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Os ciclos como uma alternativa de democratização da escola

A ideia de implantação do Ciclo Básico de Alfabetização surgiu inicialmente como uma medida democratizante no estado de São Paulo no ano de 1984. Posteriormente, em outros estados das regiões Sul e Sudeste quando assumiram o poder governos de oposição. A eleição desses governantes, vinculados a partidos como PMDB, PT e PDT, causou mudanças no cenário brasileiro. Eles assumiram o poder com o compromisso de realizar reformas, sobretudo no campo social. Com relação ao cenário educacional, os governos eleitos se engajaram na luta para resgatar a função social da escola. Assim, o Ciclo Básico de Alfabetização surgiu como uma medida de reestruturação do currículo escolar, sendo adotado pelos estados de São Paulo (1984), Minas Gerais (1985), Paraná e Goiás (1985). Para Mainardes (2001), embora haja peculiaridades da proposta em cada um dos estados citados, o Ciclo Básico de um modo geral consistia na eliminação da reprovação no final da primeira série, proporcionando a

ampliação do período de alfabetização e assegurando a continuidade desse processo. Com relação à avaliação, ao invés de centrar-se apenas nos resultados, passou a valorizar o processo de aprendizagem, indicando o progresso do aluno. Concernente aos alunos que apresentassem dificuldades era proporcionado estudos complementares levando-os superar das dificuldades específicas.

De acordo com Palma Filho (2003), o Ciclo Básico de Alfabetização foi implantado inicialmente na rede estadual de São Paulo, mediante o Decreto Estadual nº 21.833/1983 em continuidade a Reforma Curricular do estado, que implantou as “Propostas Curriculares para o Ensino de Primeiro Grau”. A reforma atingiu mais de 840 mil alunos das 1ª séries. Em 1985, a proposta foi estendida para as 2ª séries, abrangendo 1.547.000 alunos. Na fase inicial de implantação aproximadamente 50.000 professores participaram da implementação do projeto. O Ciclo Básico de Alfabetização reestruturava antigas 1ª e 2ª série do 1º grau3, eliminando a reprovação ao final da 1ª série, garantindo mais tempo para a criança se alfabetizar. Conforme a proposta, essa medida significava, dentre outras coisas, compreender a alfabetização como um processo e considerar as características de cada aluno, ou seja, que nem todos aprendiam do mesmo jeito e ao mesmo tempo, o que pressupunha uma reorientação do currículo e da prática pedagógica.

Conforme Alves (2003) havia à época a preocupação por parte da Secretaria de Educação de São Paulo de mobilizar todos os segmentos da comunidade escolar para participar das discussões sobre a implantação do Ciclo Básico de Alfabetização. Esta

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O ensino de 1º e 2º graus até 1996 era normatizado pela Lei 5692/71, que conforme seu art. 8º o currículo escolar deveria ser organizado por séries anuais de disciplinas ou áreas de estudo.

medida era considerada a mais viável ao enfrentamento da cultura de fracasso escolar que o estado vivenciava. Assim, a proposta dos ciclos provocou a necessidade dos professores estarem sempre reciclando os conhecimentos e, aos poucos, irem revisando suas concepções ideológicas, buscando apropriar-se das novas perspectivas atinentes à alfabetização que pretendiam abarcar um número extenso de crianças e não um grupo isolado.

Mesmo com alguns percalços, o Ciclo Básico de Alfabetização constituiu-se como modelo de referência para outros estados que, mesmo com algumas variações, vieram a adotá-lo. Como exemplo de variação da proposta, podemos citar o Rio de Janeiro com a criação das escolas integrais (bloco único) implantadas em 1994. O bloco único, com cinco anos de duração, tinha como objetivo garantir um atendimento mais eficaz às crianças das camadas populares. Tal organização apresentava finalidades semelhantes às do Ciclo Básico de Alfabetização quanto à flexibilização do tempo de aprender, apesar de ser mais ousado quanto à sua ordenação, pois rompeu com o intervalo de 7 a 14 anos, consolidado pela Lei nº 5.692/71 como faixa de escolarização obrigatória e introduziu, já naquele período, as crianças de seis anos nas classes de alfabetização. Vale salientar que embora a referida lei não fizesse referência à denominação ciclos, abria a possibilidades de novas formas de organização da escola ao prever, ao lado das séries, a possibilidade de avanços progressivos na trajetória escolar (parágrafo 4º art.14).

Segundo Azevedo (1999) no período entre 1980 e 1990, com o fim do governo militar e a restauração da democracia, os debates em torno da reorganização da estrutura da escola fundamental brasileira tornaram-se mais efetivos. Com a retomada das eleições diretas, instalação da Constituinte e a aprovação da nova Constituição Federal, em

outubro de 1988, a sociedade brasileira foi mobilizada para o debate e a discussão sobre a perspectiva de desencadeamento de uma nova política de educação nacional. Em 1996, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 iníciou-se a um período de grandes mudanças na organização escolar do Brasil. Essa Lei e outras regulamentações dela decorrentes provocaram inovações na estrutura curricular do Ensino Fundamental, principalmente no que se refere à flexibilização. A atual LDB possibilitou aos estados e municípios brasileiros constituírem sistemas educacionais mais autônomos, sobretudo ao declarar a possibilidade desses entes poderem “baixar normas complementares para o seu Sistema de Ensino” (Artigo 11, inciso III).

A alternativa da organização em ciclos teve destaque com a essa Lei, que proclama em seu art. 23: “a Educação Básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar”. Ao propiciar a flexibilidade para a organização da Educação Básica possibilita que os sistemas se organizem de acordo com as peculiaridades de seus alunos, garantindo um atendimento diferenciado que responda aos objetivos previstos para o referido nível. Na atualidade, as mudanças em vários sistemas da organização de série para ciclos decorrem dessa flexibilização.

Para Arroyo (1999) não é possível interpretar o referido artigo, sem fazer uma conexão com os seus artigos 1º, 2º e 22 da LDB, que declaram as funções da educação enquanto elemento primordial ao desenvolvimento e à formação humana de todos os cidadãos. Arroyo (1999) reafirma que os ciclos ultrapassam a segmentação da seriação,

pois surgem como alternativa para romper com a fragmentação do currículo escolar, que não respeita os tempos e os espaços necessários à aprendizagem efetiva do alunado. Reitera que a concepção de ciclo prima pelo desenvolvimento do educando e deve ser vista em conjunto com os princípios de educação básica estabelecidos pela atual LDB.

Em sintonia com os diferentes aspectos que fundamentam a proposta, a implantação dos ciclos tem se constituído como possibilidade para repensar a escola e sua estrutura de funcionamento. A proposta dos ciclos aponta para a necessidade de enxergamos o espaço escolar como um lugar de encontro, vivências e convivências, ações, socialização e aprendizagens. Destarte, os ciclos defendem um projeto social de educação onde a lógica do direito à educação e a formação de sujeitos socioculturais sejam tomados como prioridades.

A proposta de organização escolar em ciclos provocou intensos debates e discussões tanto entre os seus idealizadores como entre os atores diretamente envolvidos no âmbito escolar. A literatura existente nos revela que a proposta é inovadora, uma vez que busca modificar os tempos e espaços da escola, dando uma maior atenção às fases de desenvolvimento da criança, valorizando suas características pessoais e o contexto onde está inserida. Os ciclos buscam, pois, compreender a criança como um ser historicamente social, que tem ritmos próprios de aprendizagem e desenvolvimento a serem considerados pela escola. Conforme Barretto e Mitrulis (2001) os ciclos surgem como forma de regularizar o fluxo escolar, buscando eliminar, ou pelo menos, limitar a repetência. Segundo as autoras, seu maior o objetivo centra-se em oferecer melhores condições de ensino e permitir que o aluno permaneça na escola, obtendo êxito em sua formação.

É válido destacar que a organização escolar em ciclos está, também, prevista nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN‟s, 2000). Neste documento, os ciclos são tomados como referência nacional propondo o desenvolvimento de um currículo mais flexível e dinâmico. Os PCNs (2000) ratificam que os ciclos possibilitam trabalhar melhor com as diferenças e são coerentes com a função social da escola.

Desse modo, a lógica de opção por ciclos adotada pelos PCN‟s se estabelece pelo reconhecimento de que eles tentam superar a segmentação excessiva do regime seriado aderindo a princípios de ordenação que possibilitem maior integração do conhecimento.

Apesar das experiências anteriores de alternativas à superação do fracasso escolar, somente na última década a possibilidade de organizar a escolar regular em ciclos tornou-se mais comum. Não obstante, tenha havido mudanças nas redes de ensino e a introdução dos ciclos tenha sido valorizada tanto no campo oficial quanto no discurso pedagógico, não se pode negar que essa forma de organização escolar é minoritária no país. Conforme Barretto (2005), são as escolas públicas que, em princípio, adotam o regime de ciclos no país e, quando o fazem, tem sido, via de regra, por opção das gestões estaduais ou municipais que os introduzem. As escolas privadas geralmente preferem manter a tradicional organização em séries, mas elas respondem pelo atendimento de pouco menos de 10% dos alunos em 2003.

Conforme pesquisa realizada pelo MEC/INEP (2006), citada por Mainardes (2009b), no conjunto de escolas que oferecem o Ensino Fundamental, 9,72% adotaram apenas o regime de ciclos. O número de escolas que combinaram o regime seriado com os ciclos foi 7,16%. Já no que se refere ao número de matrículas esse quantitativo

aumenta, isto ocorre provavelmente devido ao tamanho das escolas e a sua localização geográfica. Nesse caso, a pesquisa mostra que em 2006, cerca de 18,17% dos alunos do Ensino Fundamental estavam matriculados em escolas organizadas em ciclos enquanto que 14,50 % dos alunos estavam estudando em escolas que combinam mais de uma forma de organização.

Número de Escolas por forma de organização em 2006 Total da Dependência Administrativa

Fonte: MEC/INEP 2006 citado por Mainardes (2009b)

Vale salientar que com relação à distribuição das escolas por regiões geográficas, conforme mostra o quadro acima, os dados revelam que essas matrículas estão concentradas na Região Sudeste, onde se encontravam 32,3% dos alunos que estudavam em escolas organizadas exclusivamente em ciclos. Nas demais regiões, o percentual de matrículas em escolas com esse regime de modo exclusivo caía como, por exemplo, no Sul 6,6%, Centro-Oeste 7,8%, no Nordeste 2% e na Região Norte o percentual não totalizava nem 1% das matrículas.