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4 O PROCESSO PENAL NORTE-AMERICANO

4.3 NOÇÕES DO SISTEMA DE INSTRUÇÃO PROBATÓRIA PENAL

4.3.1 Princípios Constitucionais referentes à instrução processual

4.3.1.5 Cláusulas previstas na 5ª Emenda

A 5ª Emenda inicia sua redação trazendo à baila a cláusula do grande júri. Prevê que:

ninguém poderá ser detido para responder por crime capital, ou por outra razão infame, salvo por denúncia ou acusação perante um grande júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou a milícia durante serviço ativo...131

Por esta cláusula a pessoa acusada de um crime capital somente poderá ser detido caso tenha sido apresentada e aceita uma acusação pelo grande júri. Assim, referido órgão exerce uma função de autorizar o início de um processo contra alguém. Nos seus primórdios, no Direito inglês, o grande júri tinha por finalidade evitar julgamentos sem uma causa provável, todavia esta finalidade atualmente foi bastante distorcida.

Após várias distorções, o grande júri mostra-se como sendo um órgão genuinamente inquisitório, que não precisa considerar o imputado como parte de um processo, até que não seja formalizada uma acusação. No grande júri lança-se mão de diligências típicas de um inquérito e, no dizer de Garcez ramos, “é nesse ponto que o grande júri desserve à causa para o qual foi originalmente concebido; ao afiançar a acusação, muitas vezes enfraquece o direito de defesa que há de ser exercido a partir da instauração do processo perante o pequeno júri”.132

Em seguida a 5ª Emenda prevê que “ninguém poderá ser sujeito, por duas vezes, pelo mesmo crime, a ter sua vida ou integridade corporal postas em perigo”. Esta cláusula tinha como objetivo impedir que alguém possa ser processado mais de uma vez pelo mesmo fato criminoso.

Inobstante esta previsão expressa, atualmente o princípio tem perdido em muito sua eficácia diante de diversas decisões, inclusive da Suprema Corte, nas quais uma pessoa absolvida é novamente processada e muitas vezes condenada. O mote causador desta mudança de orientação ocorreu na década de 1990, quando em um julgamento de alguns policiais acusados de agredirem um cidadão negro, eles foram absolvidos mesmo tendo sido exibido, durante o julgamento, um vídeo que mostrava a agressão. Com aplicabilidade da cláusula eles não mais poderiam ser julgados.

131 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Constituição. Emenda Constitucional nº 5, de 25 de setembro de 1789. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/Pages>. Acesso em: 28 jan. 2011

Desde então, em situações diversas, passou a ser admitido um segundo processo mesmo diante de absolvições. Para fundamentar a inaplicabilidade do princípio foi desenvolvida usada a “doutrina da soberania dupla” que pretendia, segundo Garcez Ramos:

Superar a barreira existente no ordenamento quanto ao duplo risco de condenação por um mesmo fato criminoso. Segundo essa doutrina – virtualmente superada pela revolução constitucional da “Corte de Warren” -, as diversas esferas estaduais e a federal são como soberanias no âmbito da administração da Justiça, nem as constituições nem as cartas de direitos obrigam-nas reciprocamente. Assim, o fato de a esfera estadual ter absolvido os acusados não impediria a esfera federal de processá-los pelo mesmo fato, com base em leis federais; da mesma maneira se absolvido em um Estado, poderia se condenado em outro pelo mesmo fato.133

Desta forma reconhece-se que o princípio em análise encontra-se em pleno momento de crise e a garantia que reinou durante séculos, hoje não mais possui a plenitude de sua origem.

Prosseguindo nos princípios reconhecidos na 5ª Emenda, encontra-se a “cláusula do privilégio contra a auto-incriminação forçada”, dispondo que “ninguém poderá ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo”.134

A cláusula em comento visa impedir que qualquer pessoa que seja acusada da prática de um crime seja compelida, ao ser interrogada, a prestar informações que possa resultar em prova contra si mesmo. No direito norte-americano é conhecida por privilege against compelled self-incrimination.

Como precedente basilar desta garantia, reconhecida pela Suprema Corte e de entendimento corrente padrão (standard) quanto à matéria, tem-se o caso condutor (leading case) em Miranda v. Arizona (384 US 201 – 1966). A partir desta decisão houve uma inversão na presunção de valores na confissão do acusado. O entendimento de que se presumiam justos e legítimos os atos praticados pelas autoridades policiais, cabendo ao acusado provar o contrário, foi abandonado passando a reinar o entendimento de que as declarações feitas pelo acusado perante a polícia devem ser consideradas a priori como obtidas através de coerção ou outro meio inidôneo. Em sua manifestação proferida neste julgamento, o juiz-presidente Warren consignou:

133 GARCEZ RAMOS. op. cit., p.135

Na ausência de outras medidas efetivas, para salvaguardar o privilégio da 5ª emenda, os seguintes procedimentos devem ser observados: a pessoa em custódia deve, antes do interrogatório, ser claramente informada de que tem o direito de permanecer em silencia, e que qualquer coisa que diga será usada contra ela na corte; deve ser claramente informada de que o direito de consultar um advogado e de ter um advogado durante o interrogatório e que, se indigente, um advogado será indicado para representá-la.135

A decisão supra transcrita dá uma dimensão exata do quanto foi relevante para a garantia de efetividade da 5ª Emenda, todavia, desde então a Suprema Corte vem proferindo decisões que limitam o alcance deste princípio. A garantia que era quase absoluta e assegurava ao imputado uma blindagem quanto ao seu interrogatório, hoje é balizada basicamente às informações que possuem características explícitas de elementos testemunhais.

Essencialmente, o que restou afiançado foi a garantia de ser informado de seus direitos, bem como o direito a ser acompanhado por advogado, inclusive, em alguns interrogatórios policiais.

Em pesquisa recente Garcez Ramos apurou que, segundo precedentes da Suprema Corte, inobstante a previsão da 5ª Emenda o acusado pode ser compelido, até com desforço físico: a) a colocar uma camisa (Holt v. United States, 218 US 245 – 1910); b) a fornecer sangue para teste (Schmerber v. Califórnia, 383 US 757 – 1966); c) a fornecer amostras caligráficas (Gilbert v. Califórnia, 388 US 263 – 1967); d) a fornecer amostras fonéticas (United States v. Wade, 388 US 218 – 1967); e) a ter sua altura, peso etc., mensurados (United States v. Wade 388 US 218 – 1967); f) a ser fotografado (United States v. Wade 388 US 218 – 1967); g) a fornecer suas impressões digitais (United States v. Wade 388 US 218 – 1967).136

Por fim, tanto a 5º, quanto a 14ª Emenda trazem em seu bojo a “cláusula do devido processo legal”.137 A princípio do devido processo legal previsto no direito norte-americano através da 5ª emenda possui apenas e tão somente um conteúdo procedimental, ou seja, buscava garantir que ao imputado fosse assegurado um processo de acordos com os procedimentos previstos no sistema jurídico.

Posteriormente, através do célebre case Dred Scott v. John F. A. Sandford (60 US 393 – 1856), a Suprema corte, em decisão de malfadada memória138, fez aplicação substancial do

135 GARCEZ RAMOS. op. cit. p., 138. 136 Ibid. .

137 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Constituição (1787). Emenda Constitucional nº 14, de 13 de junho de 1868. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/data/Pages>. Acesso em: 10 fev. 2011.

princípio do devido processo legal, julgando inconstitucional a chamada “Lei do Compromisso do Missouri” (Missouri Compromise Act).

Historicamente, oportuno trazer à baila questão de extrema relevância que diz respeito à celeuma quanto a aplicação da 14ª Emenda e, assim, do princípio do devido processo legal, aos Estados-membros, vez que até então entendia-se que várias disposições trazidas à ordem constitucional através da emendas aplicar-se-iam somente em âmbito federal.

A fim de tentar resolver a questão três correntes foram desenvolvidas. A primeira, que tinha como maior expoente o Juiz Frankfurter argumentava que a 14ª emenda nunca incorporou qualquer previsão da Carta de Direitos a título de imposição de subordinação aos Estados-membros, o que resume afirmar que a mesma não se aplicava aos Estados. Por outro lado, o Juiz associado Black defendeu que a 14ª Emenda fez aplicável contra os Estados- membros todas as provisões da Carta de Direitos integralmente. Por fim, em evidente visão diametral, o Juiz associado Brennan defendeu a incorporação seletiva das cláusulas por parte da Suprema Corte.

A doutrina de Brennan foi amplamente difundida e aceita, inclusive na Suprema Corte, e tratou de retirar das duas correntes anteriores o que lhe parecia melhor.

De Frankfurter retirou o argumento formal, com a rejeição da idéia da incorporação total e com a adoção do método de declarar, caso a caso, os dispositivos incorporadores. De Black retirou o que entendia ser principal, ou seja, a visão de que a Carta de Direitos federal tinha de ser incorporada, mais cedo ou mais tarde, aos ordenamentos jurídicos estaduais.139

Desde então, a Suprema Corte tem proferido decisões que, usando da teoria da incorporação seletiva, reconhece a aplicabilidade de cláusulas constantes das emendas constitucionais aos Estados-membros, dentre elas a do devido processo legal.