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Contribuições das Abordagens Psicológicas à Proposta dos Ciclos

A proposta dos ciclos está ancorada nos estudos realizados por Piaget, Wallon e Vygotsky. Essa forma de organização escolar considera que, os pressupostos dos inatistas e ambientalistas em relação à natureza do conhecimento, são insuficientes frente às demandas atuais que requerem da escola a formação de um cidadão para o mundo. Com as contribuições da psicologia social, as noções de conhecimento sofreram diversos avanços, tendo em vista o esforço em compreender como o sujeito se desenvolve e aprende.

Com a difusão das abordagens interacionista de Piaget e sócio-interacionista de Vygotsky, a visão de construção do conhecimento vem mudando os referenciais da escola e da prática pedagógica. Nessas abordagens o desenvolvimento humano está intrinsecamente relacionado ao contexto sócio-histórico e a aprendizagem é vista como um processo construído na interação com o outro. Nelas o sujeito não é mais visto como ser passivo com simples predisposições inatas para aprender e condicionado à herança genética e aos fatores maturacionais. Os indivíduos, conforme os interacionistas, são considerados seres dinâmicos e ativos no processo de ensino e aprendizagem O desenvolvimento é concebido, assim, como intrinsecamente ligado à interação social enquanto construção humana.

Com base nessas abordagens, podemos dizer que a construção do conhecimento é favorecida através das relações que se estabelecem na sala de aula entre professor-aluno-conhecimento. Para Coll (2002) nelas o ensino é decorrente de um processo interativo, no qual o aluno, com a ajuda do outro (professor) tem a oportunidade

de, a partir dos significados atribuídos aos conteúdos, demonstrar as competências que estão sendo desenvolvidas. Entretanto, vale lembrar que a construção do conhecimento pelo aluno não se dá num vazio, mas, para Coll (1990):

É a partir de uma série de conceitos, concepções e representações e conhecimentos adquiridos no decorrer de suas experiências anteriores, que utiliza como instrumentos de leitura e que determinará em boa parte as informações que selecionará, como as organizará e que tipo de relações estabelecerá entre elas”. (COLL, 1990).

De acordo com Coll (2002), de todas as teorias relativas ao desenvolvimento humano, a de Piaget e colaboradores da escola de Genebra, é a mais aplicada no âmbito escolar, mesmo que o interesse de Piaget pela educação tenha sido pequeno e que os temas relativos à escola não ocupem lugar privilegiado na psicogenética. Tal fato se explica porque, além da oportunidade histórica e a receptividade do contexto social, político e econômico pelas questões educativas da época, sua formulação em termos de como se passa de um estado de menor conhecimento a outro de maior conhecimento foi um dos aspectos que fez do interacionismo piagetiano ser atrativo para a aprendizagem escolar (COLL, 2002).

Ferreiro (2001), por exemplo, afirma que Piaget, após uma série de experiências, conclui que o conhecimento não está vinculado apenas a imposição de fatos ao sujeito e muito menos a algo que o sujeito impõe aos fatos. Mas, resulta da interação entre o sujeito e objeto do conhecimento, através de um processo complexo de interação dialética, onde ambos se modificam mutuamente.

A criança é concebida por Piaget (1982) como um ser dinâmico que a todo o momento interage com a realidade, operando ativamente com objetos e pessoas. Essa interação com o ambiente faz com que ela construa estruturas mentais e adquira

maneiras de fazê-las funcionar. O eixo central da aprendizagem, portanto, é a interação que se estabelece entre o sujeito que conhece o mundo e o mundo que se tenta conhecer. Essa interação acontece ao longo da vida através de dois processos simultâneos: a organização interna e adaptação ao meio.

Diferentemente dos ambientalistas e inatistas, Piaget e Vygotsky afirmam que todo o ser humano é dotado de uma inteligência capaz de se desenvolver, ou seja, todo ser humano, em tempos e espaços diferentes, possui a capacidade plena de aprender. Estes autores rompem com a perspectiva empirista que supervaloriza a memorização e internalização dos conteúdos como essenciais à aprendizagem. A lógica interacionista de Piaget e a sócio-interacionista de Vygotsky incorporam os fatores biológico e social ao fenômeno da aprendizagem. O desenvolvimento cognitivo na perspectiva de Piaget é um processo de sucessivas transformações das estruturas cognitivas através da adaptação. Não é uma faculdade da mente nem uma estruturação entre outras: “é uma forma de equilíbrio para a qual tendem todas as estruturas”. (FERREIRO, 2001, p. 119).

Podemos afirmar que, as teorias de Piaget e Vygotsky, estão longe de considerar a aprendizagem como uma mera repetição de informações e o aluno como um mero recipiente que recebe essas informações. Suas perspectivas, para além das diferenças que conservam entre si, deixam entrever que a aprendizagem escolar, decorre de um processo complexo de interação, associada à capacidade de promoção de avanços no desenvolvimento cognitivo do aluno. Desse modo, podemos dizer que essas abordagens evidenciam que, o professor conseguirá desempenhar com sucesso o seu papel, à medida que for capaz de ampliar e desafiar a construção de novos conhecimentos. Essas bases de sustentação da prática docente, oportunizam a aprendizagem do aluno, quando

recuperam a postura investigativa no fazer e, associadas à referência multicultural, alargam o entendimento da complexidade do ato educativo.

Segundo Cubero e Luque (2004), a obra de Vygotsky, constitui-se como uma das mais discutidas no âmbito da psicologia cognitiva e da educação, tendo em vista que foi considerada na União Soviética como idealista e intelectualista. Ela permaneceu desconhecida durante várias décadas, no entanto, seu legado cultural e cientifico foi recuperado entre os anos de 1979 e 1984. Para Cubero e Luque (2004) as contribuições de Vygotsky são de extrema importância uma vez que possibilitam a compreensão da função social da linguagem e sua relação com a formação do pensamento e do caráter dos sujeitos. Permitir aos sujeitos significar suas ações e interações implica a compreensão de que é no significado que o pensamento e o discurso se unem em pensamento verbal. “A linguagem medeia a relação com os outros e, além disso, a relação da pessoa consigo mesma.” ( Cubero e Luque, 2004, p. 102).

Segundo Vygotsky (1984), o aprendizado possibilita, movimenta e impulsiona o desenvolvimento. É o aspecto fundamental e necessário ao desenvolvimento das características psicológicas humanas e culturalmente organizadas. Para ele a atividade do sujeito refere-se ao domínio dos instrumentos de mediação, inclusive sua transformação por uma atividade mental. O sujeito não é apenas ativo, mas interativo, porque constrói conhecimentos e se constitui a partir das relações intra e interpessoais.

A abordagem tradicional, o ensino, de acordo com Mizukami (1986), tem a figura do professor como eixo central. Essa abordagem não privilegia o que o aluno já traz consigo ao chegar à escola, a ênfase está nos aspectos externos, tais como conteúdos,

disciplinas pedagógicas etc. O educando, nessa vertente pedagógica, atua como receptor passivo dos conteúdos transmitidos pelo professor, devendo reproduzir tal qual lhe foi ensinado. Esta concepção limita o potencial do educando, pressupondo um aluno sem habilidades argumentativas, sem qualquer criticidade, tornando inadequado o processo de assimilação e acomodação do conhecimento.

Trata-se de uma abordagem baseada na visão adultocêntrica, onde o adulto é considerado como um ser acabado e a criança um adulto em miniatura. Ao contrário, a concepção de aprendizagem que fundamenta a proposta de Ciclos de Aprendizagem considera aluno e professor como sujeitos do processo de ensino e aprendizagem, sendo o processo de aprender resultante da ação e reflexão do aluno frente aos novos conteúdos que lhes são ensinados. A aprendizagem ocorre quando o aluno consegue representar e elaborar pessoalmente os conteúdos, modificando-os, atribuindo-lhes um significado. O ensino é o potencializador deste processo, visto que, ambos devem ser entendidos como uma unidade. Assim, o ensino deve estimular, dirigir e dar um rumo a tudo que se realiza no âmbito educacional.

As abordagens construtivistas como ficaram conhecidos o interacionismo e sócio interacionismo no âmbito da educação, consideram o aluno como sujeito ativo/interativo no processo de aprendizagem. Esse sujeito, ao entrar em contato com os conteúdos curriculares trabalhados na escola, desenvolve uma ação de transformação, reflexão, problematização e ressignificação destas informações para só então assimilá- las.

Vygotsky enfatiza o valor das interações do sujeito com o objeto, mostrando que, a ação do primeiro sobre o segundo passa pela mediação social, o que o caracteriza como um sócio-interacionista, ou seja, o “sócio” qualifica a natureza do interacionismo por ele

adotado. Somente através da apropriação ativa, que se dá nas e pelas interações, os seres humanos se constituem como sujeitos capazes de pensar livremente, distanciando- se de seu ambiente para melhor analisá-lo.

É válido salientar que, nessa perspectiva, a escola desempenha um papel de destaque, sendo insubstituível para construção de saberes culturalmente acumulados, ela é imprescindível para a realização plena dos indivíduos. Na escola, as atividades educativas são sistemáticas e objetivam tornar acessível o conhecimento historicamente organizado na sociedade. Desta forma, ao interagir com esses conhecimentos, o educando transforma-se, constrói as linguagens escritas, numéricas, aprende a construir significado, ou seja, tudo o que é desenvolvido no âmbito educacional, visa à inserção e atuação do indivíduo no meio.

A proposta de ciclos de aprendizagem, implantada no município do Recife, encontra respaldo ou fundamento nas abordagens interacionista e sócio-interacionista. Preconiza, por exemplo, que: “o desenvolvimento é vinculado ao contexto sócio-histórico e a aprendizagem, enquanto processo socialmente construído, tem, por sua vez, uma situação temporal objetiva, datando e situando o sujeito como agente social no mundo e na cultura”. (RECIFE, 2003, p.133). O termo conhecimento também se reveste de significado na proposta, ao considerar que a ação pedagógica do educador está voltada não apenas para o conhecimento tácito do aluno, o produto, mas no reconhecimento de suas potencialidades (o processo).

Conforme Barretto e Sousa (2004, p. 33), “os ciclos têm a ver com a intenção de regularizar o fluxo de alunos ao longo da escolarização”, de maneira que “todos cumpram os anos previstos para o ensino obrigatório, sem interrupções e retenções que

inviabilizem a aprendizagem efetiva e uma educação de qualidade”. Melhor dizendo, as propostas de organização escolar em ciclos, adotam a perspectiva sócio-histórica do conhecimento, a qual enfatiza que a construção do conhecimento pelo ser humano ocorre num contexto a partir da cultura, nas relações históricas com o outro social.

1.6. A Implantação da Política dos Ciclos de Aprendizagem na Rede Municipal