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4 O PROCESSO PENAL NORTE-AMERICANO

4.1 NOÇÕES DO SISTEMA COMMON LAW DO DIREITO NORTE-

O Sistema common law teve sua origem na Inglaterra, mais precisamente com a predominância da jurisdição real inglesa que, diante da dificuldade para aplicar-se em todo seu território foi obrigada a repassar parcela de poder para os senhores feudais, mormente no que pertine à solução de litígios internos dos respectivos feudos.

De forma extremamente sintética, todavia esclarecedora, João Gualberto Garcez Ramos dispôs:

Resumidamente, portanto, pode-se dizer que a jurisdição real inglesa, a partir do reinado de Henrique II, embora não precisasse tanto de alianças no plano político, na esfera da administração da justiça percebeu que elas seriam necessárias. Com isso, logrou ser permissiva e dar mais espaço para que o senhor feudal, na seara das questões internas do seu feudo, desse solução jurídica a litígios concretos. Também em relação às comunidades, permitiu que elas praticassem justiça material, que dissessem o que seria jurídico diante do caso concreto. Reservou-se apenas a competência para presidir os julgamentos realizados fora do âmbito da jurisdição

real. Com isso, cimentou a consciência de que o direito material é comum: o common Law.91

Destarte, nos países de influência jurídica inglesa, a prestação jurisdicional soluciona litígios baseada em entendimentos doutrinários oriundos da solução de outros litígios. Quando ainda não há orientação anterior, constrói-se uma nova doutrina a partir do exame do caso concreto apresentado.

Nesse sentido, não há falar em uma doutrina inteiramente nova, mas sim o resultado da conjunção de argumentos empregados para analisar e julgar similitudes de casos anteriores. Daí porque o sistema é igualmente chamado de “direito de casos” (case Law).

Ao contrário, nos países de orientação jurídica continental, a prestação jurisdicional baseia-se na lei. O aplicador do direito, nesse sistema, funda-se primordialmente nas disposições legais que dispõem acerca do tema em litígio, não devem obediência vinculativa aos precedentes. Assim, o direito continental caracterizou-se por adotar uma metodologia completamente diferente do common law, na qual a experiência jurídica é cristalizada em normas abstratas, destinadas a prover e a regular situações futuras.

Esta não é a única diferença entre os dois sistemas, outra diversidade estrutural refere- se à prática procedimental. Consoante ressalta o Garcez Ramos:

Outra característica relevante do sistema de direito comum – e que se tornou uma contribuição – é a oralidade processual. Na origem ela se impôs porque o povo, em geral, não é versado na linguagem escrita. Daí porque se desenvolveu a prática de instruir e resolver os casos por meio da palavra escrita. Era a jurisdição real, na administração do julgamento do caso pelo júri popular, que se encarregava da documentação.92

Em sentido contrário, o sistema de direito continental, deve sua origem no repertório daqueles ligados à igreja, o que culminou com um nascedouro mais intelectualizado. Reafirmando esta realidade, consignou o referido autor:

Foi mais sofisticado na origem, porque por detrás dele estava a igreja, único repositório da intelectualidade na Europa entre os séculos XI e XIV. Único repositório, aliás, também da palavra escrita, já que os nobres e o rei não sabiam escrever nem consideravam importante ou mesmo honroso sabê-lo. Em parte por isso o processo nos países de tradição continental usou sempre mais da palavra

91 GARCEZ RAMOS, João Gualberto. Curso de processo penal norte-americano. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2006.

escrita. Outra razão foi que a escritura combinou melhor com o sistema inquisitório.93

O direito norte-americano é entendimento como um significativo expoente do sistema Common Law, todavia não se pode afirmar seja ele o retrato fiel dos sistemas em suas origens no direito inglês.

A cultura norte-americana é caracterizada pelo excepcionalismo e, assim, tal perspectiva indica que o modo de vida nos Estados Unidos (American way of life) seria um tanto diferente. Ad argumentandum, identificando-se sempre como exceção, o norte- americano procura colocar-se acima de tudo e de todos, além do bem e do mal, intervindo militarmente em todas as longitudes e latitudes.94

Nesse sentido, oportuno ressaltar que ao contrário da maior parte do mundo, por exemplo, os norte-americanos medem a temperatura em graus Fahrenheit e não em Celsius. Distâncias são identificadas em milhas, e não em quilômetros. Compra-se um galão e não um litro de combustível. Muito mais do que curiosidade etimológica, a constatação chama a atenção para o fato de que o direito norte-americano, realidade cultural, também teria sido fixado nos parâmetros dessa excepcionalidade ontológica. A tradição da common law inglesa foi amalgamada e acomodada ao positivismo continental.95

Em verdade, não se encontra um sistema que tenha mantido com exatidão as características que o nortearam quando de seu desenvolvimento. Os países que permanecem adotando o sistema de direito comum vem modificando sua estrutura e, cada vez mais, adota a lei como método de criação jurídica. O contrário também é verdade, países que adotam o sistema continental estão modificando seu sistema jurídico, importando institutos e características próprios do sistema common law. A título exemplificativo, oportuno ressaltar que no ano de 2008 o legislador pátrio alterou o procedimento do processo penal brasileiro, passando a nortear-se na oralidade, característica marcante do direito comum.

Destarte, embora o sistema do direito comum tenha, aparentemente, características mais democráticas na origem, o que faria dele o melhor sistema, a verdade é que vem perdendo terreno para o sistema de direito continental. Não se sabe, ainda, até onde vai essa evolução. Mas ela é inegável. Prova disso é a adaptação de parte da legislação inglesa à da União Européia.96

93 GARCEZ RAMOS. op. cit. 94 GODOY. op. cit.

95 Ibid.