supressão das disciplinas de Técnicas Laboratoriais e sua integração na disciplina de Física e Química A (no Curso Científico Humanístico de Ciências e Tecnologias). A disciplina de Física e Química (A) aumentou a carga horária semanal de 4 para 6 tempos letivos (embora cada uma das antigas disciplinas técnicas tivesse 3 tempos). Este facto, para a disciplina de Física, até foi ligeiramente produtivo, pois não esqueçamos que eram poucos os alunos que escolhiam as Técnicas Laboratoriais de Física.

Porém, por outro lado, no curso de Ciências e Tecnologias, a Física e Química A deixou de ser obrigatória. Mais do que isso, se os alunos assim quisessem, podiam iniciar a disciplina de Física e Química A apenas no décimo primeiro ano, frequentando o segundo ano da disciplina no décimo segundo ano e ficando por isso, nesse ano, impedidos de escolher a Física ou a Química como disciplinas de opção. Ou seja, houve alunos que concluíram o Curso Secundário de Ciências e Tecnologias sem frequentarem Física nem Química; e mesmo que os alunos escolhessem iniciar a Física e Química A no décimo ano, chegados ao décimo segundo ano poderiam optar, por exemplo, por Psicologia B (dependendo da oferta da escola), terminando o décimo segundo ano sem ter tido, nesse ano, qualquer disciplina de ciências exceto Matemática, dado que foi limitado o número de escolhas de disciplinas de opção a uma única disciplina.

Este problema foi em parte resolvido no ano 2010/2011, quando a tutela deu novas orientações em que as duas disciplinas bienais deveriam ambas ser escolhidas no 10º ano e no 12º em vez de uma, os alunos teriam de passar a escolher duas disciplinas de opção, sendo uma obrigatoriamente do conjunto: Física, Química, Biologia ou Geologia.

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Entretanto, um novo passo no reconhecimento do trabalho prático/experimental/laboratorial/campo tinha sido dado no ano 2008/2009, quando as disciplinas da área das ciências passaram a contar com mais um tempo de 45 minutos, a juntar a uma das aulas semanais de 90 minutos, de forma a tornar mais produtivas e exequíveis as aulas laboratoriais.

Mas, sem dúvida, o facto que provocou o aumento substancial da experimentação em meio escolar, fazendo disparar os já mencionados apenas 10% do peso de avaliação para a parte prática em 2000 (Martins et al., 2002), para 30% (no mínimo), foi provocado pela saída de uma portaria em 2004, recentemente substituída pela Portaria n.º 243/2012 que veio tornar obrigatório que, no mínimo, 30% do peso da avaliação das disciplinas de Ciências fosse atribuído à parte prática.

Por isso, pelo menos administrativamente, os valores referentes à execução experimental nas aulas e sua avaliação de há uma década atrás, progrediram significativamente. Aparentemente a qualidade também, até porque é visível que cada vez mais os professores planificam atividades em conjunto com os seus pares (tendo esses indicadores também melhorado substancialmente). Infelizmente, não se conhece qualquer estudo recente a nível nacional que prove esta perceção encontrada no terreno. Temos, no entanto, dúvidas que a qualidade da intervenção, apesar da evolução, tenha aumentado tanto como a quantidade, pois o ensino experimental continua a ser feito na maioria das vezes pelo simples seguir de um guião (o protocolo encontrado nos manuais escolares), com uma exploração muito deficiente, o que leva à elaboração de relatórios de análise também eles pouco desenvolvidos. As demonstrações e verificações são as modalidades de atividades experimentais mais usadas, de estilo confirmatório do tipo "Realize para mostrar que..." ou "prove que...", em que o produto da atividade é, em ambos os casos, corroborativo de uma teoria previamente ensinada.

Talvez esteja na hora de alterar este estado de coisas e levar os alunos a realizar experiências de cariz alternativo, que lhes digam algo substancialmente maior.