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O desporto de eleição da turma é o futebol, alguns rapazes são jogadores de equipas de futebol, outros de futsal e há mesmo duas raparigas também jogadoras de futsal. Filmaram então alguns remates em frente a uma baliza. Em remates normais, a trajetória é semelhante à da bola de basquetebol. Mas, eles sabem muito bem que podemos contornar obstáculos, como por exemplo o guarda-redes se fizerem o remate com “efeito”.

Apesar de ser difícil de estudar com ajuda do Tracker a trajetória da bola chutada com “efeito”, o tal efeito extra permite ver que há uma mudança de direção no plano vertical a que se juntou outra mudança no plano que define a profundidade da imagem (daí a dificuldade de análise).

Gráfico 8- Altura ao longo do tempo de uma bola sujeita a um ressalto forçado (drible)

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O efeito parece notar-se quando a bola é chutada ligeiramente de lado e lhe é provocada uma rotação. Assim sendo essa mudança de direção terá a ver com essa rotação imprimida à bola. Mas pela primeira Lei de Newton, para haver uma mudança de direção, então terá de haver uma resultante de forças não nula. Aparentemente durante a trajetória aérea a única força a atuar é a força gravitacional e essa atua quer a bola seja chutada em rotação quer não o seja. Por isso deverá haver uma outra força e essa força deverá estar relacionada com o ar por onde a bola se desloca. Efetivamente quando a bola é chutada ela vai atravessar uma massa de ar durante a sua trajetória, se ela for em rotação no sentido anti-horário como na figura 25 e o movimento esteja a dar-se no sentido indicado, então vai haver uma zona onde a rotação da bola vai ter um sentido contrário ao do ar que passa por ela, pelo que vai diminuir a velocidade de passagem do ar por esse lado. No lado diametralmente oposto, a rotação da bola vai ter o mesmo sentido que o do ar, pelo que esse ar vai ser acelerado, aumentando a sua velocidade. Pelo Princípio de Bernoulli, sabemos que num fluído quando a velocidade aumenta, a pressão que exerce diminui. Assim criam-se pressões diferentes em lados diferentes da bola, pelo que vai surgir uma força que empurra a bola da zona de maior pressão para a zona de menor pressão, fazendo a bola alterar a sua direção. A este fenómeno chama-se o efeito Magnus (figura 25).

A força de Magnus que surge pode ser escrita pela expressão (Goff e Carré, 2010)

⃗⃗⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗ ⃗ (41) onde é a densidade do fluído, A a área da secção transversal da bola, r o raio da bola, ⃗⃗⃗ o vetor velocidade angular e ⃗ o vetor velocidade linear da bola. O produto entre o vetor velocidade angular e o vetor velocidade linear é o produto externo, pelo que a força de Magnus vai atuar no eixo perpendicular às direções destes dois vetores. A rotação imprimida pode ajudar a bola a subir mais no plano vertical (sustentação) ou a desviar numa ou noutra direção no plano mais horizontal (desvio)

Os remates com “efeito”, revelam algumas das consequências mais espetaculares da força de Magnus. Na figura 26 vemos a trajetória de bolas rematadas do mesmo ponto, com a mesma

93 velocidade, e com diferentes rotações em torno do eixo vertical (0; 5 e 10 Hz). A bola sem rotação (0 Hz) passa bem longe do poste, as bolas com efeito vão na direção da baliza.

Fig. 26- Efeito Magnus em função da frequência de rotação da bola

Atendendo ao tamanho da bola e ao facto de atravessar o fluido ar, quando percorre distâncias apreciáveis, a resistência do ar pode ter um papel importante a dizer sobre a trajetória da bola. Efetivamente quando fizemos a análise de um lançamento da bola de basquetebol, a trajetória descrita pela bola pareceu indicar que a resistência do ar era desprezável, mas em remates longos, isso pode deixar de continuar a ser realista. Efetivamente, assim é, voltemos a relembrar a equação 37 que mostra as variáveis de que depende essa força.

O coeficiente de penetração aerodinâmica, não foi totalmente definido, quanto maior for esse coeficiente, maior será a resistência, ou seja maior será o “arrasto”, razão pela qual também é designado por coeficiente de arrasto. Sabemos pela análise dimensional que este coeficiente tem de ser adimensional. Outro coeficiente adimensional e relacionado com o escoamento de fluídos é o número de Reynolds (podemos entender que quando uma bola atravessa o ar, na realidade é o ar que está a escoar pela superfície da bola). O número de Reynolds é usado em mecânica dos fluidos para o cálculo do regime de escoamento de determinado fluido sobre uma superfície e mede a razão entre as forças inerciais e as forças de viscosidade que atuam no objeto que se move no fluido.

O número de Reynolds e é definido como

, (42) onde D é o diâmetro da bola e a viscosidade do fluido.

Valores pequenos de Re indicam um escoamento laminar e números grandes indicam um escoamento turbulento.

O gráfico 10 mostra a variação do coeficiente de arrasto para uma esfera lisa em função do número de Reynolds, determinado experimentalmente em túneis de vento (Landau, 1987) in (Aguiar e Rubini, 2004).

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Gráfico 10- Coeficiente de arrasto de uma esfera lisa, em função do número de Reynolds

Para uma grande faixa de valores de Re, entre aproximadamente 103 e 105, o coeficiente de arrasto é praticamente constante, mantendo-se em torno de 0,5. Consequentemente, nesta região a força de resistência do ar é proporcional ao quadrado da velocidade. O aspeto mais curioso é a queda abrupta do coeficiente de arrasto (por um fator da ordem de 5) em torno de Re = 3x105. Esta redução drástica da resistência do ar é chamada de crise do arrasto.

A crise do arrasto é a redução abrupta que a resistência do ar sofre quando a velocidade da bola aumenta além de um certo limite. Esse é um fenómeno bem conhecido na dinâmica de fluidos, embora não seja tratado no ensino secundário. O seu tratamento quantitativo poderá ser evitado, mas a sua abordagem qualitativa é de grande interesse para a maioria dos alunos.

A bola de futebol tem um diâmetro D = 22 cm. Portanto, a relação entre a velocidade da bola e o seu número de Reynolds, para as condições habituais do ar é (Aguiar e Rubini, 2004):

(43) Com esta fórmula é fácil verificar que o arrasto linear só ocorre para velocidades irrisórias, bem menores que 0,1 mm/s. Ou seja, a resistência proporcional à velocidade, algo que é costume considerar, rapidamente deixa de ser verdadeiro para uma bola a mover-se no ar.

Para uma bola de futebol (suposta uma esfera lisa) a crise do arrasto ocorre em v=20 m/s. A região onde a resistência do ar é proporcional a v2 corresponde a velocidades até cerca de 20 m/s.

Para números de Reynolds menores que aproximadamente 20, a camada limite envolve completamente a bola. O escoamento do ar é laminar, e o arrasto é dominado pela viscosidade. Para valores maiores de Re a camada limite separa-se da esfera na parte posterior e a separação causa uma diminuição significativa da pressão na parte de trás da esfera, e a diferença entre as pressões dianteira e traseira passa a dominar o arrasto.

95 A crise do arrasto ocorre quando a camada limite se torna turbulenta, pois diminui a área traseira da esfera submetida a baixas pressões, o que criava uma força contrária ao movimento.

Assim, a resistência do ar aumenta com a velocidade, para velocidades relativamente baixas. Depois mantêm-se constante para uma gama de velocidades intermédias. Mas quando a bola tem uma velocidade maior do que 20 m/s, então a resistência diminui.

Uma curiosidade é que a textura da superfície também afeta o escoamento da camada limite. Uma esfera rugosa irá sofrer a crise num número de Reynolds inferior ao de uma esfera lisa. A rugosidade precipita a turbulência na camada limite e consequentemente, diminui a resistência do ar a altas velocidades. Parece estranho que uma bola áspera ofereça menos resistência ao ar que uma lisa, mas é exatamente o que acontece. É por isso que as bolas de golfe têm buracos cavados por toda a sua superfície, essa rugosidade aumenta a turbulência, por isso diminui a resistência e elas vão mais longe.

É difícil dizer exatamente onde ocorre a crise para uma bola rugosa, pois isso depende não apenas do grau de irregularidade, mas também da sua distribuição pela superfície.

Assim, compreende-se que os jogadores de futebol, quando aparece uma bola precisam algum tempo de adaptação até dominarem bem a velocidade e colocação de remate, pois as bolas terão trajetórias distintas (mais curtas ou longas), conforme a sua rugosidade.

Assim, para dominar completamente a trajetória de uma bola, ter-se-á que entrar em linha de conta com o efeito Magnus e a resistência do ar e claro a diminuição dessa resistência em certos casos com a “crise do arrasto”.

Aguiar e Rubini (2004) fizeram o estudo de um remate famoso do jogador brasileiro Pelé no campeonato do mundo de 1970. Nesse estudo modelaram os dados das imagens e chegaram à conclusão que no remate teve de haver a influência conjunta do efeito Magnus e da “crise do arrasto” para explicar a trajetória exata seguida pela bola.

Na figura 27 está indicada a trajetória real seguida pela bola.

Fig. 27- Trajetória de uma bola rematada por Pelé

Na modelação elaborada, consideraram em seguida que não ocorreu a crise do arrasto, ou seja, que a resistência do ar se fez sentir sempre constante. O resultado obtido está na figura 28

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Fig. 28- Trajetória da bola sem a crise do arrasto

Concluiu-se que se a resistência do ar fosse constante ao longo da trajetória, esta nem chegaria a entrar na grande área.

Prosseguiram com a modelação e retiraram a influência do efeito Magnus, considerando que a bola foi chutada sem rotação. E chegaram a um resultado muito parecido (figura 29) ao anterior. Aparentemente a rotação imprimida, foi feita com tal direção que ajudou à sustentação da bola, ou seja a força resultante das pressões apontava no sentido vertical de baixo para cima.

Fig. 29- Trajetória da bola sem sustentação do efeito Magnus

Assim provou-se que a jogado ocorrida só foi possível pela atuação conjunta dos dois fenómenos físicos. Uma bola de futebol em movimento no ar está sujeita a forças aerodinâmicas causadas pela pressão e viscosidade do meio. A força resultante pode ser decomposta em duas componentes: o arrasto, antiparalelo à velocidade e a sustentação, perpendicular à velocidade.

Por fim, os investigadores modelaram a hipótese de não haver resistência do ar, ou seja a aplicação simples das leis dos movimentos. Ao não haver resistência do ar, obviamente que o efeito Magnus também não se podia sentir. O resultado obtido está patente na figura 30.

Fig. 30- Trajetória da bola no vazio

A trajetória seguida seria uma parábola perfeita, ao contrário dos outros casos, mas ela cairia antes da baliza, apesar de não haver resistência do ar. Isso, mostra mais uma vez, quão importante é a sustentação aerodinâmica criada pelo efeito Magnus.