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A antiga civilização hebraica (israelita ou judaica) difere do conceito clássico de civilização aplicado à Mesopotâmia, Egito, Índia, China, Pérsia, dentre outras da Antiguidade. Desde o tempo da ocupação de Canaã sob a liderança dos patriarcas Abraão, Isaac e Jacó; a migração e a posterior fuga do Egito sob a liderança de Moisés; e a destruição definitiva de Israel como nação organizada em 135 d.C., os sobreviventes mantiveram uma cultura e uma religião que permanecem até os nossos tempos como uma tradição viva. A civilização judaica deve ser entendida principalmente como uma cultura religiosa impregnada por um sentido étnico que, a despeito das históricas perseguições que culminaram com o holocausto da Segunda Guerra Mundial, continua a modelar o judaísmo contemporâneo.

Os primeiros hebreus constituíam, em seus primórdios, uma tribo de pastores semitas que, por volta do século XX a.C. partiu da cidade de Ur, próxima à foz do rio Eufrates, na Mesopotâmia97, em direção à Canaã - “Terra da Púrpura”- na busca de melhores pastagens

para seus rebanhos de ovelhas e cabras. Ali permaneceram por três séculos até que uma terrível seca - e a conseqüente escassez de alimentos - impeliu algumas tribos (dentre elas a de Jacó) a uma nova migração com destino ao Egito, onde viveriam por mais quatro séculos, na expectativa de encontrar uma terra mais generosa e melhores condições de vida.

Após a derrota imposta pelos egípcios aos invasores hicsos (século XVI a.C.), os hebreus, aliados dos hicsos, foram transformados em servos e submetidos a serviços forçados na construção de templos, estradas e outras obras. No reinado de Ramsés II (1.304-1237 a.C.) os hebreus (termo que significa “errantes”) foram liderados pelo jovem Moisés e empreenderam o seu êxodo do Egito, através do inóspito deserto de Sinai. Conseguiram fugir das tropas egípcias

97 Os primeiros hebreus têm raízes culturais na Mesopotâmia. “Existem paralelos entre a lei bíblica e a

tradição legal da Mesopotâmia. Várias narrativas bíblicas como a Criação, o Dilúvio e o Jardim do Éden têm origem em fontes mesopotâmicas” (PERRY, M. Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p.28).

e iniciaram uma longa peregrinação rumo “à terra prometida” - Palestina98. Durante essa grande

jornada (cerca de 40 anos) Moisés, que durante sua estada solitária no deserto aprendera a venerar o poder do grande Deus do trovão e das tempestades (Jeová) - uma das muitas divindades que eram adoradas por toda a Ásia ocidental - persuadiu o seu povo a assumi-lo como o Senhor único da raça hebraica.

Durante o êxodo do Egito (Figuras 13 e 14), descrito no Antigo Testamento, Jeová entregou a Moisés, no monte Sinai, um conjunto de prescrições éticas – os Dez Mandamentos – que, a partir de então, se constituiu no fundamento cultural e religioso dos israelitas (hebreus). Diz Jaguaribe:

“A despeito da importância do berith mosaico, o processo de conversão de um grupo de tribos associadas frouxamente em uma única nação levou um longo tempo. De acordo com a tradição, Moisés precisou continuar pelo restante da vida seu esforço de inspirar a fé em Yahweh entre os judeus, até a sua morte, nas fronteiras de Canaã. [...] Desde o tempo de Moisés a história de Israel tem sido o desdobramento de um núcleo de crenças fundamentais, qualificadas por um conjunto de ritos e sacrifícios em evolução. O conteúdo essencial dessas crenças fundamentais que Moisés confiou ao povo na qualidade de revelação de Yahweh é a existência de um só Deus que fez um pacto eterno com seu povo escolhido, Israel” 99.

Esse pacto de Jeová (Yahweh) com o povo hebreu 100 – cujo código moral foi

expresso nos Dez Mandamentos – instituiu o monoteísmo na civilização judaica, representando uma profunda cisão com o politeísmo e o pensamento mítico prevalente nas demais civilizações do Oriente Próximo. Os hebreus passaram então a considerar Jeová como seu Deus e soberano absoluto, criador e senhor da natureza e da vida humana. Num ambiente cultural onde proliferava uma multiplicidade de deuses e uma visão cosmológica do divino, o monoteísmo instituído pela civilização hebraica – “um único Deus transcendente, criador do céu e da terra” (Gênesis. I: 1-25) - representa um marco referencial de grande impacto na Antiguidade. Vale

98 O nome Palestina parece derivar de um grupo errante dos ”povos do mar” que, por volta de 1175 a.C.,

se estabeleceu entre o Mar Morto e o Mediterrâneo (ROBERTS J. M. Ibid, 2000.)

99 JAGUARIBE, H. Ibid, 2001, p.216; 230 vol. 2.

100 Este pacto representa, para os hebreus, uma aliança especial com Jeová, transformando-os no “povo

eleito” por Deus, uma nação capaz de assumir uma responsabilidade moral e uma consciência ética exemplar para toda a humanidade. Além desse misto de privilégio e responsabilidade, os judeus também vislumbravam um episódio num futuro distante onde Deus estabeleceria na Terra uma gloriosa era de paz, prosperidade, fraternidade e felicidade entre os homens. Essa utopia marcou profundamente o pensamento da futura civilização ocidental.

também ressaltar que a desmistificação da natureza passou a se constituir, num dos pré- requisitos centrais para o futuro pensamento científico.

Naquela época, os deuses cultuados pelos povos do Oriente Próximo não eram eternos nem criadores: estavam também sujeitos às vicissitudes da vida terrena (alimentos, bebidas, sono, sexo, doenças, envelhecimento, morte...) e lutavam entre si. Enquanto essas divindades habitavam a natureza, Jeová era transcendente, estava acima da natureza, não se identificava, portanto, com nenhuma força natural e não residia em nenhum local entre o céu e a terra. Jeová era criador e senhor da natureza e todos os elementos naturais (sol, lua, rios, mares, montanhas, tempestades, estrelas, o cosmo enfim) foram destituídos de qualquer atributo sobrenatural ou divino. O monoteísmo judaico provocou uma profunda cisão com o pensamento mítico do Oriente Próximo e tornou-se o elemento pivotal na civilização hebraica. No centro da vida religiosa – e da própria cultura – dos hebreus destacavam-se questões éticas e morais, e não elementos mitológicos, místicos (exceção à cabala, vertente mística do judaísmo, formada na Idade Média) ou mágicos característicos das demais civilizações de sua época.

Após a chegada a Canaã, os hebreus iniciaram, de forma gradual, o processo de colonização, disputando com os filisteus (tribo proveniente de ilhas do mar Egeu) a posse das terras. Após várias gerações, as doze tribos hebraicas adotaram o regime monárquico sob o comando de Saul (1024-1002 a.C.) - o primeiro rei hebreu. No reinado de seu sucessor (1002- 961 a.C.), seu filho Davi, guerreiro e poeta, que os hebreus finalmente dominaram os filisteus. Salomão, filho de Davi, construiu um grande palácio na capital Jerusalém, consagrando-o a Jeová, como uma marca de um período de prosperidade (961-922 a.C.). Salomão notabilizou-se também por sua diplomacia e por sua capacidade de formar alianças políticas com outros povos. Após o falecimento de Salomão, as tribos judaicas dividiram o reino em dois: o de Israel governado por Jeroboão I (933-912 a.C.) na região setentrional e o reino de Judá, sob Rehoboam, leal à Casa de Davi. O reino de Israel adotou uma ortodoxia religiosa até 722 a.C. quando foi invadido pelos assírios. Já o reino de Judá continuou com a “política realista de Salomão” que lhe garantiu uma sobrevida de quase dois séculos: em 597 a.C. o reino de Judá foi conquistado por Nabucodonosor 101 e a maioria de sua população foi levada para o exílio na

Babilônia. Durante o longo período transcorrido desde o cativeiro na Babilônia (597 a.C.) até a expulsão final dos judeus de Jerusalém, provocada pela catastrófica rebelião de Bar Kokhba (em

101 Nabucodonosor II (632-562 a.C.) é o mais famoso dos reis da Babilônia que esteve sob seu governo

por 43 anos (604-562 a.C.). Durante seu reinado foram erguidos suntuosos palácios e construções, inclusive os Jardins Suspensos da Babilônia, uma das sete maravilhas do mundo antigo. Foi também o responsável pela conquista do reino de Judá e a destruição de Jerusalém e seu templo, em 587 a.C.

132 d.C.) 102 os judeus foram submetidos a diferentes ambientes políticos sob o domínio de

diferentes povos: babilônicos, gregos, selêucidas, romanos. Em 63 a.C. o Império Romano em contínua expansão conquista a Judéia e, em 26 d.C. um novo governador romano, Pôncio Pilatos, assume a província romana onde estava inclusa a Judéia.

Figuras 13 e 14: O êxodo do Egito