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Ciclos de Aprendizagem, Ciclos de Formação e Progressão Continuada

Como já afirmamos antes, o termo ciclos com o significado de não-retenção veio a ser utilizado de modo mais recorrente no ano de 1984, na rede estadual paulista com a implantação do Ciclo Básico de Alfabetização de Alfabetização. Conforme Mainardes (2007) “as evidências históricas mostram que o debate em torno da criação de políticas de não-reprovação iniciou-se no final da década de 1910. Mostram também que as experiências pioneiras iniciaram-se no final da década de 1950”. (MAINARDES, 2007, p.01)

Mainardes (2009), citando Silva (2006), explicita que, conforme o relatório de Condorcet, de 1793, a escolaridade em ciclos tem seus pressupostos na origem da organização da própria escola burguesa, que já previa a flexibilização do tempo de instrução. Cumpre pontuar, no entanto, que a noção de uma escola organizada em ciclos, segundo Mainardes (2009), surge no Plano da Reforma de Langevin-Wallon. Em linhas gerais, podemos dizer que o referido plano questionava a organização escolar seriada, estabelecendo princípios democráticos para a socialização do conhecimento. Mainardes (2009), esclarece que em Wallon, a noção de ciclos visa à superação do fracasso escolar, através da regularização do fluxo de alunos, entre outras medidas. A proposta de Wallon priorizava a igualdade de direitos, de dignidade e diversidade, de maneira a atender os alunos em suas necessidades.

A expansão dessa nova forma de organização, conforme Mainardes (2009b), foi acompanhada por uma diversidade de nomenclaturas, tais como: Ciclo Básico de Alfabetização, Ciclo de Alfabetização, Ciclos de Aprendizagem, Progressão Continuada, Ciclos de Formação. Sobre essa diversidade, conforme Mainardes (2009b) que se posiciona da seguinte forma:

As decisões acerca do modelo de ciclo, profundidade e abrangência das mudanças propostas dependem de vários fatores, como as concepções de Estado e de política educacional que orienta os mandatos, a arquitetura político-partidária, a infra-estrutura e os recursos financeiros disponíveis e as políticas educacionais já implementadas na rede, entre outros. Essas decisões estão sujeitas às descontinuidades do processo político, principalmente na mudança de uma gestão para outra, como o retorno à seriação ou adaptações mais ou menos superficiais na política em implementação. (MAINARDES, 2009b, p.15).

Ainda quanto a essa forma de organização do ensino, percebe-se a presença de um elemento constante: associa-se aos ciclos a eliminação, total ou parcial da reprovação (ou retenção do aluno) na mesma etapa/série.

A Progressão Continuada é uma forma de organização escolar, também assegurada pela atual LDB, no parágrafo 1º, do inciso IV, do art. 32. Consiste numa tentativa de racionalização do currículo escolar, objetivando a diminuição da reprovação e a aceleração da passagem dos alunos, sendo “as séries convencionais mantidas e a reprovação escolar eliminada na 4ª e na 8ª série”. (Mainardes, 2007, p.75). Sobre a Progressão Continuada, Freitas (2004) deixa claro que esta forma de organização:

Apesar das junções de séries, continua tratando cada ano escolar de forma seriada e concebe os conteúdos escolares como conjuntos de competências e habilidades a serem dominados pelos alunos. A progressão continuada não se contrapõe à seriação, como alguns crêem. Ela simplesmente limitou o poder de reprovar que a avaliação formal tinha ao

final de cada série, introduziu recuperação paralela e tentou “gerenciar” mais de perto o sistema educacional com avaliações de sistema e maior controle da escola. Aqui, a questão, portanto, não é optar entre progressão continuada ou séries, mas entre avaliar com poder de reprovar ou não (FREITAS, 2004, p.10).

Com relação aos Ciclos de Formação, Mainardes (2007) expressa que esta modalidade está concatenada às fases do desenvolvimento humano (infância, puberdade, adolescência e vida adulta), propondo rupturas radicais tanto no currículo quanto na organização escolar, impossibilitando a reprovação ao longo do Ensino Fundamental. O ensino é organizado em três ciclos de três anos cada um, agrupando os alunos dos seis aos quartoze anos. Segundo Azevedo (2000) a escola por Ciclos de Formação concebe a aprendizagem como um processo contínuo, onde não há períodos ou etapas preparatórias para a aprendizagem subseqüentes, mas um permanente desenvolvimento. Seguindo essa linha de argumentação, Nedbajluk (2002) ressalta que:

A flexibilização recai no programa e nos resultados, exigindo-se grande capacidade de adequação dos mesmos aos grupos de alunos de modo que, ao mesmo tempo em que se respeite a característica e conquista cognitiva dos alunos ou de grupos de alunos, promova novas conquistas pela via das transmissões sociais (o ensino escolar neste caso) a partir dos conceitos já desenvolvidos. Admitem-se diferentes resultados no final do processo. (NEDBAJLUK, 2002, p. 120).

No regime de Ciclos de Aprendizagem os grupos de estudantes nas classes são organizados tomando como critério a idade cronológica. Perrenoud (2004, p.41) afirma que os Ciclos de Aprendizagem podem ser concebidos como novos “espaços tempos de formação” que possibilitam uma maior igualdade na escola por meio de uma pedagogia diferenciada, baseada na avaliação formativa e em trajetos diversificados de formação. Apesar do referido autor conceituar os ciclos dessa forma, deixa claro que a ideia de ciclo

está longe de admitir um único conceito, tendo em vista que a noção de Ciclos de Aprendizagem vincula-se a tendências pedagógicas, e estas não podem ser tomadas como concepções estanques. Mas, como dinâmicas, sensíveis à diversidade das relações com o saber, das maneiras de aprender, dos ritmos de desenvolvimento, das identidades e das trajetórias dos indivíduos e que privilegiam o desenvolvimento global da pessoa. Mesmo correndo o risco de ser defensor de uma visão ambiciosa, Perrenoud insiste que a noção de Ciclos de aprendizagem pressupõe uma ruptura radical com as etapas anuais. Ele rompe com toda e qualquer tentativa de fragmentação do currículo escolar, “com o enciclopedismo, com a memorização de fatos e regras” (PERRENOUD, 2004, p.15), pois percebe que isto leva a alienação entre os diferentes saberes escolares, ou seja, Perrenoud (2004) defende a continuidade e flexibilização na administração dos conteúdos e aprendizagem dos educandos.

Sustentarei, para tanto, que, em um ciclo de aprendizagem, todos os alunos têm o mesmo número de anos para atingir os objetivos de final de ciclo. Apostarei aqui em uma diferenciação que não incida sobre o tempo de formação, mas sobre o modo e a intensidade do acompanhamento pedagógico, o que leva a uma diversificação dos percursos de formação. (PERRENOUD, 2004, p. 13).

O referido autor afirma que os alunos necessitam ter direito ao mesmo número de anos para atingir os objetivos de final de ciclo, entretanto, esclarece que a diferenciação da abordagem não tem que incidir sobre o tempo de formação, mas sobre o modo e a intensidade do acompanhamento pedagógico. Perrenoud (2004), também deixa claro que, a diferenciação dos percursos de formação não significa a individualização do ensino, mas está atrelada à diversidade da seqüência de experiências formadoras vividas pelos alunos. Segundo o autor:

A escolaridade é uma escada cujos degraus são anuais. Nem sempre foi assim, mas se tornou a norma no século XX, de modo que temos dificuldade para imaginar outra organização em sua versão mais audaciosa, o ciclo de aprendizagem questiona essa estruturação da organização escolar em anos de programa. Eles não dão às costas para a ideia de que é preciso definir degraus. Na escala de uma escola alternativa, pode-se organizar a escolaridade, senão sem balizas, pelo menos em etapas fixas. No ensino público, essas etapas se impuseram em uma lógica burocrática, mas também com intenção, transparência, mobilidade, equidade. Elas permitem, com os programas e os manuais, uma relativa padronização da escolaridade, além da diversidade dos estabelecimentos e dos professores. Os ciclos de aprendizagem não rompem com essa lógica. Eles apenas desenham degraus mais altos, menos numerosos, que um aluno transpõe em dois, até mesmo três ou quatro anos (PERRENOUD, 2004, p. 38).

Mainardes (2007), por sua vez, afirma que essa modalidade de ciclos propõe rupturas menos radicais no currículo escolar, metodologia, avaliação, sendo a retenção permitida ao final de cada ciclo. Vale ressaltar que a avaliação nos Ciclos de Aprendizagem está estruturada em torno dos resultados esperados. O que significa dizer que para o aluno progredir a um nível superior de aprofundamento e complexidade do conteúdo, é importante que ao longo do processo ele adquira conhecimentos e desenvolva as competências estabelecidas. Logo, como salienta Nedbajluk (2002, p. 120) a flexibilização recai nos tempos despendidos pelo estudante, pois, dependendo de suas capacidades pessoais, poderá progredir de um grau para outro ao seu próprio ritmo, em tempos diferentes de seus pares.

Segundo Freitas (2003) os Ciclos de Aprendizagem procuram romper com o regime seriado, que tem em sua origem uma lógica de dominação e exclusão. Essa lógica é uma construção histórica e produz enormes índices de fracasso escolar. Eles são revelados quando o professor avalia seus alunos, de forma classificatória, verificando se dominam as habilidades e conteúdos através de provas, testes etc. A avaliação classificatória não considera fatores ligados ao processo de ensino e aprendizagem, mas apenas, o produto, como se o que antecedesse a ele, o processo, não fosse relevante.