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Implicações da Teologia da História

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1.2 Teologia/Filosofia da História em Agostinho

1.2.6 Implicações da Teologia da História

A última parte desta seção buscará demonstrar as implicações da Teologia da Histó- ria de Agostinho, mostrando que ela aponta para várias possibilidades, das quais optaremos por explorar duas. A primeira, a interpretação de que existe outra realidade que transcende a própria história. E a segunda, que apesar de apontar para uma realidade que transcende a própria temporalidade, o cristão e a cristã não estão eximidos de atuar fazendo uma partici- pação positiva e marcante na temporalidade.

Inicia-se por meio de uma citação do próprio teólogo de Hipona, na parte final do li- vro A Cidade de Deus quando ele diz o seguinte acerca do último período da história: “lá

68 “On this basis human history is divided into three parts. There was a time of faultless humanity, there is the time of sinful humanity, there will be a time of partly redeemed, partly dammed humanity”. (Tradução nossa) BITTNER, Rüdiger. “Augustine’s Philosophy of History.” In: Augustinian Tradicion. Edited by Gareth B. Matthews. Berkeley: University of California Press. 1999. p. 351.

69 “History would appear to be rather monotonous in the first and the last of three stages.” (Tradução nossa) BITTNER, Rüdiger. “Augustine’s Philosophy of History.” In: Augustinian Tradicion. Edited by Gareth B. Matthews. Berkeley: University of California Press. 1999. p. 352.

70 “‘Real’ history can only come in the second part of human history, that between fall and judgment, ours, which Augustine sometimes just calls “hoc saeculum” (this time of the world)” (Tradução nossa) BITTNER, Rüdiger. “Augustine’s Philosophy of History.” In: Augustinian Tradicion. Edited by Gareth B. Matthews. Berkeley: University of California Press. 1999. p. 353.

reinará a verdadeira paz, lá onde ninguém sofrerá qualquer adversidade provinda de si pró- prio ou de outrem.”71 E completa: “lá repousaremos e veremos, veremos e amaremos, ama- remos e louvaremos. Eis o que estará no fim sem fim. E que outro é o nosso fim senão che- gar ao reino que não tem fim?”72 Nisso fica demonstrado o caráter altamente teológico de

suas afirmações, já que elas apontam para uma realidade transcendente que está embas ada na tradição cristã.

É importante fazer uma observação neste ponto para evitar mal-entendidos sobre o pensamento agostiniano. Em muitos momentos da história, desde os tempos medievais que sucederam a morte de Agostinho, existiram, inúmeras vezes, tentativas de associar a metá- fora agostiniana da Cidade de Deus com um determinado Estado, ou mesmo com a Igreja Católica. Porém, apesar de estarem presentes de forma embrionária estas concepções em suas obras, não se pode afirmar que isso se dá por causa de seus escritos, pois isso extrapola suas afirmações. Uma forma razoável de ver sua influência seria entender que ele nem de- fendeu, nem proibiu que este tipo de associação fosse feita posteriormente por seus leitores, como se lê em:

Não se pode, portanto, considerar Agostinho nem como tendo definido o ideal medieval de uma sociedade civil submissa à primazia da Igreja, nem tendo condenado antecipadamente tal concepção. O que é verdadeiro, estri- ta e absolutamente, é que em nenhum caso a Cidade terrestre e, menos ain- da, a Cidade de Deus poderiam ser confundidas com uma forma de Estado, qualquer que fosse. 73

O que pode ser tirado da obra do pensador norte-africano é o convite que ele estende à humanidade, dizendo que existe uma pátria que transcende esta temporalidade, pela qual as pessoas são convidadas a trabalhar, na história. Isso se vê em: “para esta pátria te convi- damos e exortamos. Junta-te ao número dos seus cidadãos porque ela tem como que por asilo (...) Apodera-te agora já da pátria celeste. Por ela pouco trabalharás – e nela reinarás na verdade e para sempre.”74

71 “Vera pax, ubi nihil adverse, nec a se ipso, nec ab alio quisquam patietur.” AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus XXII, 30. Tradução de J. Dias Pereira. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011. p. 2366. 72 “Ibi vacabimus, et videbimus; videbimus, et amabimus, amabimus, et laudabimus. Ecce quod erit in fine sine

fine. Nam quis alius noster est finis, nisi pervenire ad regnum, cuius nullus est finis?” AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus XXII, 30. Tradução de J. Dias Pereira. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011. p. 2371.

73 GILSON, Etienne. Introdução ao Estudo de Santo Agostinho. Tradução de Cristiane Negreiros Abbud Ayoub. 2ª. Ed. São Paulo: Discurso Editorial & Paulus, 2010. p. 345-346.

74 “Ad quam patriam te invitamus, et exhortamur ut eius adiiciaris numero civium, cuius quodammodo asylum (...) Nunc iam caelestem arripe, pro qua minimum laboratis, et in ea veraciter semperque regnabis.” AGOS-

Pode-se perceber que o ponto de partida de Agostinho, em todas estas citações, é a Bíblia; isso se dá porque nela a revelação encontra um lugar central. É ela que ajuda que se entenda a universalidade e a própria profundidade do tempo. Com isso, entende-se que o universo é organizado por meio da palavra revelada. Conforme se observa em: “o ponto de partida de Agostinho é, portanto, a revelação, que, confere à história a universalidade que nosso empirismo fragmentário não pode alcançar.”75

Agostinho entende que é parte do ser cristão e cristã a atuação na vida social de uma sociedade, sendo assim, não se pode ficar indiferente frente às realidades circundantes, pois isso não seria algo condizente com o papel da Cidade de Deus. Um dos grandes intérpretes do pensamento agostiniano, e que dá luz a esta seção sobre a Teologia da História, Henri Marrou, questiona: “nossa teologia da história deve, se quiser ser maior do que um vão raci- ocínio, contribuir para a fundamentação de uma espiritualidade: Que condições acarreta para o cristão o fato de ser consciente de sua inserção na história da salvação? ”76

Ou seja, a grande inquietação levantada pelo autor é sobre o que, na prática, o ser cristão e cristã implica para a vivência da pessoa na sociedade. Isso é um convite explícito para que haja um verdadeiro envolvimento na dinâmica social, buscando “redescobrir em sua terrível simplicidade o sentido profundo da responsabilidade histórica do cristão .”77 De- ve-se tentar, assim, ter uma atuação sempre marcante que gere transformações positivas não somente para as pessoas que estão dentro do seio das igrejas, mas também para toda a reali- dade que envolve a vida social. Portanto, “por causa desta condição temporal, embarcados na história, seremos necessariamente atores e não simples espectadores ou testemunhas (re- cusar-se a agir é, como vimos, ainda agir, e da pior maneira).”78

Portanto, a concepção agostiniana de Teologia da História está imbricada de uma busca pelo sentido mais profunda existência humana. Ele busca entender os significados profundos dos conflitos existentes, das dificuldades encontradas de maneira que todos estes TINHO, Santo. A Cidade de Deus II, 29. Tradução de J. Dias Pereira. 4ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gul- benkian, 2011. p. 279.

75 GILSON, Etienne. Introdução ao Estudo de Santo Agostinho. Tradução de Cristiane Negreiros Abbud Ayoub. 2ª. Ed. São Paulo: Discurso Editorial & Paulus, 2010. p. 349.

76 MARROU, Henri-Irénée. Teologia da História: O sentido da caminhada da humanidade através da temporali- dade Tradução de Roberto Leal Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 76-77.

77 MARROU, Henri-Irénée. Teologia da História: O sentido da caminhada da humanidade através da temporali- dade Tradução de Roberto Leal Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 85.

78 MARROU, Henri-Irénée. Teologia da História: O sentido da caminhada da humanidade através da temporali- dade Tradução de Roberto Leal Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 103.

possam ser compreendidos em uma perspectiva que contemple a universalidade, ou sej a, que a história como um todo seja analisada por critérios que possam ser expressos pela lin- guagem.

E é na evolução das duas sociedades opostas que a história se desenvolve em Agos- tinho, pois ela é uma narrativa acerca da “evolução dos dois Estados, dos seus conflitos, e da vitória final do Estado de Deus sobre o Estado terreno. Tal história já não é um simples registro de fatos, e sim, interpretação deles, na perspectiva de uma luz superior.”79 Confor- me já foi abordado anteriormente, o pensamento do antigo teólogo mesmo em sua filosofia é concebida à luz da fé cristã.

A Teologia da História seria, então, uma busca pelo seu sentido em sua maior e mais profunda realidade, em outras palavras, buscando entender a profundidade ontológica que está presente nela, apesar da limitação que os seres humanos tem alcançar este sentido em sua totalidade. Como se lê em: “a história, considerada em sua totalidade e em sua realidade profunda, é também um mistério no sentido que o conhecimento que dela podemos adquirir permanece sempre extremamente limitado.”80

Sendo assim, a totalidade e universalidade de suas concepções sobre a história se dá pelo fato de que ela mostra os papéis que são exercidos pelas Cidades tanto no passado, quanto no presente e ainda no futuro. É devido a este caráter de completude de sua interpre- tação, que se pode afirmar que sua interpretação sobre a história é profundamente universal. Outra forma de se interpretar o pensamento de Agostinho, que contempla sua univer- salidade, mas que é crítica a esta forma de se ver a realidade, é o apontamento que Tillich faz sobre a Teologia da História de Agostinho, ele diz:

a história tem [no agostinianismo] três períodos: antes da lei, sob a lei e depois da lei. Temos aí uma completa interpretação da história. Estamos vivendo no último período (...) Assim, torna-se evidente a luta entre o con- servadorismo da filosofia da história de Agostinho e as tentativas revoluci- onárias dos movimentos sectários.81

Com isso observa-se que Tillich critica a interpretação agostiniana que diz que se es- tá no último período da história, pois isso seria a expressão de um conservadorismo que vai

79 BOEHNER, Philotheus & GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã: Desde as Origens até Nicolau de Cusa. Tradução de Raimundo Vier. 9ª Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2004. p. 202.

80 MARROU, Henri-Irénée. Teologia da História: O sentido da caminhada da humanidade através da temporali- dade Tradução de Roberto Leal Ferreira. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 51.

81 TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. Tradução de Jaci Marashin. São Paulo: ASTE, 2000. p. 134.

contra revoluções ou grupos que discordem da visão majoritária. Em outras palavras, esta ideia de que se está no último tempo da história antes do seu fim, só contribuiria para a ma- nutenção do status quo social e eclesiástico, na visão tillichiana.

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