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2. Os vales como berços das civilizações primitivas

2.2. Civilização egípcia

Um segundo exemplo marcante da importância dos vales no processo civilizatório é o Egito. O Rio Nilo, com mais de 6.700 km desde suas nascentes na África Central, até a foz no mar Mediterrâneo, desempenhou funções vitais tanto na produção de alimentos, quanto no transporte e até mesmo na criação de um sistema pioneiro de escrita 57: manifestações pioneiras do ser humano no domínio da técnica. A exemplo do Tigre e do Eufrates, também o Nilo, por ocasião de suas enchentes, depositava um tipo de húmus ao logo de seu curso, fertilizando as terras para a produção de excedentes alimentícios. A planície fertilizada pelo Nilo produzia alimentos tanto para os que trabalhavam na lavoura quanto para cerca de 10% da população que já morava nas cidades e serviam aos faraós e sacerdotes. Dentre todas as civilizações que nasceram nos vales dos rios a egípcia foi a mais durável e estável. Sua continuidade na língua e cultura foi surpreendente. Sua monarquia durou aproximadamente 3.000 anos, uma das instituições de maior duração nos registros da história.

56 O Império Assírio usou seu poderio bélico para dominar muitos povos na Antiguidade até seu declínio

no ano de 612 a.C. quando Ciáxares, rei da Média, em aliança com os caldeus, invade a capital Nínive, pondo fim ao Estado assírio. Posteriormente (séculos IX a VII a.C.) os assírios “transformaram-se numa impiedosa máquina de guerra, conquistando a Mesopotâmia, inclusive a Armênia e Babilônia, bem como a Síria, Palestina e Egito”, (PERRY, M. Ibid, 1999, p.21).

57 O sistema de hieróglifos & papiros criado pelos egípcios teve importante contribuição de atividades

realizadas às margens do Rio Nilo. O historiador Geoffrey Blainey (1930-) registra que “o junco que crescia alto, era uma imagem comum em partes do Egito, onde os rios transbordavam em brejos ou se espalhavam por um delta. A extremidade pontiaguda do junco servia também como caneta ou buril, com os quais as figuras e as sílabas eram entalhadas em placas de barro úmido. A planta do papiro, outro material de escrita vindo dos rios, crescia nos brejos do Nilo. Em 2.700 a.C. os egípcios, com seu talento, já estavam convertendo papiro em uma forma de papel grosso, ou pergaminho, pronto para receber as marcas da caneta feita de junco.” (BLAINEY, G. Ibid, 2004, p.40).

O historiador holandês-americano Hendrik Willem Van Loon (1882-1944) atribui à civilização que se formou às margens do Nilo, grandes avanços na agricultura até porque “a história do homem é a história de uma criatura faminta em busca de alimento” 58. Além das técnicas de irrigação e manejo de diques, da construção de suntuosos templos, da invenção de um calendário, os egípcios legaram para a humanidade a escrita (hieróglifos) – considerada por muitos historiadores como a mais importante de todas as invenções.

Talvez mais que na Mesopotâmia, a religião era um valor primordial na civilização egípcia. Na sua ânsia de imortalidade os egípcios idealizaram uma dimensão transcendental capaz de propiciar os mesmos prazeres desfrutados na vida terrena. As pirâmides-túmulos a preservação dos cadáveres (mumificação) e outras práticas da arte funerária praticada no Egito são algumas das evidências do papel central da religião no cotidiano daquele povo. O historiador Marvin Perry faz o seguinte comentário alusivo ao tema:

“As crenças religiosas eram a base da arte, medicina, astronomia, literatura e governo. As grandes pirâmides eram túmulos para os faraós, os homens-deuses. As frases mágicas eram comuns nas práticas médicas, pois se atribuíam as doenças aos deuses. O faraó era um monarca sagrado que servia de intermediário entre deuses e seres humanos. Os egípcios criaram um código ético que, segundo acreditavam, fora sancionado pelos deuses”. [...] Os egípcios também atribuíam às grandes forças da natureza – céu, sol, terra, o Nilo – a condição de deuses. Assim, o Universo estava cheio de divindades, e as vidas humanas ligadas aos movimentos do Sol, da Lua e ao ritmo das estações. Nos céus cheios de deuses, os egípcios encontravam respostas para os grandes problemas da existência humana 59.

Nesse período da civilização egípcia as divindades ligavam o ser humano à natureza, fenômeno reproduzido na civilização helênica, cerca de seis séculos mais tarde.

Os egípcios, ao contrário da maioria dos povos de sua época, adotaram o monoteísmo voltado ao culto ao deus Aton, durante o período do faraó Akhenaton (1369-1353 a.C.). Em seu reinado a capital localizada em Tebas foi transferida para uma cidade sagrada recém-construída, cognominada Akhenaton (“o que apraz a Aton”), nome inclusive adotado

58 VAN LOON, H. W. A história da humanidade. Martins Fontes, 2004, p.22. 59 PERRY, M. Ibid, 1999, p.16.

pelo próprio faraó que, juntamente com sua esposa Nefertite 60, cultuou uma grande devoção a

Aton, “o criador do mundo, mantenedor da vida, o deus do amor, da justiça e da paz” 61.

A concepção de progresso estava ausente da visão de mundo dos egípcios. A realeza, personificada no faraó, considerado portador de características divinas, era a instituição básica do Egito. Diferente de outras civilizações antigas – inclusive a helênica - a realeza divina era a única estrutura política aceitável: estava em harmonia com a ordem do Universo e trazia justiça e segurança à nação. Um dos traços marcantes dessa civilização era o culto ao passado. Durante quase três milênios eles acreditaram que o Universo era estático e imutável, valorizaram as instituições, as tradições e a autoridade que representavam permanência.