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Lutero: economia e política em busca pela paz

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AGOSTINHO E LUTERO EM DIÁLOGO

3.3 Agostinho e Lutero: o ser humano e a busca pela paz

3.3.4 Lutero: economia e política em busca pela paz

Lutero viveu em um período bastante conturbado da história, e tendo tido influência da lógica nominalista de pensamento, deu prioridade à práxis e a experiência. Este trata-se de uma época em que ocorreram diversos levantes religiosos e sociais dentro e fora do Sa- cro Império Romano Germânico. Ele viveu em um período imensamente “marcado por tran- sições nas formas de organizar a produção e a reprodução material. (...) A atividade manual individual foi dando lugar a uma divisão do trabalho cada vez mais complexa, acompanhada do uso de energia hidráulica e maquinário.”372 Especificamente, uma das questões que ficam

bastante claras na forma do reformador construir o seu pensamento é que não é possível pensar em busca pela paz sem falar de política, e, consequentemente, de economia. E como para o pensador o regimento secular era uma área onde o cristão deveria opinar e ser um agente de busca pela paz, ele escreveu sobre diversos temas que influenciam a vida em soci- edade, de forma destacada, a questão da usura ocupa boa parte de sua obra, pois:

Em numerosos escritos, Lutero exprimiu o seu ponto de vista sobre o as- sunto. Já em 1519, publicara um Sermão (breve) acerca da usura. O seu

370 JUNGHANS, Helmar. Temas da teologia de Lutero. Tradução Ilson Kayser, Ricardo W. Rieth, Luís M. San- der e Leticia Schach. São Leopoldo: Sinodal, 2001. p. 55.

371 JUNGHANS, Helmar. Temas da teologia de Lutero. Tradução Ilson Kayser, Ricardo W. Rieth, Luís M. San- der e Leticia Schach. São Leopoldo: Sinodal, 2001. p. 55.

372 RIETH, Ricardo. Introdução - Economia. In: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Con- córdia. 1995. p. 367.

proposito ganhou extensão no Sermão (extenso) acerca da usura, de 1520, e posteriormente no opúsculo que apareceu 1524 e que tratava de Comér-

cio e usura. Evocar-se-á também a opinião que redigiu a pedido do conse-

lho da cidade Dantzig (1525) e a sua exortação Aos pastores para que pre-

guem contra a usura (1540).373

Nestas obras o precursor da Reforma opõe-se frontalmente e duramente contra esta prática que para ele era um mal terrível que consumia sua nação. “No começo de seus escri- tos sobre questões econômicas ou políticas, Lutero colocou com frequência sua percepção básica do problema, que, contudo, não oferecia sua hipótese de trabalho, mas sim o resumo de uma analise prévia da situação.”374 Sendo assim, o pensador estava certo de que não era

possível entretecer o que era velho com algo novo, conforme Lucas 5.36. “Ele queria encon- trar ou inclusive provocar uma rachadura, uma crise, nos sistemas que controlavam e orga- nizavam as instituições básicas para um consenso medieval geral: ecclesia, oeconomia e

politia.”375 Para com isso poder corrigir o que estava cindido em sua sociedade. Em out ras palavras, para o reformador reparar estes erros sociais o caminho principal seria o de pro- clamar o evangelho, que são boas novas.

Lutero, então, frente às injustiças e às mazelas sociais que via crescer em sua socie- dade, mesmo em sua própria cidade, começa a buscar na Bíblia princípios que pudessem nortear sua posição frente a estes problemas. Para o reformador, a análise da situação social era parte necessário e importante de teologia, e “o passo mais importante para Lutero era obter da Escritura Sagrada critérios com cuja ajuda pudesse avaliar a situação constata- da.”376 Ou seja, o conhecimento bíblico deveria ser usado para iluminar as mais diversas

instâncias da vida. Nisso se vê que a “‘Ortopráxis’ é a palavra para essa abordagem metodo- lógica, que era para Lutero o caminho do teólogo e teóloga da cruz, o de alguém preocupado com a teologia prática. Melhor chamá-la de uma prática da solidariedade com a dor do mundo, que segue o encontro com o Cristo crucificado.”377 Essa era a forma do teólogo

alemão de agir, que tem a ver com um caminho que busca ser correto na prática, e não ape- nas na teoria. E “os escritos sobre comércio e usura são importantes à medida que revelam

373 LIENHARD, Marc. Martim Lutero: tempo, vida, mensagem. Tradução Walter Altmann e Roberto H. Pich. São Leopoldo: Sinodal, 1998. p. 203.

374 JUNGHANS, Helmar. Temas da teologia de Lutero. Tradução Ilson Kayser, Ricardo W. Rieth, Luís M. San- der e Leticia Schach. São Leopoldo: Sinodal, 2001. p. 46.

375 WESTHELLE, Vítor. O Deus escandaloso: o uso e abuso da cruz. Tradução de Geraldo Korndörfer. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2008. p. 55.

376 JUNGHANS, Helmar. Temas da teologia de Lutero. Tradução Ilson Kayser, Ricardo W. Rieth, Luís M. San- der e Leticia Schach. São Leopoldo: Sinodal, 2001. p. 48.

377 WESTHELLE, Vítor. O Deus escandaloso: o uso e abuso da cruz. Tradução de Geraldo Korndörfer. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2008. p. 121.

exemplarmente o método seguido por Lutero para formar um juízo ético a respeito de ativi- dades, práticas, comportamentos e relações presentes na realidade social.”378 Mostrando a forma de fazer teologia do autor preocupada com prática e a realidade.

Uma das maiores mazelas que se expandiram na época, e que continua a existir até os dias atuais, é a forma de relação econômica que aquela sociedade experimentou. Naqu ele momento histórico, na região do Sacro Império começava a se desenvolver um nascente capitalismo, onde “a concentração econômica nas mãos de poderosas casas comerciais – Fugger, Welser e Höchstetter estavam entre as mais destacadas – deveu-se muito à partici- pação direta de algumas delas no financiamento da invasão e conquista do Novo Mundo.”379

Isso fez com que algumas famílias começassem a acumular grande quantidade de capital, em detrimento das grandes massas, que frequentemente sentia o efeito da especu lação de alimentos, bens, vestimentas e mesmo terras de plantio. O que gerava uma situação cada vez mais caótica nos arredores imperiais, gerando profundas insatisfações. E esta contrariedade não se resumia apenas aos mais empobrecidos daquela sociedade, posto que a “essa altura, membros da alta nobreza dirigente – inclusive o imperador (...) já se encontravam na depen- dência financeira dos grandes responsáveis pelos monopólios.”380 E adiciona:

Reis e príncipes deveriam cuidar disso e coibi-lo com justiça rigorosa. Po- rém ouço que eles estão com o rabo preso, e as coisas acontecem segundo diz Isaías 1,23: ‘os teus príncipes são (...) cúmplices de ladrões.’ Enquanto isso mandam enforcar ladrões que furtaram um ou meio florim, e transitam com aqueles que saqueiam o mundo inteiro e roubam mais do que todos os outros.381

Mostrando, dessa forma, a abrangência que estes comerciantes passaram a ter já neste mo- mento e a culpabilidade que os governante têm em não coibir estas práticas. Posto que mui- tos já estavam tão imbricados com o sistema de empréstimos e usura, que já se apropriavam deste método para seu benefício próprio. Negligenciando, assim, a nobre função de exercer a autoridade no regimento secular.

378 RIETH, Ricardo. Introdução - Economia. In: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Con- córdia. 1995. p. 368.

379 RIETH, Ricardo. Introdução - Economia. In: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Con- córdia. 1995. p. 367.

380 RIETH, Ricardo. Introdução - Economia. In: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Con- córdia. 1995. p. 367-368.

381 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia. 1995. p. 398.

Durante todo o período medieval a prática dos juros, ou como era conhecido na épo- ca, da usura, era proibida pelas autoridades eclesiásticas. Ainda em seu período no Sacro Império “permanecia em vigor a proibição do direito canônico – renovada formalmente no Concílio de Latrão, em 1515 (...) comerciantes cristãos muitas vezes tinham problemas de consciência, tendo em vista a proibição eclesiástica oficial.”382 O que fazia muitos cristãos

que aderiam a Reforma a questionar Lutero sobre esta questão. Foi frente a estes questio- namentos e devido às discrepâncias sociais que ocorriam que o reformador se motivou a escrever várias obras que abordassem direta ou indiretamente o assunto.

Na obra Comércio e Usura o reformador tece várias recomendações faz muitas as- serções sobre a prática do comércio, especificamente, sobre a prática da importação de pro- dutos oriundo do Oriente, que começava a abarrotar o mercado europeu:

Apesar de tudo, não se pode negar que comprar e vender são atividades ne- cessárias, as quais não se pode dispensar, podendo ser praticadas de forma cristã, particularmente no tocante às coisas necessárias e honrosas. Porque também os Patriarcas, por exemplo, venderam e compraram gado, lã, cere- ais, manteiga, leite e outros bens. São dádivas de Deus que ele concede da terra e reparte entre os seres humanos. O comércio exterior, entretanto, aquele que traz mercadorias de Calcutá e da Índia e outros lugares estran- geiros, como preciosa seda, ouriversaria e especiarias, que somente servem para ostentação e não têm utilidade, sugando dinheiro do país e das pesso- as, não deveria ser permitido, se tivéssemos um governo e príncipes.383

Este texto foi escrito possivelmente em 1524, e já demonstra a grande dificuldade que o reformador alemão tinha em aceitar o comércio externo, vendo-o como uma forma de esco- amento de preciosos recursos nacionais, para sustentar o luxo e ostentação de alguns, en- quanto uma grande maioria permanece na miséria e exploração. E completa: “seria simples lidar com todos os comerciantes, o que também combateria a prática de outros vícios peca- minosos. (...) [pois] teriam que limitar-se a condições humildes e a um consumo modes- to.”384

Inclusive, uma das leis do mercado que existem até os dias atuais, e que parece até mesmo ter se naturalizado na sociedade atual, gerava enorme estranhamento no pensamento do teólogo, o que pode gerar uma ótima reflexão hodierna sobre esta atividade. Os que pra-

382 RIETH, Ricardo. Introdução - Economia. In: LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Con- córdia. 1995. p. 371.

383 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia. 1995. p. 377-378. 384 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração –

ticam as vendas, os comerciantes, têm uma regra que eles repetem constantemente e parece ser sua prática áurea, “seu lema principal e fundamento de todo o negócio; eles dizem: ‘pos- so vender minha mercadoria tão caro quanto puder.’ Acham que este é um direito deles. Aí se dá espaço para a ganância e se abrem todas as portas e janelas para o inferno.”385 Esta

forma de fazer negócio que Lutero condena com veemência e dureza, inclusive, chegando a evocar a danação eterna para punir os que praticam o comércio desta maneira mostrando que estes são vilões e gananciosos insaciáveis que se aproveitam de “gente que depende de sua mercadoria, ou que o comprador é pobre e dela carece, ele se aproveita e eleva o preço (...) certamente deixaria no mesmo valor, caso não houvesse carência do próximo.”386

E o reformador se contrapõe a este lógica demonstrando que ela é maléfica e cruel e usa suas interpretações das Escrituras e da tradição para dizer que a “regra não deveria ser: ‘posso vender minha mercadoria tão caro quanto puder ou quiser’, mas, sim: ‘posso vender minhas mercadoria tão caro quanto eu devo ou quanto é correto e justo’.”387 Isso está basea-

do em um ensino de Aristóteles, retomado por Tomás de Aquino e outros medievais, que foi recorrentemente trabalhado na Idade Média denominado de iustum pretium (preço justo).

Lutero passa, portanto, a sugerir medidas que os governantes deveriam tomar para que os produtos não fossem vendidos a população com preços abusivos, e diz que “a forma mais adequada e segura seria que a autoridade governamental nomeasse pessoas sensatas e honestas que avaliassem todos os tipos de mercadoria quanto a seus custo e estabelecessem, a partir daí, o preço máximo que elas deveriam custar.”388 Isto é, ele propõe uma espécie de regulação da economia que fosse baseado na opinião de pessoas idôneas, evitando -se, as- sim, injustiças como as que vinham acontecendo. E diz que sua “fundamentação está no Evangelho [Lucas 10,7]: o trabalhador merece seu salário. Em 1 Coríntios 9,7 Paulo diz: ‘quem pastoreia o rebanho tem direito ao leite. Quem pode ir à guerra a sua própria custa e soldo?’”389 Isso mostra que para o reformador é possível existir um pequeno lucro, que seja

suficiente para que o comerciante sobreviva com dignidade, mas sem, contudo, aceitar os

385 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia. 1995. p. 378.

386 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia. 1995. p. 379.

387 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia. 1995. p. 380.

388 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia. 1995. p. 380-381. 389 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração –

lucros exorbitantes que eram praticados pela significativa maioria dos que viviam do co- mércio.

Além disso, o teólogo propõe que o empréstimo poderia ocorrer, sobretudo, entre cristãos. Mas o critério que deveria guiar é que o pagamento só seria feito se a pessoa pu- desse, posto que “cada qual devolveria espontaneamente o que tivesse tomado emprestado, e aquele que tivesse cedido o empréstimo o dispensaria de bom grado, caso o outro nã o con- seguisse devolver.”390 E a regra que norteia esta opinião está no fato de que “tens a obriga-

ção de dar emprestado somente aquilo que te sobra e que podes dispensar, como diz Jesus a respeito da esmola: ‘dai de esmola o que tiverdes de sobrea, e tudo será limpo’ [Lucas 11,41].391 Pois a maneira correta de se lidar com os bens é entendendo que estamos “dispos- tos a emprestar espontaneamente, sem qualquer acréscimo ou juros.”392

Em outras palavras, ele evoca mais um texto evangélico para justificar como deveri- am ser guiadas relações mais justas no que concerne ao comércio e aos empréstimos. Não escapa de sua argumentação, a valorização da Cidade Celestial, assim como se vê em vários dos escritos de Agostinho, já que em meio a sua discussão ele diz que “um centavo certo e eterno é melhor do que um florim incerto e temporal.”393 Isso mostra que é necessário se

desapegar dos bens terrenos, estando disposto, atém mesmo na visão do reformador, a sofrer algumas injustiças, pois por meio delas somos “exercitados a desprender nossos corações dos falsos bens temporais deste mundo, abrindo mão deles em paz, e a colocarmos a espe- rança nos invisíveis bens eternos.”394

Em um dos sermões que ele escreve sobre a temática ele diz enfaticamente que mesmo que, aparentemente, estas práticas estejam envoltas na capa de serem justas e esta- rem dentro da legalidade, ele rebate dizendo que estas são prática que contrariam as Sagra- das Escrituras e que são divergentes das práticas evangélicas. Posto que “a ganância e a usu-

390 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia. 1995. p. 387.

391 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia. 1995. p. 388.

392 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura – (Sermão) Sobre a Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Con- córdia. 1995. p. 412.

393 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Concórdia. 1995. p. 398.

394 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura – (Sermão) Sobre a Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Con- córdia. 1995. p. 404.

ra não apenas se instalaram imensamente em todo o mundo, mas que alguns também se atrevem a descobrir alguns subterfúgios sob os quais se podem praticar livremente sua mal- dade sob o manto da justiça.”395 Esta prédica foi escrita no ano de 1520, e posteriormente

anexado ao tratado maior que foi publicado em 1524, que vem sendo tratada deste o início desta seção. Toda esta temática sobre economia e política vem sendo tratada porque para o autor da Reforma é necessário perceber que “Cristo ordenou esse mandamento [Mateus 5,40] para estabelecer entre nós uma vida pacífica, pura e celestial.”396 E complementa: “ora, se todos estão demandando a devolução de seus bens e ninguém quer sofrer nenhuma injustiça – este não é o caminho para a paz, como pensam esses cegos, a respeito dos quais está escrito no Salmo 14: ‘não conhecem o caminho da paz’.”397 Ou seja, a paz é o que se obtêm quando existem relações mais fraternas, desinteressadas e justas.

A lógica do reformador baseia-se nos textos bíblicos, como vem sendo dito, o que em grande medida tem várias similitudes com Agostinho, pois ambos têm seu sistema base- ada em interpretações e construções de metáforas baseadas em textos das Escrituras. Inclu- sive, Lutero evoca que deste de texto vetero testamentários já estava a lógica do cuidado que devia existir na sociedade, posto que em “Deuteronômio 15,4: ‘não haja entre vós pobre nem carente’. Ora, se Deus ordenou isso no Antigo Testamento, quanto mais deveríamos nós cristãos assumir o compromisso de não apenas deixarmos a ninguém passar necessidade ou mendigar.”398 E adiciona a isso um texto evangélico que é bastante duro e demonstra a gravidade que ele dava ao fato de não se cuidar dos menos favorecidos da sociedade, ele diz que na hora da morte e no dia “derradeiro Deus não te perguntará pelo montante que deixa- rás em testamento, se deste essa ou aquela quantia para igrejas, embora não rejeite, mas di- rá: ‘estive com fome, e vós não me destes de comer, estive nu, e vós não me vestistes’. [Ma- teus 25,42s].”399 O que mostra como é sério para o teólogo alemão este assunto.

395 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura – (Sermão) Sobre a Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Con- córdia. 1995. p. 399.

396 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura – (Sermão) Sobre a Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Con- córdia. 1995. p. 403.

397 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura – (Sermão) Sobre a Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Con- córdia. 1995. p. 403.

398 LUTERO, Martinho. Comércio e Usura – (Sermão) Sobre a Usura. In: Obras Selecionadas. Volume 5: Ética: Fundamentos – Oração – Sexualidade – Educação - Economia. São Leopoldo; Porto Alegre: Sinodal; Con- córdia. 1995. p. 405.

Neste ponto, o pensador germânico destaca que é necessário se lembrar da lei natu- ral, ou lei áurea, que deve existir nas relações de uma sociedade em que existam cristãos. Para ele o normal deveria ser querer e desejar para si o mesmo que para o próximo, “pois é

da natureza do amor (como diz S. Paulo em

1 Coríntios 13,5) que ele não busca seu próprio proveito e vantagem, mas dos outros.”400 E

o raciocínio aplicado a lucro e a usura para o reformador é muito simples, “se queres ter participação no lucro, também deves ter participação nos prejuízos, como é da natureza de toda transação. Todos os credores que não querem sujeitar-se a isso são tão honestos como assaltantes e assassinos, pois arrancam o sustento dos pobres.”401 E encerra fazendo uma

imprecação, acentuando severidade da atitude de quem é usurário e busca apenas seu pró- prio benefício. Posto que “assim também o credor teria que arcar com o risco da eventuali- dade, tanto quanto o devedor, e ambos teriam que se confiar às mãos de Deus.”402 Sobre a

impossibilidade para Lutero de se fixar um valor fixo para os juros anuais, uma vez que é impossível se controlar todas as variáveis econômicas, políticas e sociais. Além do que, ten- tar prevê-las seria uma tentativa humana fracassada de se colocar no lugar do próprio Cria- dor.

Outra obra do autor que enfatiza a relação entre economia, política e paz é a obra

Aos Pastores, para que Preguem contra a Usura, que foi escrita no final dos anos de 1530:

“Peço em nome de Deus a todos os pregadores e párocos que não queiram calar-se nem dei- xar de pregar contra a usura, admoestar e alertar o povo (...), erguer nossa voz, proclamando de alto e bom que a usura não é virtude, mas grande pecado e vergonha.”403 Esta foi redigi-

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