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6. ANÁLISES E RESULTADOS

6.4 Análise do Grupo Focal : o que os/as profissionais de Psicologia que atuam no SUAS

6.4.4 Classe temática: Juventude pobre

Em uma segunda interpretação vimos que os/as profissionais participantes desta pesquisa no grupo focal associaram a juventude pobre a um período da vida naturalizado e o/a jovem é representado como sujeito da falta e da vulnerabilidade decorrentes da desestruturação familiar.

6.4.4.1 Categoria: naturalizada e marcada pela falta

Nas falas dos/das psicólogos/as participantes do grupo focal foi recorrentes e ressaltadas as “faltas” que permeariam os/as jovens pobres, embora considerem que todo/toda jovem, independente de sua classe social, experiencia a juventude de forma semelhante, ou seja, todos/as os/as jovens são ousados/as, cheios de energia, passam por um momento de descobertas e vivencias de conflitos em decorrência de estarem em um período de transição, como se vê na fala a seguir:

[...] no questionário que eu respondi, quando se fala em juventude pobre, acho que umas das primeiras palavras foi falta, são as diversas faltas que a gente vê no dia a dia, que eles tem, seja na falta econômica, seja na falta afetiva, todas juntas muitas vezes, mas dentro dessas palavras (energia, conflito, desenvolvimento, descoberta e ousadia), eu vejo como juventude de forma geral (C3).

Apesar de identificarem características que abrangeriam qualquer jovem independente de sua classe social, os/as psicólogos/as consideram que o desenvolvimento do/da jovem pobre é prejudicado em decorrência de seu contexto de vulnerabilidade e falta, o que

intensificaria as dificuldades já vividas no período da juventude:

[...] a parte da descoberta e do desenvolvimento, tudo isso fica muito prejudicado, muito retido, existe uma barreira entre esse adolescente pobre e o resto do mundo, é como se não tivesse todas as possibilidades que a gente sempre fala sobre a juventude, não tivesse a mão pra ele, não tivesse tão fácil (C3).

Eu acho que dificuldades, todas as dificuldades na juventude pobre são potencializadas pela questão das vulnerabilidades e carência (C3).

Em suas falas ressaltam ainda que falta oportunidade para juventude pobre se

desenvolver e descobrir novas possibilidades em sua vida, em decorrência das suas faltas e

de “alguém que a oriente”, o que acabaria levando os/as jovens pobres a ingressarem no mundo da criminalidade:

E a questão das descobertas, eles estão num momento de muitas descobertas. E que pra isso, eu acho... eles precisam de oportunidades, coisas que eles não tiveram, que a maioria deles não tiveram durante toda a vida. A falta mesmo de

oportunidade [...]. Descobertas de um mundo de possibilidades né! Onde eles

pudessem desenvolver a capacidade deles, as habilidades né! Que muitas vezes nem eles próprios sabem porque nunca ninguém deu essa oportunidade deles se descobrirem (C4).

Nunca foi dado aquela oportunidade, porque muitas vezes eles não tiveram ninguém que pudesse ouvi-los, pudesse... fazer com que eles parassem pra pensar, o que é que eles querem realmente pra vidas deles. O que eles podem fazer de diferente, muitas vezes é a oportunidade que eles têm é só o que? O mundo do tráfico, porque ali no mundo do trafico, né? Ali com os traficantes que eles veem a possibilidade de ter dinheiro, de ser o poderoso daquela comunidade, de ter os bens materiais, que eles muitas vezes nunca tiveram, de poder dar o melhor muitas vezes pra família, então a única, assim, é... eles só veem as possibilidades do tráfico, do mundo do crime mesmo, da criminalidade, como se fosse o único caminho pra vida deles (C4).

Os/as psicólogos/as em suas falas, ora enfatizam os aspectos biológicos dos/das jovens pobres, ora os aspectos ambientais e sociais, mas não apresentam esses fatores como sendo intrínsecos, parecem não conseguir superar perspectivas dicotomizantes ou fragmentadas acerca desses sujeitos e sua realidade social. Segundo Malvassi e Trassi (2010), diversas vezes a juventude pobre é permeada por visões que concebem o/a jovem pobre como transgressor/a, pois este apresentaria um comportamento destoante dos padrões a serem seguidos. Nota-se também que há concepções permeadas por preconceitos potencializados quando associados a questões sociais, de gênero e cor (NOVAIS, 2006). Em trechos das falas dos/das profissionais surgiu uma ideia de jovem pobre associada à transgressão, o que remete a uma visão naturalizada acerca do “ser jovem pobre”.

E eu vejo assim, as meninas dão muito mais trabalho que os meninos, elas são muito mais agressivas, elas são muito mais assim de partir pra cima, de criar confusão. Os meninos são muito mais no canto deles, na história deles, são transgressores também, mas eles são calados, eles tem uma coisa meio de cumplicidade muito forte, você errou, mas não digo que foi você, as meninas não, é uma entregando a outra, é dizendo que foi isso, foi aquilo, foi ela, foi ela que fez isso, assim só se for uma dupla, que esse é o meu comparsa, esse eu não entrego, esse eu não digo quem foi, mas mesmo na dupla, acaba entregando a outra assim, tá sozinha, aí ela diz: foi ela mesmo!(C2)

De um modo geral, percebe-se, no decorrer das falas do grupo focal dessa categoria, que emerge uma visão de ser humano que não está pautada a partir de uma perspectiva histórica, mas sim numa visão dotada de uma essência universal e abstrata. Essa concepção de sujeito ainda é predominante na Psicologia e está fundamentada na ideologia neoliberal, a

qual considera o individuo como um ser dotado de uma natureza própria, o qual é responsável pelo seu processo de individualização, pois é pensado de forma separada da sua condição de vida (BOCK, 1997; GONÇALVES, 2010; COIMBRA e LEITÃO, 2003).

Dessa forma, é compreensível que tenham uma visão naturalista/biologizante, universal, patologizante e a-histórica sobre a juventude objetivada como uma etapa natural do desenvolvimento humano, ou seja, uma “etapa marcada por conflitos e crises consideradas “naturais” da vida” (OZELLA, 2003, p.9).

6.4.4.2 Categoria: Pertença Social à pobreza

Os/as profissionais relatam que os/as jovens pobres sofrem discriminações e

preconceitos tanto relacionados ao seu local de origem, bem como pela sua cor e estética,

ou seja, pela sua forma de se vestir, falar, seu estilo de vida. Essas discriminações deixariam os/as jovens com vergonha de si ao atravessarem os muros de suas comunidades:

Eles muitas vezes tem vergonha de si, a gente nota que os meninos que moram nos locais um pouco mais afastados né! De Jaboatão praias, eles muitas vezes não querem ir ao shopping, a gente já ouviu relatos, eles não querem ir a um lugar onde eles vão sentir diminuídos, inferiorizados, então eles acabam muitas vezes se fechando dentro daquela comunidade onde eles, não sei, pelo menos onde percebi, onde eles acham que ali, sim, vão poder ter um status social, diferente da... da grande sociedade, digamos assim, da sociedade que não é aquele mundinho (C3). De fora daquilo... fora daquilo não tem condições de ser muito: “as pessoas me olham diferente por conta das minhas roupas, ou por conta da forma que eu me

visto ou que falo ou por conta da cor da minha pele, ou.... ou por qualquer coisa que

seja, né” (C3).

Diversos autores têm ressaltado em seus estudos sobre juventude pobre esses tipos de discriminações que foram apresentadas pelos/pelas psicólogos/as do SUAS (PICCOLO, 2007; CASTRO e ABRAMOVAY, 2002; SILVA JÚNIOR, 2011, SOUZA e SILVA, S/A). Tais discriminações e preconceitos estão ancorados na associação que se faz da favela, como local perigoso, violento, de comportamentos “anormais”, “carente” de leis, serviços públicos e equipamentos urbanos e de beleza dentre outras denominações pejorativas que colocam os/as jovens pobres como sujeitos de menor prestígio social.

6.4.4.3 Categoria: Vulnerabilidade em decorrência da desestruturação familiar

Nessa categoria analisamos que os/as jovens pobres são recorrentemente referidos como sujeitos fracassados, fragilizados em decorrência da ideia compartilha entre os/as

profissionais da sua suposta família desestruturada, que não dá apoio. A ausência de apoio e

falta de orientação familiar geram jovens “perdidos”, “agressivos” e “inseguros” como

podemos verificar a seguir:

Sendo clicheiro, no mundo da gente sendo psicólogos é dizer que de fato esses jovens são produtos da família, são sintomas da família sabe? (C1)

Dificuldades de convívio familiar sadio, afetivo, deles ter segurança, apoio etc e tal.

(C2)

A agressividade vem dessas inseguranças internas que eles tem, que já vem do próprio histórico deles familiar, ausência de apoio, de afeto, de carinho etc e tal (C2).

Ele é agressivo, bastante agressivo, ele realmente tem isso...Que é essa coisa de afrontar, de no meu caso pelo menos, não sei como é no LA, mas lá no Centro da Juventude, de afrontar, de, de em peitar você. Você ser homem, tem um porém ai, porque a figura masculina já não tá mais presente na família, hoje são as mulheres que muitas vezes tomam conta das famílias, principalmente as famílias pobres né! Então você é uma figura masculina, que já é ausente, pra ela enquanto uma

referência familiar, é...(C2)

A família também trata eles de uma forma que os deixa inseguros, uma família que não diz eu to aqui, eu to com você se você precisar. É uma família que diz: eu espero que você faça logo 18 anos pra me ver livre de você. Como se depois dos 18 anos, ele não fosse mais filho, quer dizer, é um filho de obrigação, não é um filho que eu amo, um filho que eu quero proteger (C3).

Os jovens que são muito carentes, eles não tem ninguém que possa orientá-los muitas vezes, eles são criados é... sem ninguém que possa orientar a eles, não tem ninguém que eduque (C4).

A literatura disponível sobre a juventude pobre traz que é recorrente a associação do jovem pobre ao seu local de origem, o que desencadeia uma visão desses sujeitos como seres violentos, criminosos, marginais, delinquentes, sem cultura, sem educação, de “famílias desestruturadas”, associados/as aos tráfico de drogas entre outros (SILVA JÚNIOR, 2011; LONGHI, 2008; NOVAIS, 2006; CASTRO e ABRAMOVAY, 2002).

Essas visões definem os/as jovens pobres em alguns momentos ora como sujeitos da falta (carentes) ora como negativos, perigosos e violentos (SILVA JÚNIOR, 2011; LONGHI,2008).

Tais visões são compartilhadas pelos/pelas psicólogos/as do SUAS, os/as quais representam a juventude pobre de forma negativizada, ora marcada pelo sujeito da falta em decorrência da sua condição social, econômica e cultural, ora pela vulnerabilidade decorrente da sua desestruturação familiar.

Vale destacar que conteúdos semelhantes também foram encontrados nas análises da associação livre a respeito da juventude pobre, nos quais os/as psicólogos/as apresentam uma representação social acerca dessa juventude fundamentada em torno de expressões de cunho negativo como nos termos conflitos, rebelde, drogas, violência, desinteresse e imaturidade; como também palavras associadas as faltas, como: falta de limite, falta de oportunidade, falta de educação, falta incentivo, falta trabalho e falta de sonhos.

Essas visões parecem-nos que estão ancoradas em argumentos “científicos” advindos tanto da Psicologia como das outras áreas do saber, as quais tomam como referencia as formas de vida e de desenvolvimento das elites como padrão de normalidade e de saúde, o que acaba transformando o diferente, o “fora do padrão dominante” em anormal e patológico (BOCK, 2004; COIMBRA, BOCCO e NASCIMENTO, 2005; COIMBRA e NASCIMENTO, 2005; COIMBRA e LEITÃO, 2003).

Consideramos também que essas visões compartilhadas de juventude pobre, parecem-nos ancoradas na formação inicial dos/das psicólogos/as participantes dessa pesquisa, que parece não problematizar a condição e situação social dos/das jovens pobres, pois na maioria dos componentes curriculares analisados, a juventude pobre não chega nem a ser mencionada, observamos que apenas uma instituição faz menção a esse público em um único currículo referente a um semestre letivo, sendo que apenas seis dos sessenta e um psicólogos/as da pesquisa realizaram sua formação nessa IES.

Tais informações parecem-nos ser confirmadas no questionário sociodemográfico e do perfil profissional, onde 78% dos/das profissionais do SUAS relatam que durante sua formação inicial em Psicologia não houve discussões curriculares sobre juventude pobre, e os que responderam que existiam discussões curriculares representam apenas 21% e fazem referencias que os teóricos que fundamentaram tais discussões são majoritariamente aqueles que discutem a juventude dentro de uma perspectiva biologizante e universalista.

Percebemos também que esses dados corroboram com análise das falas dos/das profissionais do grupo focal, os/as quais acabam naturalizando e patologizando a forma de serem jovens pobres, pois sua leitura da realidade social na qual os/as jovens estão inseridos/as, nos parecem simplória, desconsiderando assim, as macrodeterminações sociais e políticas e a nova ordem econômica que os/as circunscrevem (MALVASSI e TRASSI, 2010; FERREIRA et al., S/A).