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A civilização mesopotâmica, abrangendo seus dois pólos políticos e culturais – Assíria e Babilônia – foi uma das mais longevas da Antiguidade. Em seus 13 séculos de existência teve que conviver com intensos conflitos e competições, tanto com os povos bárbaros (dentre eles, os persas) como com outras civilizações limítrofes. Ocasionalmente os bárbaros conseguiam derrotar os exércitos de seus inimigos civilizados, normalmente depois de divisões internas provocadas pela tradicional disputa do poder. Em algumas de suas invasões os bárbaros assimilavam a civilização conquistada injetando um novo dinamismo 92.

Os persas sob o comando de Ciro II, o Grande (559-529 a.C.) conquistaram a Babilônia em 539 a.C. Já dispondo da incorporação do trono da Média, Ciro II conquistou a Lídia (547 a.C.), ampliando ainda mais as fronteiras do Império Persa. Ciro e seu filho e sucessor Cambises conquistaram, num período de 25 anos (de 550 a 525 a.C.), vários territórios entre os rios Nilo (Egito) e Indo (Índia) numa amplitude considerada a maior sob o domínio de uma civilização, até então: da Anatólia ao Afeganistão e do Cáucaso à Arábia (Figura 12).

Resultante de uma grande variedade de povos, o Império Persa antecipou, em certo sentido, o Império Romano: em termos de talento político e militar e da prática da tolerância com os povos conquistados. O Império Persa demonstrou ser a contrapartida oriental do Império Romano, com quase quatro séculos de antecedência.

De forma diversa ao que ocorria na Mesopotâmia, no Egito e em Israel, o Estado persa não se fundava na religião. Sempre aberta a influências de fora, o cerne das religiões persas primitivas era o sacrifício, tendo o fogo como seu centro. Os persas cultuavam seus deuses com sacrifícios de sangue ministrados por Magos, uma fraternidade que detinha privilégios políticos e religiosos. Essa religião dos Magos, profundamente afetada por uma nova crença - o zoroastrismo - fundada por Zoroastro 93 (sec. VII a.C.), tornou-se a religião dos

governantes e da maior parte dos povos da Pérsia. Ela enfatizava uma luta dualista entre o bem (deus da luz) e o mal (espírito das trevas). Embora com um número restrito de adeptos, o zoroastrismo e seus líderes místicos viriam a ser um elemento definidor da cultura persa, bem como uma influência marcante do judaísmo e dos mistérios presentes no contexto inicial do cristianismo e do próprio islamismo. Elementos como os anjos e o fogo do inferno, a crença no paraíso, na ressurreição, no juízo final e na vinda de um messias presentes na tradição judaico-cristã, provêm de Zoroastro. Os textos sagrados do zoroastrismo 94 – Avesta ou

Zend-Avesta – estão guardados na Índia, que reúne o maior contingente (os parsi) de seguidores

95.

93 Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra (cujo prefácio do primeiro dos quatro volumes teve início em

1883) incorporou o personagem Zaratustra, um filósofo que, após um auto-exílio de dez anos (solitário) numa montanha, em suas hipotéticas andanças pela antiga Pérsia, promovia, de forma poética e paradoxal, reflexões críticas sobre a moral cristã, valorizando a plenitude da existência, a partir do “eterno retorno”. O autor de Assim Falou Zaratustra já não vê mais em Sócrates, o grande oposto a Dioniso, mas

o Crucificado. Numa resposta ao pessimismo de Arthur Schopenhauer, o eterno retorno vislumbra, à semelhança de Dioniso, que o sofrimento, a morte e o declínio são apenas a outra face da alegria, da ressurreição e da volta. Para Nietzsche, apenas o eterno retorno oferece uma “saída mentira de dois mil anos”. O prefácio do primeiro dos quatro volumes de Assim Falou Zaratustra começou a ser escrito em

1883. Ao concluir a quarta e última parte da obra (1885), o autor, cada vez mais isolado, só encontrou sete pessoas a quem enviá-la.

94A perspectiva escatológica do zoroastrismo afirma que três dias após a morte a alma de um indivíduo

chega à Ponte Cinvat. Ali, cada alma reflete sobre a materialização dos seus atos (daena): uma alma que praticou boas ações vê uma bela virgem de quinze anos, enquanto que a alma de uma pessoa má vê uma megera. Cada alma será julgada pelos deuses Mithra, Sraosha e Rashnu. As almas boas poderão atravessar a ponte, enquanto que as más serão lançadas para o inferno; as almas praticaram uma quantidade idêntica de boas e más ações são enviadas para o Hamestagan, uma espécie de purgatório. As almas elevam-se ao céu através de três etapas, as estrelas, a Lua e o Sol, que correspondem, respectivamente, aos bons pensamentos, boas palavras e boas ações. O destino final é o Anagra Raosha, o reino das luzes infinitas.

Depois da morte de Xerxes, o Império Persa entrou em progressivo declínio. Em 331 a.C. Alexandre, o Grande (356-323 a.C.), discípulo de Aristóteles, tomou a capital Persépolis dando início à fase helenística. Após a morte de Alexandre (em 333 a.C.) o Império Macedônico (Grécia ampliada) foi dividido em três grandes subsistemas: Macedônia e Grécia (sob o comando de Antígonus); o Egito (sob Ptolomeu) e A Pérsia (comandada por Selêuco). Sob os selêucidas, as cidades da Pérsia incorporaram fundamentos da cultura helênica, além da difusão do idioma grego. Yazdegerd, o último rei sassânida, enfrentou a invasão dos árabes que, ao contrário dos gregos, transformaram profundamente a cultura persa, gerando uma nova civilização: a Pérsia islâmica. Para Hélio Jaguaribe, “a conversão da Pérsia ao islamismo provocou uma mudança de grande significação histórica. A civilização persa clássica, que os sassânidas tinham revigorado, era mais próxima do Ocidente do que sua sucessora islâmica. O curso da história, da Idade Média até os nossos dias, teria sido muito diferente se os sassânidas tivessem podido resistir à invasão árabe, preservando por mais tempo a civilização persa” 96.

Figura 12: Domínio do Império Persa (século V a.C.)

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Map_of_Assyria.png