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Ao preservar e ampliar a filosofia, as artes, a literatura, a arquitetura, a ciência e o pensamento racional da Grécia clássica, a civilização romana fortaleceu e projetou os fundamentos da tradição cultural do Ocidente. O filósofo e matemático Bertrand Russell (1872- 1970) considera Roma culturalmente subordinada a uma cultura mais antiga e superior: a cultura helênica. Ressalva, no entanto, que “há uma esfera na qual os romanos tiveram êxito: trata-se da esfera do governo, da lei e da administração em larga escala”177. Embora os filósofos

helenísticos já tivessem vislumbrado uma amplitude de caráter universal para os fundamentos de seu pensamento e da política, nem Felipe e nem Alexandre Magno – monarcas do império greco-macedônico - conseguiram tal intento. Somente com a civilização romana foi possível ultrapassar a mentalidade de cidade-estado e desenvolver um sistema de direito e de governo capaz de abranger todos os povos de seu imenso império: da visão comunitária para a universal.

Dentre os ‘arquitetos’ dessa cultura universal, destaca-se Marco Túlio Cícero (106- 43 a.C.), filósofo escritor e político romano. Cícero propugnou, de forma simultânea, para a difusão de elementos do pensamento grego bem como para a supremacia da Cosmópolis (imperium romanum) sobre as cidades-estado gregas (polis). Esse espírito universal (o indivíduo

175 BLAINEY, G. Ibid, 2004.

176 AUDEN, W. H. apud PERRY, M. Ibid 1999, p. 84.

177 RUSSELL, B. História do pensamento ocidental: a aventura das idéias dos pré-socráticos a

como cidadão do mundo) era compatível com a valorização da vida individual; tanto é que o direito privado nasce em Roma, durante o período da República Imperial. A ascensão do indivíduo no contexto da visão cosmopolita é comentada por Assmann: “em primeiro lugar se é um ser do grande universo, e este é o lugar onde todos podem e devem ser indivíduos; por outras palavras, o público, o político, em cada situação, passa a ser visto como empecilho para a vida individual e, por isso, é no privado, dentro da Cosmópolis, que se pode ser humano” 178.

Se os hebreus se notabilizaram por seus profetas, seu monoteísmo e sua tradição religiosa; os gregos se distinguiram por sua filosofia, suas tragédias e por seu regime democrático; os romanos passaram à humanidade os fundamentos do direito e de um governo pragmático. Ao refletir a necessidade e o anseio romano por ordem e justiça – indispensáveis para controlar seu vasto império – o direito foi o grande legado do pensamento romano à civilização ocidental. Embora tenha caído em desuso após a queda do Império Romano do Ocidente (século V d.C.), o direito romano foi reintroduzido a partir do século XII da nossa era, e veio a se tornar a base do direito canônico, do direito consuetudinário e dos códigos de lei da maioria dos países europeus e ocidentais (exceção à Grã-Bretanha e suas possessões). Mas, em tudo isso, também deve ser lembrada a tradição judaico-cristã, na qual a racionalidade e a universalidade assumiram um status tal como se fossem marcas transcendentes na justificativa do mandato divino.

Outra marca indelével da civilização romana foi seu idioma, o latim, que sobreviveu por milênios. Foi a língua dos eruditos, escritores e juristas por toda a Idade Média. Do latim derivaram o italiano, o francês, o espanhol, o português e o romeno. O próprio cristianismo, que nasceu e cresceu dentro do vasto Império Romano, recebeu fortes influências de sua cultura e sistema organizacional, elegendo o latim179 como sua língua oficial.

178 ASSMANN, S. J. Estoicismo e helenização do cristianismo. In: Revista de Ciências Humanas, v. 11,

n. 15, mar. 1994, p. 31.

179 O uso (hermético) do latim pela Igreja Católica Romana é uma das questões abordadas, primeiro no

livro lançado em 1980 pelo italiano Umberto Eco (1932-) e, posteriormente, no filme homônimo O Nome da Rosa (1986), dirigido pelo cineasta francês Jean Jacques Annaud (1943-). A obra e o filme são ambientados em 1327, num mosteiro beneditino medieval, localizado na Itália. Convidado para participar de um conclave religioso, o monge franciscano William de Baskerville (interpretado por Sean Connery) se vê envolvido na investigação de sete assassinatos durante sete noites consecutivas, tendo por cenário a biblioteca secreta do mosteiro. Por trás desses crimes se oculta uma prática comum do cristianismo medieval que restringia o acesso a obras filosóficas (traduzidas para o latim) como as de Santo Agostinho, de Platão, de Aristóteles e outros filósofos clássicos por ameaçarem – com seu saber considerado pagão – a doutrina cristã, com o risco das pessoas perderem o “temor a Deus” (THE NAME OF THE ROSE. Direção de Jean Jacques Annaud. Frankfurt: Constantin Film Produktion; France 3 Cinéma, Rai Uno Radiotelevisione Italiana: Dist. Nelson Entertainment e Warner Bros. 1986, 130 min.: son. Color; DVD).

Alguns historiadores segmentam a história da civilização romana em dois períodos: a República, em 509 a.C. e o Império, quase 500 anos depois. Segundo a tradição, Roma foi fundada por Rômulo (um dos gêmeos descendentes de Enéas que escapa da Guerra de Tróia e se estabelece às margens do rio Tibre, no centro da península itálica) em 753 a.C. Ao final do século VI a.C., com a derrubada da monarquia etrusca, Roma inicia sua transição para a República. Apesar de Res publica significar “coisa de todos”, a República romana era restrita aos patrícios, dotados de poder econômico, militar e político. A plebe (pequenos agricultores, comerciantes e artesão) e os escravos eram alijados do exercício de cidadania. Em 146 a.C. a República romana já se tornara a potência dominante no mundo mediterrâneo, após a unificação da península itálica, as três Guerras Púnicas contra Cartago 180 e a conquista dos Estados

helênicos, que colocou os romanos em estreito contato com a civilização grega.

Uma das conseqüências do expansionismo romano foi o crescente contingente de escravos que, em meados do século I a.C., constituía cerca de um terço da população romana. Em vários momentos, os escravos revoltaram-se contra os maus tratos e as crueldades de seus senhores. Em 73 a.C. Spartacus 181 liderou cerca de 90 mil escravos numa insurreição na busca

da liberdade, impondo várias derrotas ao todo poderoso exército romano, durante dois anos. A certa altura dos acontecimentos, o Senado romano autorizou o emprego de uma grande força militar que impôs uma derrota a Spartacus. Na ocasião, além dos mortos em batalha, cerca de seis mil escravos foram crucificados.

O expansionismo romano foi acompanhado pela deterioração dos valores morais por parte dos governadores e funcionários lotados nas províncias conquistadas. A corrupção e a extorsão eram práticas comuns nos territórios conquistados, de tal forma que “ao longo da história, nenhuma outra administração se dedicou tão seriamente a despojar seus súditos em benefício privado da classe dominante quanto Roma no estágio final da República” 182.

180 Fundada por fenícios em 814 a.C., Cartago possuía, em princípios do século IV a.C., o triplo da

população de Roma. Na condição de um dos maiores pólos comerciais do mundo antigo, Cartago conquistou uma parte da África do Norte, o litoral meridional da Espanha, a Sardenha, a Córsega e a Sicília ocidental. Seu poder bélico era centrado numa grande marinha e num exército formado por africanos e mercenários. As três Guerras Púnicas (Roma x Cartago) ocorreram entre 264 e 146 a.C. quando Cartago foi definitivamente tomada e destruída pelos romanos.

181 Um épico de 1960, dirigido por Stanley Kubrick (1928-1999) – Spartacus - conquista quatro Oscar:

Melhor Ator Coadjuvante (Peter Ustinov); Melhor Fotografia (a cores); Melhor Direção de Arte; e Melhor Figurino. Ganhou também o Globo de Ouro de Melhor Filme.

Mas houve também conseqüências benéficas do expansionismo, como uma crescente influência da civilização grega sobre o espírito romano. Bibliotecas e obras de arte foram transferidas das cidades gregas para Roma. De forma gradual, elementos da filosofia, da medicina, da geografia, das artes e do pensamento científico helênico influenciavam, de maneira marcante a visão dos romanos. Tanto que aqueles com maior poder aquisitivo contratavam preceptores gregos ou mandavam filhos para estudar na Academia (fundada por Platão) em Atenas. Dentre os romanos que mais se destacaram na órbita da cultura e da ciência gregas destacam-se: os dramaturgos Plauto (c. 254-184 a.C.) e Terêncio (c. 190-156 a.C.); Catulo (c. 87- c. 54 a.C.) um dos maiores poetas líricos; Lucrécio (c. 96-55 a.C.) o principal filósofo romano sob a influência do epicurismo; Cícero (106-43 a.C.), estadista e filósofo estóico que considerava a razão como a mais nobre faculdade do ser humano; Virgílio (70-19 a.C.), autor de Eneida, considerado o maior poeta latino; Horácio (65-8 a.C.), filho de escravo liberto, poeta lírico e satírico, adepto ao epicurismo; Tito Lívio (59 a.C. – 17 d.C.), autor de A História

de Roma, composta por 142 livros dos quais apenas 35 chegaram até os nossos tempos; Ovídio (43 a.C. 17 d.C.), considerado um dos maiores poetas líricos, autor de A Arte de Amar e

Metamorfoses (sua obra-prima), influenciou futuros literatos e poetas como Dante Alighieri

(1265-1321), William Shakespeare (1564-1616) e John Milton (1608-1674); Sêneca (4 a.C. – 65 d.C), pensador estóico, senador romano, conselheiro do imperador Nero e uma das fontes para o renascimento da tragédia grega na Europa, durante o Renascimento; Epicteto (c.55- c.117 d.C.), nascido na Grécia, escravo em Roma, liberto por Nero, filósofo estóico e professor do futuro imperador e escritor Marco Aurélio (121-180 d.C.), outro grande nome da cultura romana, autor de Meditações, uma eloqüente obra do pensamento estóico; Ptolomeu (c. 83-161 d.C.), matemático, geógrafo e astrônomo, autor do Almagesto (13 volumes); e o médico Galeno (130-210 d.C.), cujas teorias em anatomia dominaram a medicina até os tempos modernos.

A partir do século III a.C. a República iniciou um período de declínio. Tensões sociais, exploração por parte dos soldados e coletores de impostos, crise na agricultura e guerra civil foram algumas das causas desse declínio. O historiador Salústio (c. 86-34 a.C.) fez uma análise sobre o colapso dos valores republicanos 183:

“Desenvolveu-se nos homens primeiro a sede do dinheiro, em seguida o amor ao poder; tais desejos foram as fontes de todos os males. A avareza destruiu a honra, a probidade e todas as outras virtudes; em seu lugar ela introduziu o orgulho, a crueldade, o desprezo dos deuses, e ensinou os homens a tudo considerarem como venal. A ambição levou muitos mortais a se tornarem

hipócritas [...]. Esses vícios cresceram inicialmente de modo insensível e às vezes chegavam a ser punidos; mais tarde, quando o contágio se propagou como uma epidemia, a cidade mudou de aspecto; e o seu governo, até esse momento tão justo e virtuoso, tornou-se cruel e insuportável”184.

A crise na agricultura foi um dos fatores preponderantes para o declínio da República romana. Desde a guerra contra Aníbal (Guerras Púnicas), as propriedades rurais vinham sendo devastadas e muitos dos pequenos agricultores recrutados como soldados. Outro fator envolvido na crise da agricultura teve origem nas grandes plantações – latinfundia – que mobilizava centenas de milhares de escravos e competiam com os camponeses, acelerando o processo de empobrecimento e endividamento dos mesmos. Na pobreza e endividados os pequenos agricultores abandonavam suas propriedades rurais e migravam para Roma 185, em

busca de trabalho, competindo (em desvantagem) com os escravos. Surge então “uma grande classe marginal urbana – pobre, amargurada e alienada” 186 - quase dois milênios antes de

fenômeno similar, em plena era contemporânea.

Após períodos de guerras civis, o general e político Júlio César (100-44 a.C.) assumiu o governo de Roma em 46 a.C., na condição de ditador, nomeado pelo Senado. Combateu a corrupção nas províncias, estendeu a cidadania romana a seus habitantes, iniciou obras públicas, gerou novos empregos e embelezou a cidade de Roma. Concedeu terras nas províncias para mais de 100 mil soldados e pobres de Roma. Seus inimigos – defensores das tradições republicanas de mais de quatro séculos e meio - se reuniram em complô e o assassinaram, dois anos depois (44 a.C.), lançando Roma numa guerra civil. Otávio (63 a.C. -14 d.C.), filho adotivo de César, junta-se a Marco Antônio e Lépido, oficiais de sua confiança, e derrotam Bruto e Cássio, dois dos conspiradores do assassinato de César. Marco Antônio e Otávio disputam posteriormente o governo de Roma. A vitória de Otávio sobre as tropas de Marco Antônio e sua esposa Cleópatra 187 (rainha do Egito), em 31 a.C., lhe confere o domínio

de Roma. Dois anos após, torna-se o primeiro imperador romano, assumindo o “nome sagrado”

184 SALÚSTIO, apud PERRY, M. Ibid, 1999, p. 99.

185 A migração dos camponeses para Roma daria início ao que os romanos chamaram de “proletariado”,

ou seja, aqueles cuja principal contribuição para o Estado era ter filhos (ROBERTS, J. M. Ibid, 2000.).

186 PERRY, M. Ibid, 1999, p.100.

187 O cineasta Cecil B. DeMille (1881-1959) lança em 1934 o filme Cleópatra estrelado por Claudette

Colbert (Cleópatra), Henry Wilcoxon (Marco Antônio), Warren William (Júlio César) e Ian Keith (Otávio) dentre outros personagens. Ganhou o Oscar de Melhor Fotografia e foi indicado para três outros. Quase 20 anos após (1963), Hollywood lança uma nova versão – premiada com quatro Oscar - desse épico sob a direção de Joseph L. Mankiewicz (1909-1993) – diretor do genial All About Eve (1950) - e um elenco de primeira grandeza: Elizabeth Taylor (Cleópatra), Richard Burton (Marco Antônio), Rex Harrison (Júlio Cesar), Roddy McDowall (Otávio) e outros

de Augustus. O reinado de Otávio Augusto (29 a.C.-14 d.C.) representa o fim da República e o início do Império Romano. Dotado de habilidade política, concede uma série de benefícios à população, aos soldados, combate a corrupção e a extorsão e corrige a excessiva tributação. Sua administração eficiente dá início à pax romana, correspondente a cerca de 200 anos de paz e prosperidade. Uma “era da felicidade” só interrompida esporadicamente por alguns governos despóticos como o de Nero (37-68 d.C.) e Calígula (12-41 d.C.).

O estoicismo constituiu-se na principal vertente filosófica no período da pax

romana. Seu principais intérpretes foram Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), Epicteto (c. 55- c. 117 d.C.) e Marco Aurélio (121-180 d.C.). Tal como Sócrates, os estóicos romanos “buscavam o bem supremo neste mundo, não numa vida além-túmulo, e não viam nenhum poder acima da razão humana. [...] A doutrina estóica de que todas as pessoas, graças a sua capacidade de raciocínio, pertenciam a uma humanidade comum, coincidia com as necessidades da multinacional Império Romano” 188.

Durante a pax romana, o estoicismo passou a conviver, gradativamente, com o neoplatonismo 189, cuja principal figura foi o filósofo Plotino (c. 205-c. 270 d.C.). Ao vincular

fundamentos filosóficos de Platão a vertentes místicas ele julgava que a filosofia deveria envolver uma contemplação do eterno, numa experiência típica das religiões de mistério. Algumas de suas idéias foram posteriormente incorporadas por pensadores da Idade Média – a exemplo de Mestre Eckhart (1260-1328) - e dos Tempos Modernos - como Carl Gustav Jung (1875-1961). Plotino via o mundo fenomênico e humano como algo entre dois pólos: o pólo do divino (o Uno) de onde tudo vem e para onde tudo vai e o segundo pólo constituído pelo reino das sombras (Nous), onde um feixe de luz possibilita uma visão na qual o Uno vê a si mesmo.

Mesmo durante a pax romana – um dos mais afluentes e belos momentos da Antiguidade – surgiram deficiências econômicas e tendências separatistas que, logo mais, ajudariam a deflagrar a crise do século III. O historiador Perry atribui à “paralisia espiritual” que se disseminou na civilização greco-romana ao final do século II, o sintoma mais grave de uma crise emergente que já se anunciava. Uma pequena parcela da população – as classes média e alta das cidades, verdadeiras ilhas de refinamento cultural cercadas por um oceano de

188 PERRY, M. Ibid, 1999, p.111.

189 O neoplatonismo pode ser apresentado como uma espécie de “platonismo sem Sócrates”. Melhor

ainda, representa uma fusão do ideário platônico (esvaziado da maior parte de seu conteúdo ético e de sua filosofia política) com teorias de Aristóteles, do estoicismo e, de forma ocasional, de ingredientes céticos e judaico-cristãos (HELFERICH, C. Ibid, 2006).

camponeses pobres e explorados – “se compraziam no luxo, no lazer e na cultura”, enquanto procuravam abafar o gigantesco abismo cultural entre ao cidade e o campo, “adoçando a boca dos pobres com pão e circo” 190. No século III, o Império Romano encontrava-se envolto numa

verdadeira anarquia militar, com muitos imperadores assassinados e generais que buscavam usurpar o trono a qualquer preço. Invasões de tribos germânicas, guerras civis, moeda desvalorizada, declínio da produção agrícola e conseqüente fome nas cidades, e impostos sobrecarregando a classe média formavam o quadro de desintegração do Império Romano.

Dois imperadores procuraram conter e superar esse quadro caótico e suas terríveis forças de desintegração: Diocleciano e Constantino. Diocleciano (236-305) assumiu o império em 284 d.C. e conseguiu viabilizar mudanças substanciais na administração visando evitar uma iminente derrocada. Num primeiro momento, as mudanças impostas por Diocleciano foram exitosas, mas, com o tempo, a rigidez burocrática, o não conformismo daqueles que eram obrigados a fazer o que não queriam (na visão despótica de que o indivíduo vive para servir o Estado) e os impostos esmagadores 191 esgotaram a vitalidade da vida urbana em que se

baseavam a prosperidade e a civilização de Roma.

Diocleciano reabilitou as velhas tradições, incentivando o culto dos deuses antigos. Empreendeu também aquela que é conhecida por alguns historiadores eclesiásticos como a penúltima grande perseguição do Império Romano contra o cristianismo: a era dos mártires. Sob Diocleciano, as províncias do Mediterrâneo Oriental que falavam o grego, tiveram que adotar o latim como língua oficial. Ao perceber que sua saúde declinava, Diocleciano decidiu abdicar no ano de 305, obrigando Maximiano a adotar a mesma postura. Seguiu-se uma série de conflitos

190 PERRY, M. Ibid, 1999, p.115.

191 Capítulos anteriores assinalaram que a produção de alimentos (iniciada há cerca de 10 mil anos no

Crescente Fértil) e o conseqüente sedentarismo e adensamentos populacionais resultaram na organização política dos humanos. O estágio de governo centralizado levou à prática da cleptocracia, ou seja, a transferência da riqueza líquida dos cidadãos para as classes sociais superiores, via tributos e outras formas de apropriação. Jared Diamond (1937-) considera que a diferença entre um cleptocrata e um sábio estadista é de apenas um grau: o percentual do tributo extorquido dos produtores pelos governos e elites, e da aprovação pela população, custeadas pelos tributos. Quando se questiona porque a população tolera a transferência do fruto de seu trabalho árduo para os cleptocratas – questão levantada desde os tempos da Grécia clássica – Diamond aponta uma combinação de quatro soluções para conquistar o apoio popular e manter um privilegiado estilo de vida por parte dos cleptocratas: “1) Desarmar o populacho e armar a elite; 2) Fazer a massa feliz distribuindo boa parte do tributo recebido em coisas de apelo popular; 3) Usar o monopólio da força para promover a felicidade, mantendo a ordem pública e contendo a violência; 4) Elaborar uma ideologia ou uma religião que justifique a cleptocracia, ambas viabilizadas pela sociedades centralizadas [...]. Os bandos e as tribos já tinham crenças sobrenaturais mas não serviam para justificar a autoridade central, a transferência de riqueza, ou para manter a paz entre indivíduos que não tinham relações de parentesco. Quando as crenças sobrenaturais ganharam essas funções e foram institucionalizadas, transformaram-se nisso que hoje denominamos uma religião” (DIAMOND, J. Ibid, 2001, p.277).

que só terminariam em 324, quando Constantino derrotou todos os rivais e se tornou o único imperador de Roma (Figura 25).

Flávio Valério Constantino (272-337) notabilizou-se por adotar o cristianismo como a nova religião oficial do Império Romano e por converter a velha cidade de Bizâncio em um novo e estratégico centro urbano: Constantinopla. Fundada em 11 de maio de 330, Constantinopla tinha uma excelente localização no estreito de Bósforo, na fronteira da Europa com a Ásia. Ela seria a sede do Império Romano do Oriente (também conhecido como Império Bizantino) e sobreviveria quase mil anos após a queda de Roma 192. Em sua trajetória milenar, o

Império Bizantino 193 manteve vários fundamentos da civilização greco-romana no transcorrer

de toda a Idade Média, quando Constantinopla se tornou um centro do humanismo clássico, prefigurando a cultura do Renascimento 194.

Figura 25: – Imperadores romanos: Otávio Augusto, Marco Aurélio Diocleciano e Constantino.

192 A tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos se daria em 29 de maio de 1453, data consagrada

pelos historiadores como a transição da Idade Média para a Era Moderna, bem como o fim do Império Bizantino. Constantinopla passou a ser a capital do Império Otomano (sob o nome de Istambul) por mais de 800 anos, até sua dissolução em 1922, após sua derrota na Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

193 Embora o cristianismo tenha permanecido como a religião oficial do Império Romano do Oriente

(Império Bizantino), ele assumiu características diferenciadas do cristianismo católico comandado pelo papa romano. Em sua tradição denominada ortodoxa, o cristianismo de Bizâncio deu origem à atuais Igrejas Ortodoxas da Grécia, de Chipre, da Rússia, da Bulgária e de algumas outras nações eslavas (ROBERTS, J. M. Ibid 2000).

194 Na transição da Idade Média para a Idade Moderna surgiu a partir da península itálica (século XIV)

um movimento que marcou a história da humanidade: o Renascimento. No espaço temporal de apenas uma geração, Leonardo da Vinci (1425-1519), Michelangelo (1475-1564) e Rafael (1483-1520) produziram suas obras primas; Cristóvão Colombo (1451-1506) descobriu a América; Martinho Lutero (1483-1546) rebelou-se contra a Igreja católica, dando início à Reforma; e Nicolau Copérnico (1473-1543) apresentou a hipótese de um universo heliocêntrico, inaugurando a Revolução Científica. Ao emergir na esteira de convulsões sociais, da peste negra (que eliminou uma terça parte da população européia), da Guerra dos Cem Anos (Inglaterra versus França) e de uma endêmica depressão econômica,